19/08/08

Texto 16 ( Jornal "BADALADAS", 22 / 08 / 2008 )

A BATALHA DO VIMEIRO

PEDRO FIÉIS *






( Desenho do livro de João Pedro Tormenta e Pedro Fiéis )



Após a vitória na Roliça, Sir Arthur Wellesley recebe correspondência de Londres, que lhe dava conta do envio de novos reforços para as suas forças. A sua primeira prioridade passa então a ser a procura de um local adequado para o desembarque. Também soube da iminente chegada do general Burrard e do general Dalrymple, que o substituiriam no comando.

Os guias portugueses que trazia consigo e os conselhos oriundos da frota que o acompanhava ao largo, levam-no a optar pelo Porto Novo, uma baía feita pelo homem na foz do rio Alcabrichel, nunca acabada, mas que poderia fornecer alguma segurança num momento crítico para qualquer exército, como o é a protecção de um desembarque. O relevo em redor também facilitava a defesa, tendo Wellesley disposto a tropa desde a costa até à ponte de Maceira e ainda na colina sobranceira ao Vimeiro, que constituiria o seu flanco.

Entretanto em Torres Vedras, onde estabelecera o quartel-general e para onde ordenara a concentração de todas as forças francesas disponíveis (cerca de 14.000 homens), o general Junot toma conhecimento do desembarque que estava a ocorrer poucos quilómetros ao Norte e após reunião do conselho de guerra decide um ataque surpresa.

Embora tivesse assumido posições defensivas em redor da Vila, Junot sabia que estava por agora impedido de receber quaisquer reforços e por isso um ataque tinha de ser efectuado enquanto os números entre as duas forças estavam equilibrados. Às 4 horas da tarde do dia 20, os franceses começam a marcha, saindo de Torres pela estrada do Vale de Canas – Vila Facaia. Estrada em péssimo estado que dificulta e atrasa a marcha dos franceses.

As patrulhas inglesas é que aproveitaram este imenso ruído, intensificado pela passagem de uma velha ponte de madeira sobre o rio Alcabrichel, na zona de Paio Correia. Alertados, souberam exactamente qual a direcção do ataque, reportando isso mesmo para o general Wellesley, que modifica o seu dispositivo, reforçando a colina do Vimeiro e deslocando forças para o Alto da Ventosa.

Junot tinha consigo tropas bastante cansadas, e num movimento de última hora, decide-se a trocar a divisão Delaborde que avançava na sua direita, pela divisão Loison, que avançava em direcção ao Vimeiro. Ambas estavam bastante desgastadas por combates recentes, mais ainda a primeira que a 17 travara a Batalha da Roliça. Apesar disso não hesita.

Os generais Travot, Charlot e Tomières encabeçaram o ataque de três colunas em direcção à colina do Vimeiro. Solignac avançaria por Toledo em direcção à Ventosa, numa tentativa de contornar o dispositivo inglês e Brennier iria mais ainda pela ala direita seguindo pela estrada da Lourinhã até virar para Pregança.

Á sua frente, dispersa no terreno, estava a infantaria ligeira inglesa e os Riflemans, que os Voltigeurs franceses não conseguiram expulsar das suas posições. Só com a chegada das colunas é que retiraram. De súbito, no topo da colina surgiram as linhas inglesas que a uma distância de 20 passos dispararam um fogo mortal, coadjuvado pela chuva de balas proporcionada pelas granadas Shrapnel, acabando com este ataque em pouco mais de meia hora.

Desorganizadas, as colunas francesas fogem em pânico e Junot vendo o que estava a acontecer ordena o avanço de metade da reserva de granadeiros, as suas melhores unidades que, comandadas pelo coronel Saint-Claire, passam pela debandada do primeiro ataque e são fustigados pela artilharia inimiga. Sobem apesar disso a encosta, mas são recebidos por um fogo mortal dos regimentos nº 9, 50 e 97, formados em linha. Os granadeiros sofrem perdas enormes, num local ainda hoje conhecido como “Lagoa de Sangue” e param subitamente. Momento aproveitado pelos ingleses para carregaram. Com a moral já muito afectada, os franceses retiram.

