29/03/09

O PORTO E AS INVASÕES FRANCESAS

O Jornal "Público" e a Câmara Municipal do Porto iniciaram no dia 27 deste mês a publicação de uma obra notável: O PORTO E AS INVASÕES FRANCESAS. Em quatro volumes, publicados às sextas-feiras, passará a ser, sem dúvida, uma obra de referência para o conhecimento histórico desta época. Trata-se de um conjunto de estudos realizados por especialistas, abarcando os mais diversos aspectos da abordagem histórica.
Neste primeiro volume encontramos os seguintes estudos:
"Antecedentes das Invasões Francesas", Luís Oliveira Ramos.
"A Segunda Invasão Francesa...", José Manuel Sardica.
"Portugal e a Diplomacia Europeia nas vésperas das Invasões Francesas...", Fernanda Paula Maia.
"A Duquesa de Abrantes e Portugal...", Marie-Hélène Piwnik.
"Milícias e Ordenanças no Norte de Portugal...", Cor. Nuno Lemos Pires.
"As Chefias Militares Portuguesas durante a Primeira e a Segunda Invasões Francesas", Maria da Conceição M Pereira.
"A Arte da Guerra no tempo de Napoleão", Cor. David Martelo.
"Os Mapas da Segunda Invasão francesa", João Carlos Garcia.
" A Defesa de Braga na Segunda Invasão Francesa...", Manuel Braga da Cruz.
Na capa deste primeiro volume vem reproduzida uma parte de um ex-voto da Irmandade das Almas, na Igreja de São José das Taipas, no Porto, que representa o Desastre da Ponte das Barcas.

A este propósito, reproduzimos a notícia sobre esta efeméride que lemos há pouco no jornal O SOL:

MONUMENTO EVOCATIVO DA PONTE DAS BARCAS


O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, inaugura hoje [29 de Março] o monumento evocativo da Ponte das Barcas, da autoria do arquitecto Souto Moura, no local onde a velha ponte de situava, a poucos metros da actual ponte Luís I.

A peça, feita em aço corten, simboliza a ligação entre as duas margens, visto que do lado de Gaia ficará instalada uma estrutura metálica semelhante.
A inauguração do monumento está integrada nas cerimónias de evocação dos 200 anos de um dos episódios mais terríveis da história da cidade do Porto: o desastre da Ponte das Barcas, que terá provocado a morte a mais de quatro mil pessoas, afogadas nas águas do Rio Douro.
O episódio, recordado numa "alminha" instalada numa parede da Ribeira do Porto, ocorreu em 29 de Março de 1809, na sequência da conquista da cidade pelo general Soult, nas segundas Invasões Francesas.
Tomada de pânico face ao avanço das tropas vindas do Norte, a população tentou fugir para o lado de Gaia, onde já se tinha refugiado no dia anterior o bispo do Porto.
Acontece então a catástrofe, por motivos que variam segundo os relatos: uns dizem que a ponte, constituída por 20 barcaças ligadas por cabos de aço, não aguentou a pressão e desfez-se, provocando a queda no rio da multidão.
Outra versão refere que do lado de Gaia alguém abriu um alçapão na ponte, para impedir que os franceses a atravessassem, que "engoliu" os que seguiam à frente na fuga, empurrados para a morte pelos que lhes seguiam a peugada.
Duzentos anos depois, o episódio será então assinalado com a inauguração do monumento, onde o Presidente da República colocará uma coroa de flores, seguindo-se um desfile das forças em parada.
À tarde, o chefe de Estado assistirá ainda na Sé do Porto a uma missa onde será interpretado um Requiem à memória de Camões composto por João Domingos Bomtempo, contemporâneo da catástrofe. (Jornal O SOL)
Para saber mais:
Desastre da Ponte das Barcas

23/03/09

Texto nº 28 (Jornal BADALADAS, 20 / 03 / 2009)


SIMÃO JOSÉ DA LUZ SORIANO,

HISTORIADOR DAS INVASÕES FRANCESAS (2)

