27/10/10

NOVO LIVRO SOBRE AS LINHAS DE TORRES VEDRAS







 "As Linhas de Torres Vedras: Invasão e Resistência (1810-1811)" é uma co-edição da Câmara de Torres Vedras e da Colibri, sendo a 16.ª publicação da colecção Linhas de Torres.
216 p., com mapas, gravuras e fotografias.






Lançada no início de Outubro, da autoria de Cristina Clímaco, uma torriense a trabalhar em França como professora universitária, esta obra é a sua tese de Licenciatura apresentada na Universidade de Paris VII, em 1991.

Do comunicado oficial publicado na imprensa regional:

"A obra, que recorre a fontes inéditas, pretende dar ênfase a um elemento até agora esquecido ou relegado para plano secundário na historiografia das Linhas de Torres Vedras: o humano. Este será abordado no que se refere à construção daquele sistema de fortificações e também no que diz respeito aos refugiados que se concentraram atrás deste durante a Guerra Peninsular. Serão analisado também as condições dos soldados do exército de Massena que participaram no conflito militar e que se depararam com escassez de alimentos e insuficiência de artigos indispensáveis ao seu quotidiano. "


Da Introdução, p. 21:
«Propomos desenvolver três ideias que nos parecem fundamentais para uma nova abordagem da problemática: os construtores das Linhas, ou seja, esses homens e mulheres que, de boa ou má vontade, foram obrigados a colaborar na construção das fortificações; a frustração do exército francês perante a barreira intransponível que constituiu as Linhas; e finalmente os danos que o plano de defesa de Portugal, materializado nas Linhas, infligiram no país. Os aspectos técnicos da construção e da estratégia de defesa serão tanto quanto possível dei­xados de lado ou limitados ao estrito necessário para a compreensão do princí­pio defensivo sobre o qual assentam as Linhas de Torres Vedras.»


Texto da contra-capa:

«Face à iminência de uma 3ª invasão pelas tropas de Napoleão, Wellington elaborou em 1810 um plano de defesa de Portugal assente em 3 pontos: a edificação de uma linha de fortificações a norte da península de Lisboa - as Linhas de Torres Vedras -, a retirada da população da Beira e da Estrema­dura para a retaguarda das fortificações, e a destruição de todos os meios de subsistências e de meios de produção que pudessem permitir às tropas francesas subsistirem na região. Wellington contava para o sucesso do seu plano com o nacionalismo do povo português ao qual pediu o sacrifício de se arruinar e de arruinar o país para o salvar das garras da águia francesa. O estado de devastação em que se encontrou Portugal após a retirada dos franceses, em Março de 1811, mostra a violência intrínseca a um tal plano, sem dúvida genial se considerado do ponto de vista da arte das fortifica­ções, mas na concepção do qual a dimensão humana não foi tida em conta. O futuro dará razão aos governadores do Reino que preferiam um plano de defesa centrado na fronteira que pouparia as duas províncias mais férteis de Portugal, e que por isso oporão, na figura do Principal Sousa, uma resistência a Wellington. Resistência que virá também de certos sectores da população quando os engenheiros ingleses, na ânsia de obter braços para as fortifica­ções, apagam as diferenciações sociais e os privilégios de classe, olhando-a apenas como uma massa indiferenciada de trabalhadores manuais. Pretendeu-se dar ênfase ao elemento humano, até agora esquecido ou relegado para planos secundários na historiografia das Linhas, quer durante a fase de construção quer posteriormente, quando uma massa de refugiados se encontrará concentrada atrás das Linhas de Torres Vedras, quer ainda no exército de Massena. Também do outro lado das Linhas, no campo francês, se viveu uma situação difícil, de escassez de géneros alimentícios e de insuficiência de todo o género de artigos indispensáveis ao quotidiano do soldado. Sem poder contar com a Intendência para a distribuição regular de rações foi compelido, desde os primeiros dias, a assegurar a sua própria subsistência, instalando-se um modo de vida que pouco se assemelha ao das gloriosas campanhas da Europa Central, e cuja consequência inevitável foi a escalada de violência sobre as populações que preferiram o refúgio nos montes à retirada para a capital.»