O regimento 50 persegue-os até alguma distância e o general Kellerman, reparando que pode aproveitar esta brecha, ordena à restante reserva de granadeiros do coronel Marasin, um ataque nessa direcção. 1000 homens conseguem deste modo chegar a uma estrada desprotegida, já não existente nos dias de hoje e que conduzia directamente ao centro da aldeia do Vimeiro, junto à Igreja Matriz.

Inicialmente são coroados de sucesso. No entanto, Wellesley ordenara a Acland para colocar a sua recém desembarcada brigada em reserva na aldeia, com o objectivo de só a envolver nos combates em caso de extrema necessidade. Os franceses nada sabiam disto, pelo que foram surpreendidos por um devastador fogo de flanco. Na sua frente tinham ainda os homens de Anstruther protegidos pelo muro que rodeava a igreja.

Os granadeiros, fazendo jus à sua fama, investem corajosamente e inicia-se um sangrento combate à baioneta, mas como no seu avanço não foram acompanhados por outras forças, correm agora o perigo de se verem cercados. Kellerman e Marasin têm assim de retirar pelo mesmo caminho, já ladeado por Fane e Acland que conseguem aprisionar muitos inimigos. Todos os ataques ao Vimeiro haviam falhado e os franceses estavam nesta parte do campo de batalha em fuga.

Solignac neste meio-termo, já a ouvir o ruído da refrega próxima, consegue chegar perto da Ventosa, onde é igualmente recebido pelas linhas inglesas dos generais Ferguson, Nightingale e Bowes que impedem a sua progressão. Apanhado de surpresa, ferido na retirada, perde ainda toda a sua artilharia. Só a chegada de Brennier o salva, recuperando-se os prisioneiros e o material bélico.

Todas as forças francesas participantes na Batalha, derrotadas, estavam agora em fuga desorganizada de volta a Torres Vedras.

*Professor e investigador de História

Texto 15 ( Jornal "BADALADAS", 15 / 08 / 2008 )

DOUTRINAS MILITARES EM CONFRONTO NA GUERRA PENINSULAR:

OS INGLESES


Pedro Fiéis *


Do lado inglês temos uma perspectiva totalmente diferente, forjada principalmente à custa das duras lições apreendidas na Guerra de Independência dos E.U.A. e que perspectivam algo que entendemos como um exército moderno.
Por outras palavras, não existe um recrutamento obrigatório, mas sim o profissionalismo. Nas palavras de sir Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, o pior da sociedade inglesa alistava-se, mas sob o enquadramento de um regimento operava-se uma enorme transformação. A vida militar era dura, mas oferecia alguns privilégios como o salário regular, mais os prémios por vitórias alcançadas, para além de os soldados poderem ter consigo as suas mulheres e de as primeiras escolas públicas terem surgido nos regimentos.


Um treino longo e rigoroso fazia destes homens uma máquina disciplinada, capaz de manobrar mesmo nas mais difíceis circunstâncias, algo que os franceses não faziam. Depois era igualmente dado um grande ênfase ao poder de fogo. A India Pattern, o mosquete mais utilizado na Península, tinha um calibre de 19.3mm, por oposição ao mosquete Charleville francês, com um calibre de 17.5mm.


A organização das tropas era em tudo semelhante à francesa, a diferença residia apenas no seu uso em batalha. Foi com as milícias dos E.U.A., que os ingleses aprenderam aquela que viria a ser a sua táctica mais bem sucedida durante toda a Guerra Peninsular, a da contra encosta. Ou seja, no topo das colinas colocavam apenas as unidades de infantaria ligeira, mantendo os restantes regimentos formados em linha protegidos na referida contra encosta.


No momento certo, estes homens colocavam-se no topo e disparavam 3 salvas em 1 minuto, mais do que suficientes para travar qualquer avanço. Compensavam deste modo a fraca precisão de tiro dos mosquetes, algo de que o Board of Ordnance (organismo que tutelava o fabrico das armas) tinha plena consciência quando encomendou a “Baker”, uma arma que veio introduzir o conceito de espingarda.