JOSÉ NR ERMITÃO

1.
No anterior artigo referi que dos 19 volumes que compõem a História da Guerra Civil... sete (do 4.º ao 10.º volumes) são dedicados às invasões francesas e guerra pe-ninsular. No entanto, os 3 primeiros são também importantes pois neles são descritas as movimentações diplomáticas e militares do país no quadro da situação político-militar eu-ropeia resultante da Revolução Francesa e que desembocaram na 1.ª invasão.
Neles critica quer o oportunismo da Inglaterra, que tanto invoca a aliança com Portugal como a seguir o despreza, segundo os seus interesses, quer a incapacidade do regime absolutista e a sua subserviência para com aquele país. Sobre o governo diz «(os povos estavam) magoados de verem conduzir a nação de ruína em ruína, sacrificada aos caprichos de um governo despótico, ordinariamente inepto e corrupto»; sobre o príncipe regente, futuro João VI, chama-lhe «frouxo e irresoluto», «inexperiente e incapaz de to-mar por si uma resolução... a sua natural irresolução era acompanhada de muita dissimulação... bem longe de promover a união ministerial o regente adoptou o sistema oposto».
As relações com os ingleses e os seus actos são em geral assim referidos: «... sua subserviência (do governo português) para com o inglês e humilhações e vexames por que este o fez passar»; «...má disposição do governo inglês em nos auxiliar»; «duro abandono em que a Inglaterra deixou ficar este reino em tão triste conjuntura...» Enfim, se os franceses eram rapaces, a perfídia inglesa não lhes era inferior, nem a rapacidade britânica sobre a Madeira e a Índia portuguesa foi menor...
Sobre a ida para o Brasil da família real e governo tem uma posição muito crítica: «A família real..., desejando evitar o golpe que tão seriamente a ameaçava, procurou precipitada abandonar a foz do Tejo; e como porta que abriu para novas, mais pesadas e duradouras desgraças, a nação viu... que o governo, em vez de se abrigar a qualquer ilha do Atlântico, se tinha deixado arrastar pelos insidiosos conselhos ingleses, indo transformar os sertões do Brasil em largos campos de ruína para este reino...». Note-se o anti-inglesismo do autor, que não perde uma oportunidade para o afirmar.
2.
O 4.º, 5.º e 6.º volumes incidem sobre as Invasões e os acontecimentos que lhes são consequentes ou coetâneos; o 7.º e 8.º volumes referem a continuação da guerra mas no quadro hispânico; o 9.º e 10.º contêm o conjunto de documentos de suporte dos volumes anteriores.
Apesar de caracterizar a presença francesa em termos de violência, pilhagem, roubo, tirania e perda da independência nacional e de assinalar bem a revolta popular contra ela, vê também as consequências positivas da sua presença, na perspectiva da afirmação das ideias liberais: «Foi então que as armas do imperador dos franceses nos trouxeram os verdadeiros e mais profundos germens das novas e liberais doutrinas, li-gando os naturais do país em associações secretas e políticas, que pouco a pouco se foram ramificando e estendendo entre as pessoas de maior reputação e mérito nas superiores classes da sociedade, particularmente entre militares».
3.
Os movimentos de sublevação popular, que formam juntas governativas locais e restauram a soberania nacional por todo o Norte e Sul do país, são descritos com pormenor, como também as suas debilidades: a desunião entre as diferentes juntas, a falta de comunicação entre elas, a sua fraqueza militar e os tumultos populares, sobretudo no Norte, que num caso ou outro põem em causa a estrutura socio-política vigente. A par da violência repressiva de Loison refere também a capacidade da guerrilha, em Mesão Frio, que o acossa e obriga a retroceder. Escreve: «... a nação portuguesa... não hesitou em prontamente se levantar contra o jugo estrangeiro com tal união e força... e tão feliz êxito que restituiu Portugal à sua antiga independência... (mas) não seria fácil alcançá-lo... se não tivesse sido precedida da insurreição espanhola e sobretudo apoiada pelos ingleses... vindo (estes) a identificar com a nossa, a defesa da sua mesma causa».

