Mostrar mensagens com a etiqueta Espanha. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Espanha. Mostrar todas as mensagens

26/12/08

Texto 21 ( Jornal "BADALADAS", 14 / 11 / 2008 )



MANIFESTO DE DECLARAÇÃO DE GUERRA À FRANÇA

José NR Ermitão

No dia 1 de Maio de 1808, cerca de sete semanas depois da Corte se ter estabelecido no Rio de Janeiro, o Príncipe Regente assinou um Manifesto constituído pela exposição e justificação (perante as potências europeias, os portugueses e «a mais remota posteridade») da conduta política e diplomática de Portugal relativamente à França e por uma declaração formal de guerra a este país.
Com este Manifesto, a Coroa Portuguesa pretendia esclarecer «a pureza da sua conduta» e o princípio adoptado de «evitar uma inútil efusão de sangue dos seus povos». E demonstrar que, perante os acontecimentos revolucionários passados em França e perante Napoleão, «
procurou sempre guardar a mais perfeita neutralidade».
A demonstração procede por via da exposição do historial das relações entre Portugal e a França, com a denúncia da permanente má fé do lado francês, indo até ao desrespeito do Tratado de 1804 pelo qual reconhecia a nossa neutralidade. Acusação de má fé extensiva à Espanha por ter feito «causa comum com a França».
Em contrapartida, o Manifesto refere a sinceridade do comportamento português e a exemplaridade das relações luso-britânicas, a disponibilidade do nosso tradicional aliado em compreender a nossa posição e em socorrer-nos nos momentos difíceis. De permeio vai tecendo críticas à incapacidade da Europa em perceber os desígnios expansionistas de Napoleão e em unir-se contra ele:
«A Europa devia... prever que a sua escravidão desde Lisboa a Petersburgo estava decidida no Gabinete das Tulherias e que era preciso fazer causa comum para destruir o Colosso...».
O Manifesto descreve depois em pormenor quer as exigências e ameaças com que o governo napoleónico pressionou o nosso país para o fazer aderir ao Bloqueio Continental e declarar guerra à Inglaterra, quer as tentativas feitas pela Coroa no sentido de um acordo para manter a neutralidade – o que Napoleão recusa.
Perante a ameaça de invasão militar, a Coroa acaba por ceder às exigências francesas (fecho dos portos aos navios ingleses) na ideia de que «a França, tendo conseguido essencialmente tudo o que tinha pretendido, não teria lugar de exigir mais coisa alguma». Mas Napoleão, desrespeitando a boa fé portuguesa e violando todas as regras de conduta entre os governos, invade Portugal «sem nenhuma declaração preliminar (de guerra)». Para salvaguardar a sua integridade, a Família Real não teve outra alternativa senão passar ao Brasil.
No final, considerando o indigno procedimento do imperador francês, a «usurpação de Portugal e a assolação e saque que ali se pratica», a abolição de governo instituído e dos direitos da Coroa, a imposição de uma pesada contribuição a um país «que não opôs resistência alguma à entrada das tropas francesas e que por isso não podia considerar-se em estado de guerra» – o Príncipe Regente faz a seguinte declaração:
«S.A.R.[Sua Alteza Real] rompe toda a comunicação com a França;... e autoriza os seus vassalos a fazer a guerra por terra e mar aos vassalos do imperador dos franceses.
S.A.R declara nulos e de nenhum efeito todos os tratados que o imperador dos franceses o obrigou a assinar... pois ele os infringiu e nunca os respeitou.
S.A.R não deporá jamais as armas senão de acordo com o seu antigo e fiel aliado, S. M.[Sua Magestade] Britânica; (...)».

SIGNIFICADO DO MANIFESTO

Este Manifesto – um documento de auto justificação da posição de Portugal e um violento libelo acusatório contra a França – tem um significado importante: a Coroa Portuguesa define de forma clara, ao declarar a guerra à França, a sua situação no concerto das nações no quadro das lutas europeias, posicionando-se irreversivelmente ao lado da Inglaterra. Outra coisa não seria de esperar depois da Convenção secreta de Londres, do apoio dado pelo governo londrino à transferência da Corte portuguesa para o Brasil e da invasão e ocupação do país pelos franceses.
O Manifesto será seguido, a 10 de Junho, de um decreto declarando a guerra a Napoleão e autorizando o apresamento dos bens dos franceses; mas já antes, a 22 de Março, era ordenada a conquista da Guiana Francesa, a norte do Brasil, a efectuar com o apoio inglês.

25/03/08

Texto 5 ( Jornal "BADALADAS", 28/03/2008 )

GUERRA PENINSULAR:
Porque é que Portugal se viu envolvido?