Ao seu menor tamanho aliava um cano estriado que lhe conferia a tão necessária precisão. A sua fama deve-se igualmente a novas unidades designadas por Riflemans, derivação de Rifle, que a utilizavam em exclusivo e que em batalha actuavam como os Voltigeurs franceses, mas com a vantagem de serem muito mais precisos nos seus tiros, conseguindo muitas vezes eliminar os oficiais inimigos.


A surpresa final reservada para os franceses, consistia numa nova munição utilizada pela artilharia, a granada Shrapnel, nome do seu inventor, que a criou para que a artilharia se pudesse defender da cavalaria, mas que em muito ultrapassou este propósito. Consistia numa esfera oca, cheia de pólvora e balas, na qual se introduzia um rastilho. A perícia do artilheiro em calcular distâncias era fundamental, pois tudo bem feito a bala explodiria ainda em voo com um efeito de cone. As colunas francesas, na batalha do Vimeiro, foram as primeiras a experimentar o seu terrível efeito.


Quanto aos abastecimentos, Wellesley dava-lhes a maior importância pois sabia, tal como Napoleão, que os homens necessitavam de uma boa alimentação para continuarem a lutar. A diferença residia no facto de o primeiro continuar a depender das linhas de comunicação para os obter, mantendo por isso oficiais do comissariado junto do seu Estado-maior e junto dos regimentos, para que nada faltasse.


Na Primeira Invasão, por exemplo, a esquadra fornecia os viveres, estabelecendo-se pontos onde eram criados depósitos que supriam as necessidades por 3 dias. A aquisição de outros bens junto da população, deveria ser paga no acto, sob penas severas em caso de incumprimento.

* Professor e Investigador de História

NOTA DA COORDENAÇÃO:

Este artigo completa o da passada semana, que se havia debruçado sobre a organização militar dos franceses.
Recordamos que estes escritos têm como objectivo divulgar conhecimentos sobre a Guerra Peninsular. Não são trabalhos de investigação ou de abordagem exaustiva dos temas. Os nossos leitores que quiserem aprofundar as questões tratadas poderão encontrar bibliografia abundante nas livrarias. No nosso blogue LINHAS DE TORRES procuramos divulgar a que vai sendo publicada e que chega ao nosso conhecimento.


03/08/08

VISITA GUIADA AOS CAMPOS DE BATALHA

Uma breve nota para esta actividade que decorreu no dia 19 de Julho p.p.
Trinta e cinco pessoas calcorrearam os caminhos da Roliça e do Vimeiro, com o excelente guia que é Pedro Fiéis, investigador de História, especialista da Guerra Peninsular.
Não havia sinais de guerra, claro. Mas lá estavam os lugares onde tantos homens se defrontaram até à morte. Paisagens de grande beleza que acentuam o absurdo do confronto armado. Só um grande silêncio de dorida memória pode erguer-se como tributo de homenagem a tantos heróis anónimos que regaram de sangue aqueles sítios.



Mapa da Batalha da Roliça

Mapa da Batalha do Vimeiro


Moinho de Brilos, Bairro de Nº Srª da Luz, (Óbidos). Terá sido aqui que se deu o primeiro confronto entre ingleses e franceses na Guerra Peninsular



Roliça. Zona do primeiro ataque inglês às posições francesas



O professor Pedro Fiéis explica

Alto do Picoto, na Columbeira, perto da Roliça. Segundo ataque às posições francesas


Memorial ao Coronel Lake, comandante do 29º regimento inglês, morto na batalha da Roliça. Edificado, anos mais tarde, por antigos companheiros de armas que re-visitaram o lugar da batalha. Ainda hoje lá está, no meio dos campos...