IMAGENS DA GUERRA PENINSULAR - VI 12 Março 2009 FRENTE OESTE


O príncipe regente passando revista às tropas -Domingos António Sequeira, 1803 - Palácio Nacional de Queluz





FIGURAS HISTÓRICAS

D. JOÃO VI

Maria Guilhermina Pacheco

Filho segundo da rainha D. Maria I e de D. Pedro III, não se encontrava na linha directa ao trono, mas a ocorrência da morte do príncipe herdeiro D. José, garantiu a sua sucessão.
Casou em 1785, com D. Carlota Joaquina, filha do rei de Espanha, Carlos IV, tendo tido nove filhos, destacando-se D. Pedro, D. Isabel e D. Miguel.
A sua mãe, D. Maria I, enlouqueceu, e, em 1792, teve que assegurar o governo do reino, o que se veio a prolongar até 1799. Mas, como a rainha não mostrava melhoras, iniciou-se, a partir daquela data a regência de direito, que se prolongará até 1816, quando por morte da rainha-mãe, é aclamado rei, coM a idade de quarenta e nove anos, na cidade do Rio de Janeiro, para onde a corte portuguesa se deslocara, em 1807, devido à primeira invasão francesa.
O período da regência de D. João é contemporâneo de profundas transformações na vida política da Europa, a Revolução Francesa e as suas consequências, que se fazem sentir também, em Portugal.
Em catadupa, os acontecimentos vão-se sucedendo; Bloqueio Continental, o Tratado de Fontainebleau, as Invasões Francesas, a fuga para o Brasil (elevado a reino em 1815), as conspirações liberais de 1817 (em Portugal e no Brasil), a Revolução Liberal de 1820 e, o posterior regresso da família real e a independência do Brasil. É o declinar de uma época e o nascer de outra, que se opõe à anterior, com novas regras, política, económica, social e culturalmente.
O rei, “testemunha e agente dessa transformação, que não havia sido fadado pela natureza nem com grandes recursos intelectuais nem com vontade firme e esclarecida, que poderia fazer ao longo de toda a sua vida de governante, além de procurar impossíveis equilíbrios, inviáveis mediações entre a rotina e a inovação?” …” tíbio, infeliz e bom, o rei, aos baldões dos acontecimentos, encarnou um período calamitoso da história pátria, em cujos transes se forjou o dealbar do Portugal contemporâneo” (Joel Serrão, D. João VI, in Dicionário de História de Portugal, III volume, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1975)
No entanto, actualmente, tem havido a tendência para uma reabilitação da figura de D. João VI, apresentando-o como um estadista aberto aos problemas da sua época, e lutando por uma política de neutralidade portuguesa, e de equilíbrio, entre a França revolucionária e o imperialismo inglês. •

15/03/09

RECRIAÇÃO HISTÓRICA - Invasões Francesas no concelho de Pombal

Um conjunto de actividades evocativas das Invasões Francesas têm lugar nos dias 14 e 15 de Março em Pombal e na Freguesia da Redinha. O programa completo pode ser visto AQUI (clicar).


Por trás destas iniciativas está Mário Lino (clicar), natural de Pombal, Director do Museu do Ciclismo nas Caldas da Rainha, onde reside, e coleccionador/estudioso da nossa História, . Estamos a contar com ele para valorizar, igualmente, as comemorações da Guerra Peninsular em Torres Vedras.

13/03/09

FORTE DO ALQUEIDÃO - SOBRAL DE MONTE AGRAÇO

Estrada militar



Um dos fossos
Outro aspecto



Paredes de protecção






Este é um dos fortes mais importantes da primeira linhas das LINHAS DE TORRES VEDRAS. Situado num ponto muito elevado, em contacto visual directo com a Serra do Socorro, onde se articulavam os sinais de comunicação para a zona de Torres Vedras e litoral.
Foi recentemente desmatado, deixando à vista todo o sistema de fossos e travezes.
Como chegar lá: no Sobral de Monte Agraço, tomar a estrada para Bucelas. Depois de S. Quintino há uma zona de curvas e, cerca de dois Km à frente, há o desvio à direita, com a indicação de Forte de Alqueidão. A estrada é de terra batida e tem indicações com tabuletas de madeira. Quando se encontra a estrada militar, deixa-se o carro e sobem-se cerca de 150 metros até ao Forte. O panorama é soberbo. Vale a pena!
No cimo, junto ao talefe, foi construído há anos uma plataforma de betão que é, quanto a nós, um atentado ao património que deveria ser resolvido com a demolição pura e simples.
Para quem venha de Bucelas, passa a Arranhó e anda uns cinco Km até encontrar o desvio à esquerda para o Forte.
Para saber mais: AQUI. (Lá se vê a polémica plataforma de betão...)