07/10/10

BADALADAS - TEXTO 56 - 10 SET 2010



TEMPO DE GUERRA
OS BONS E OS MAUS


José NR Ermitão

Ninguém põe em causa a importância dos ingleses no desenrolar da Guerra Peninsular contra os exércitos napoleónicos invasores. Contudo, quando se fala em comportamentos, não se pode identificar os franceses como “os maus” e os ingleses como “os bons”.
É hoje bem sabido que muitos militares ingleses,  soldados e até oficiais, tiveram para com os portugueses um comportamento absolutamente condenável. E tanto mais condenável quanto foram recebidos de um modo caloroso e festivo pela generalidade da população. O próprio Wellington queixava-se de que não havia correio ou relatório que recebesse que não trouxesse um rol de queixas contra violências e desmandos cometidos pelas tropas britânicas...
          No entanto, tão negativo como este péssimo comportamento era a atitude geral de condescendência, de superioridade, de arrogância britânicas relativamente aos portugueses, em muitos casos considerados de forma inferior e como uns incapazes tanto para governar como para defender o seu próprio país. Os ingleses tinham, por exemplo, uma péssima ideia sobre as nossas capacidades bélicas, só começando a alterar esse ponto de vista depois de constatarem a valentia dos soldados portugueses na Batalha do Buçaco.
E divulgaram esse mau conceito sobre nós em livros, em jornais, em revistas: durante e depois das invasões foram publicadas inúmeras obras que criticavam tendenciosamente o país e mostravam os seus habitantes como supersticiosos e ignorantes. E quanto à actuação do nosso exército, sempre a sua actuação foi desvalorizada comparativamente à do exército britânico, apesar de todos os elogios de Beresford e de Wellington à demonstrada capacidade de combate do militar português.   
Mas felizmente que nem todos assim pensavam e agiam. Muitos militares e civis incorporados no exército britânico eram homens de elevada formação cultural e fortes sentimentos humanos que, despindo-se da arrogância e preconceitos dos seus compatriotas, olharam o país e os seus habitantes com outros olhos, mais objectivos; e desse olhar diferente deram o devido testemunho em livros – livros em que descrevem o país destroçado pela guerra e o sofrimento dos habitantes, anotam a beleza das paisagens, tipos sociais e cenas quotidianas características, muitas vezes com ilustrações a complementarem o texto. Noutros casos, militares ingleses houve que praticaram actos de um humanismo raro em tempos de guerra.
Das várias obras publicadas que revelam atitudes diferentes e positivas na relação com os portugueses ou actos de grande humanismo, apresentarei, nos próximos dois artigos, dois exemplos. O primeiro é de Joseph Moyle Sherer, um militar que tanto se sente deslumbrado perante tudo o que vê, desde as cidades às cenas mais triviais – que procura entender como expressões próprias de um povo diferente – como condena as atitudes de sobranceria dos seus compatriotas. 
O segundo texto, de autor não identificado, revela um comportamento de elevado sentido humano por parte de militares ingleses. No texto de Moyle Sherer a guerra está longe embora paire como ameaça; mas no segundo ela está muito próxima: as populações estão em fuga perante o avanço francês e uma criança tragicamente perdida é salva por um militar britânico...

Por último, uma nota para dizer que também houve militares franceses que praticaram actos de elevado sentido humano. Refiro, por exemplo, o caso do general Travot que, durante a 1ª invasão, prestou valioso auxílio aos pescadores de Cascais; ou o caso passado com Guingret durante a 3ª invasão. Próximo de Leiria, um «bravo soldado» apresentou-lhe uma jovem e sua mãe, de uma família «conhecida e respeitada em Portugal», que tinha conseguido arrancar das mãos de soldados que se preparavam para as atacar, sobretudo a filha, da pior maneira. Guingret protegeu-as com todo o cuidado e fê-las conduzir para longe, guiadas pelo digno soldado que as salvou da ignomínia. Vários meses depois, em Espanha, um homem disfarçado de camponês procurou Guingret e entregou-lhe em segredo uma carta. Era da senhora portuguesa que, afectuosamente, lhe agradecia a protecção dada. Juntamente com a carta, ia um presente em ouro para o soldado que tinha salvo a honra da filha – presente que Guingret devolveu, porque o soldado tinha entretanto morrido em combate...
          Enfim, gestos e atitudes de paz em tempos de guerra...