Monumento comemorativo da batalha do Vimeiro, erigido naquele lugar aquando do centenário, em 1908

Aspecto actual da casa onde foi assinado o primeiro documento do armistício, no Vimeiro, e que, depois de ratificado, ficou conhecido por Convenção de Sintra



Fotos (C) Vedra

BATALHA DO VIMEIRO

Folheto sobre as comemorações do Bicentenário da Batalha do Vimeiro, organizadas pelo Concelho da Lourinhã e pela Junta de Freguesia do Vimeiro:













Texto 14 ( Jornal "BADALADAS", 01 / 08 / 2008 )






DOUTRINAS MILITARES EM CONFRONTO

OS FRANCESES


Pedro Fiéis*



Durante a Guerra Peninsular, acima dos dois exércitos em confronto – o francês e o inglês - estão duas muito distintas doutrinas de guerra.
Em França, a derrota na Guerra dos Sete Anos vai provocar um forte abalo em todas as estruturas militares e levar ao aparecimento de grandes estrategas que vão revolucionar a forma de combater no século XIX.
Guibert defendia a ideia que nação hegemónica seria aquela que possuísse um exército de conscrição nacional, organizado em divisões autónomas, o que lhe garantiria a mobilidade. Boucert pega nesta ideia e vai mais longe defendendo que a dispersão seguida de uma rápida concentração surpreenderia o inimigo. Por sua vez, Gribevaul com os irmãos Du Teil, são fundamentais para o progresso registado na artilharia.
Napoleão Bonaparte pega em todas estas teorias, aprofunda-as e testa-as com sucesso nos mais diversos campos de batalha europeus. Mais do que divisões, ele criou os Corpos, que agrupavam várias divisões e que congregavam infantaria, cavalaria e artilharia.
Com várias frentes de batalha ao longo de sucessivos anos, Napoleão sabia que o treino que os recrutas recebiam era básico, mas desta limitação fez a sua força, dizendo mesmo aos seus generais que os mosquetes não eram a melhor arma do soldado, mas sim as suas botas.
Por outras palavras, a rapidez com que movimentava o exército surpreendia o inimigo. O facto de ter, por exemplo, 3 Corpos dispersos numa frente de 200 km, para dias depois os ter concentrados numa frente de apenas 50 km, confundia o seu opositor, garantindo-lhe superioridade no campo de batalha, num local que na maior parte das vezes era escolhido por ele.
As forças francesas organizavam-se do seguinte modo: a infantaria dividia-se em ligeira e pesada. A primeira era a mais móvel, capaz de actuar de forma dispersa, reagrupando-se rapidamente quando tal fosse necessário e englobava os Voltigeurs, atiradores de elite. A segunda era a infantaria de manobra, a espinha dorsal do exército. Num ataque napoleónico típico, uma cortina de Voltigeurs fustigava as linhas inimigas e protegia o avanço das colunas de infantaria, que ofereciam assim uma frente reduzida ao fogo contrário.
Para a cavalaria, que tradicionalmente era utilizada para reconhecimento e para dar a estocada final no inimigo, estava reservado agora um novo papel, o de romper com as linhas inimigas. Dividia-se para isso em pesada, com os Cuirassiers, por exemplo, que protegidos por couraças conseguiam ser devastadores em batalha. E a ligeira, Chasseurs à Cheval e Dragons, entre outros, os últimos também treinados para desmontar e lutar como infantaria.
Finalmente a artilharia, com o denominado sistema Gribevaul. Para além das pesadas armas de cerco, contava ainda com canhões de tiro directo e morteiros, para o tiro em arco capaz de ultrapassar obstáculos. Existiam ainda peças que dado o seu menor calibre seguiam a infantaria no seu avanço, em muito contribuindo para aumentar o poder de fogo.
A mobilidade não poderia no entanto ser atingida se o exército estivesse dependente das longas e lentas linhas de abastecimento. Por isso, cada Corpo dependia de si próprio para o respectivo abastecimento, papel que em marcha era normalmente atribuído à cavalaria. Para além disso os soldados recebiam treino específico no que concerne ao cultivo de cereais e ao fabrico do pão.
Estas características aqui resumidas explicam a superioridade militar francesa nos campos de batalha da Europa no início do século XIX.
* Professor, Investigador de História