07/03/09

IMAGENS DA GUERRA PENINSULAR - V 5 MARÇO 2009 - FRENTE OESTE




Olivença, Igreja de Santa Maria Madalena, estilo manuelino.




Portal manuelino, Paços do Concelho - Olivença







A “GUERRA DAS LARANJAS”

E A PERDA DE OLIVENÇA



Joaquim Moedas Duarte

As fronteiras de Portugal foram definidas no reinado de D. Dinis, em 1297, através do Tratado de Alcanises, firmado com Castela. Durante 504 anos mantiveram-se inalteradas até que, pela chamada Guerra das Laranjas, Olivença foi anexada pelos espanhóis.
Recuemos a 1801. A França e a Inglaterra defrontavam-se em terra e no mar, arrastando outros países pelo jogo das alianças e dos interesses de cada um. A Espanha, com um contencioso antigo em relação à Inglaterra, alia-se à França de Napoleão. Portugal, refém e beneficiário da velha aliança anglo-lusa, não tem por onde fugir. Manuel Godoy, a quem o rei Carlos IV de Espanha dera o título de Príncipe da Paz e fizera primeiro-ministro, entendeu-se com Napoleão para a partilha de Portugal. O que estava em causa? Napoleão via-nos como base de operações terrestres e ancoradouro seguro para os navios ingleses. Daí a exigência clara de que os nossos portos fossem fechados ao velho aliado. Por outro lado, na América do Sul as fronteiras do território português do Brasil eram há muito disputadas: a norte pelos franceses que queriam alargar a Guiana Francesa; a sul pelos espanhóis, por causa da colónia de Sacramento e das margens do rio da Prata, onde hoje é a Argentina.
Portugal não tinha argumentos de força para impor os seus direitos. O exército era reduzido, desorganizado e mal armado. O seu chefe máximo, o duque de Lafões, já octogenário, era incompetente, tal como os generais de que dispunha. As fortificações fronteiriças estavam em mau estado. Quando os espanhóis concentraram 40 a 50 mil homens no outro lado da fronteira, Portugal, que só dispunha de cerca de 12000, entrou num desesperado e inábil jogo diplomático cuja estratégia era apenas a de ganhar tempo, esperando um milagre. Ele não veio e os espanhóis passaram à acção em Março de 1801. Ocuparam Olivença, Juromenha, Campo Maior, Arronches, Portalegre e Castelo de Vide, sem que os portugueses opusessem resistência. Só Elvas não se rendeu, mas ficou isolada e sitiada sem qualquer influência no desfecho final. Quando a paz foi assinada pelo Tratado de Badajoz, em Junho daquele ano, Portugal teve de aceitar a perda de Olivença. Mais tarde, em 1815, no rescaldo da queda de Napoleão, o Congresso de Viena reconheceu a Portugal o direito de recuperar a sua posse mas a Espanha nunca acatou esta decisão.
Porquê a designação de “guerra das laranjas”? Conta-se que Godoy, já em Portugal à frente das tropas invasoras, mandou cortar um galho de laranjeira carregado de frutos e enviou-o como símbolo da sua conquista à rainha Maria Luísa, com quem vinha mantendo uma relação menos formal e mais íntima…
No dizer de António Ventura, historiador especializado no estudo desta época, “a Guerra das Laranjas foi uma espécie de primeira fase tímida e minimalista daquilo que seria a grande confrontação de 1807-1814, a Guerra Peninsular”.

01/03/09

Texto nº 27 ( Jornal BADALADAS, 26 / 02 / 2009 )

SIMÃO JOSÉ DA LUZ SORIANO,
HISTORIADOR DAS INVASÕES FRANCESAS (1)

José NR Ermitão

Há duas obras de importância capital para o estudo das Invasões Francesas: uma delas já foi objecto de artigos anteriores – a História Geral da Invasão dos Franceses... da autoria de José Acúrsio das Neves; a outra é a História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal, da autoria de Simão José da Luz Soriano. Em qualquer estudo sobre o período em questão, são sempre utilizadas e referenciadas pela extensão informativa e documental que veiculam.