Joaquim Moedas Duarte*

Quando a cabeça de Luís XVI rolou no cadafalso em 21 de Janeiro de 1793, as monarquias absolutas da Europa estremeceram.Com a abolição do poder absoluto do rei e a afirmação da soberania popular desabava o “antigo regime” e a ordem estabelecida. Perante o perigo, as monarquias coligaram-se. Uma luta gigantesca irá sacudir a Europa durante cerca de 25 anos: de um lado a França que, lutando desesperadamente contra o cerco, acaba por aclamar um Imperador, Napoleão, ela que decapitara um rei; do outro as grandes nações – Áustria, Prússia, Rússia, Suécia… – lideradas pela Inglaterra. A Espanha oscila entre os dois, entregue ao calculismo dos seus governantes. É neste vendaval político e militar que Portugal vai ser arrastado, sem possibilidade de fuga.

Nação periférica, Portugal tinha uma enorme importância estratégica devido à situação geográfica e ao império colonial. Se no conserto diplomático os nossos embaixadores pouco contavam e até eram ignorados, as consequências económicas das nossas opções políticas eram cuidadosamente contabilizadas pelos governos beligerantes. Como resultado, a diplomacia portuguesa especializou-se em jogos de equilíbrio, procurando agradar a todos e tentando manter-se oficialmente neutral, embora aliando-se em segredo ora a uns ora a outros. Os cofres da coroa rapidamente foram esvaziados em pagamentos, indemnizações, tentativas de apaziguamento, que não tiveram outro efeito senão pôr-nos mal com deus e com o diabo. Que fazer?

Logo em 1801 a Espanha, que se aliara à França, invade Portugal na intenção clara de nos anexar. Com um exército desorganizado e sem chefes à altura, o país é humilhado e só obtém a paz à custa do território de Olivença e do pagamento de uma quantia exorbitante. Invocando uma secular aliança, os nossos governantes procuram ajuda junto da Inglaterra. Mas esta, que faz? Esperançada em que Portugal desapareça como nação, apressa-se a ocupar os nossos territórios coloniais, bem como a Madeira, só os abandonando quando verifica que a nossa extinção fora adiada.
A aliança anglo-lusa era um enorme equívoco e só viria a falar-se dela quando a Inglaterra viu vantagens nisso. O que aconteceu quando Napoleão decidiu enfrentar a nação rival e provocou a declaração de guerra entre as duas nações em 1803. Portugal ficou entre dois fogos. Para a França nós éramos um protectorado inglês e mais tarde ou mais cedo teria de ocupar o nosso território como forma de enfraquecer a Inglaterra. Para esta, nós devíamos ser fiéis à velha aliança para que os nossos portos e colónias continuassem abertos ao seu serviço. No meio, a nossa diplomacia empenhava-se em garantir a impossível neutralidade.

A Inglaterra tinha um enorme poderio naval, condição necessária à sua sobrevivência. Napoleão sabia que, para a vencer, teria de a enfrentar no mar. Para isso garantiu a aliança da Espanha que lhe facultou uma poderosa armada. O embate deu-se em Outubro de 1805 junto do cabo Trafalgar, no sul da Espanha. A armada franco-espanhola foi desbaratada e Napoleão teve de reconhecer a impossibilidade de invadir a Inglaterra por mar. Restava-lhe a via terrestre e esta passava por Portugal, base de apoio da nação inglesa que ele jurara aniquilar.
O confronto França/Inglaterra agravou-se de novo em 1806. Respondendo a uma política naval hostil da parte da Inglaterra, Napoleão decreta o “Bloqueio Continental”. Esta medida, imposta a todos os países europeus que tivessem litoral, destinava-se a fechar os portos aos navios ingleses, impossibilitando-lhes o comércio e a circulação de pessoas e bens. Portugal ficou mais uma vez entalado entre a espada e a parede, debatendo-se durante meses entre a fidelidade aos ingleses que tão necessários eram para a manutenção das nossas colónias e a inevitabilidade de ceder a uma parte das exigências francesas para evitar a invasão.

Napoleão tratou de garantir a aliança com o governo espanhol, necessária para a passagem do seu exército em direcção a Portugal. Por seu turno, os espanhóis, sempre dispostos a retomar o sonho de anexarem o nosso território, dispuseram-se ao conluio. O resultado foi o Tratado de Fontainebleau, assinado pela Espanha e pela França em Outubro de 1807. Nele se estabelecia que Portugal seria dividido em três lotes. O primeiro, a norte, que se chamaria Lusitânia, seria dado ao rei da Etrúria, como compensação de guerra; o segundo, abrangendo o Alentejo e Algarve, seria para o governante espanhol D. Manuel de Godoy, que ficaria com o título de príncipe dos Algarves. O terceiro lote, com Trás-os-Montes, Beira e Estremadura, ficaria para a França, numa situação a definir mais tarde. As ilhas e colónias portuguesas seriam igualmente divididas entre a França e a Espanha.

Está prestes a iniciar-se a primeira invasão francesa.

* Professor