O AUTOR
S. J. Luz Soriano (1802-1891) foi educado na Casa Pia que, devido às suas capacidades intelectuais, lhe custeou a frequência da Universidade de Coimbra. Liberal convicto, Soriano exilou-se em 1828, depois do malogro do liberalismo. Fez parte do exército liberal que, primeiro, se apoderou da ilha Terceira, depois desembarcou no Mindelo em 1832, combateu e derrotou o miguelismo e instaurou o regime liberal no país em 1834.
Voltou à universidade, formando-se em Medicina, e iniciou a actividade política co-mo colaborador de Sá da Bandeira (uma das mais prestigiadas figuras do liberalismo) na Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar. Foi defensor da colonização de Angola, província de que foi deputado, e membro do Conselho Ultramarino.
Como historiador, para além da obra mencionada, escreveu entre outras a História do Cerco do Porto (1849), a História do Reinado de D. José e da Administração do Marquês de Pombal (1867) e a Vida do Marquês Sá da Bandeira (1888); publicou ainda uma autobiografia, Revelações da minha vida…, em 1860.

A HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL...
O título da obra é tão extenso quanto a própria obra, História da Guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal compreendendo a história diplomática, militar e política deste reino desde 1777 até 1834. É constituída por 19 volumes, sendo 7 deles, do 4.º ao 10.º (cerca de 5000 páginas!), directamente dedicados às invasões francesas e guerra peninsular. A monumentalidade e a exaustividade, juntamente com uma exposição pouco metódica, uma escrita seca e longos excursos introdutórios, são as suas características externas mais evidentes.
Embora indique o ano de 1777 (subida de D. Maria I ao trono) como início da obra, antecede-o de uma vasta introdução de 200 páginas com uma síntese da história de Portugal, e refere aspectos do reinado de D. José e da actuação do Marquês de Pombal, pois «o reinado de D. José foi seguramente o do primeiro germen das referidas ideias (liberais) entre nós, pois que as reformas ou medidas decretadas pelo... ministro (Marquês de Pombal)... foram... do mais alto e rasgado progresso social...»; ou, como diz de outro modo, «O Marquês de Pombal abate com a clava da sua omnipotência as classes da nobreza e do clero, dando consideração às mais inferiores e desprezadas, medidas estas que o apresentam como altamente revolucionário, com relação ao tempo em que viveu».
A obra resultou de uma encomenda estatal e teve como objectivo concreto a elaboração de um panorama global e unitário da história do período em questão, até ai divulgada em obras mais ou menos parcelares. Esta necessidade de uma obra unitária entrosa-se quer com o papel que era atribuído à história na formação do homem liberal, quer com a necessidade de justificar e defender historicamente a inevitabilidade do próprio movimento liberal – tem pois uma evidente função ideológica.
Luz Soriano, para a sua elaboração, consultou não só as obras publicadas no seu tempo sobre os temas tratados, como teve acesso livre aos arquivos dos diversos ministérios. Reuniu assim uma massa de dados, informações, interpretações e documentos absolutamente inultrapassável e que faz dela uma obra de consulta obrigatória para o estudo do período que vai do reinado de D. José até ao estabelecimento do liberalismo, «seguramente a época mais importante da nossa história pátria, por ser o da maior ilustração e civilização, a da nossa diplomacia moderna, e a das nossas guerras externas e civis, a par da do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal».

(Continua em próximo artigo)




IMAGENS DA GUERRA PENINSULAR - IV 26 Fev 2009 - FRENTE OESTE






Batalha de Trafalgar - W. Turner





TEMPESTADE NO HORIZONTE

PORTUGAL ENTRE A FRANÇA E A INGLATERRA

A execução de Luís XVI pelos revolucionários franceses em Janeiro de 1793 fez estremecer as monarquias da Europa, levando-as a reagir. Durante 25 anos, este continente vai ser varrido pela guerra: de um lado a França, mobilizada segundo o novo conceito de “nação em armas”, chefiada pelo maior cabo-de-guerra dos tempos modernos, Napoleão; do outro, as grandes monarquias – Áustria, Prússia, Rússia, Suécia… - lideradas pela Inglaterra.
As duas maiores nações da Europa vão defrontar-se ao longo de um processo de afirmação imperial: a Inglaterra procurando o domínio das rotas comerciais marítimas e das colónias produtoras de matéria-prima para as suas indústrias; a França querendo impor os ideais revolucionários contra os decadentes regimes absolutistas. Entre uma e outra não era possível a coexistência pacífica. Napoleão encara seriamente a hipótese de invadir a grande ilha britânica, o que o leva a aliar-se à Espanha, inimiga secular da Inglaterra e senhora de uma forte Armada. O confronto decisivo deu-se em Outubro de 1805, junto ao Cabo Trafalgar, onde a armada franco-espanhola foi completamente desbaratada pela frota inglesa comandada pelo Almirante Nelson.
A partir daqui o teatro de guerra passa para o solo europeu. Portugal era uma nação periférica e de pouca influência internacional mas o seu território, tanto no continente como no ultramar, ganhou uma importância estratégica decisiva na luta entre as grandes nações rivais. Portugal viu-se entalado entre a espada francesa que nos considerava um protectorado inglês, e a parede inglesa que invocava a velha aliança para fazer dos nossos territórios a base das suas operações militares. Sem exército organizado e com um príncipe regente – D. João - sem estatura política, Portugal fica reduzido a jogar o seu destino no volátil tabuleiro diplomático. Proclamando-se neutral, alia-se em segredo ora a um ora a outro dos blocos inimigos. Esgota o tesouro em pagamentos, indemnizações, acções de aliciamento. Tenta ganhar tempo, esperando que deus ou a sorte levem para bem longe a tempestade que carrega o horizonte.

J. Moedas Duarte

IMAGENS DA GUERRA PENINSULAR - III - FRENTE OESTE 19 Fev 2009


Grupo de patriotas planta um "Maio da Liberdade". Gravura francesa, finais séc. XVIII


VENTOS DE LIBERDADE
Antecedentes da Guerra Peninsular

Em França, durante o período da Convenção (1792-1795) o apelo à participação popular para viver os acontecimentos que estavam a mudar o seu quotidiano foi recebido com entusiasmo. Proliferam os símbolos que todo o patriota se orgulha de ostentar: o “barrete frígio”, o “vestuário”, as “rosetas” tricolores que se afirmam nas lapelas e chapéus…
De entre os novos símbolos, um dos mais famosos, “a árvore da Liberdade” ou “Maio da Liberdade” readapta o uso de plantar, durante a noite, em frente da casa de uma namorada, de um vizinho ou de um inimigo uma árvore, o tradicional “Maio”. Deste costume, que coincidia com o início da Primavera e, amorosa ou cruelmente, traduzia em laços, fitas, objectos, papéis escritos, as mensagens, os dizeres, as injúrias, que de viva voz não havia coragem para assumir, irão os patriotas reavivar o fervor popular. Por toda a França se passaram a realizar as “festas cívicas”, plantando árvores nas vilas e cidades com fitas, laços, rosetas tricolores e palavras de incentivo e louvor aos actos e personagens da Revolução, mas também de verdadeiras ameaças aos seus opositores.
O processo revolucionário continua a sua marcha. Ao terminar funções, a Convenção aprova uma nova Constituição em 1795 sob o lema “ liberdade, igualdade, propriedade” dando início a uma nova etapa da Revolução Francesa – o Directório. Na guerra que a França sustenta na Europa começa a ganhar proeminência o nome de um general – Bonaparte.
O alastramento das ideias revolucionárias começou a ser objecto de preocupação por parte das monarquias absolutas logo a partir de 1793, e principalmente após a condenação à morte de Luís XVI. Pode-se, assim, compreender a acção do Intendente Geral da Polícia, Pina Manique, que tenta travar a todos os níveis a introdução em Portugal dos costumes, modas, opiniões, obras literárias ou quaisquer outras formas de contacto com as “perigosas” ideias. A França é, apesar de tudo, a grande referência cultural da época. Para alguns, muito poucos, espíritos iluminados que se reúnem em tertúlias e cafés, as ideias de igualdade e liberdade são objecto de discussão e defesa acalorada mas não põem em causa a ordem instituída.
Não será, portanto, de estranhar que esses homens ditos “afrancesados” associem a entrada na cidade de Lisboa, das tropas comandadas por Junot, ao sopro dos desejados ventos de Liberdade!

Manuela Catarino