25/03/08

Texto 5 ( Jornal "BADALADAS", 28/03/2008 )

GUERRA PENINSULAR:
Porque é que Portugal se viu envolvido?

Joaquim Moedas Duarte*

Quando a cabeça de Luís XVI rolou no cadafalso em 21 de Janeiro de 1793, as monarquias absolutas da Europa estremeceram.Com a abolição do poder absoluto do rei e a afirmação da soberania popular desabava o “antigo regime” e a ordem estabelecida. Perante o perigo, as monarquias coligaram-se. Uma luta gigantesca irá sacudir a Europa durante cerca de 25 anos: de um lado a França que, lutando desesperadamente contra o cerco, acaba por aclamar um Imperador, Napoleão, ela que decapitara um rei; do outro as grandes nações – Áustria, Prússia, Rússia, Suécia… – lideradas pela Inglaterra. A Espanha oscila entre os dois, entregue ao calculismo dos seus governantes. É neste vendaval político e militar que Portugal vai ser arrastado, sem possibilidade de fuga.

Nação periférica, Portugal tinha uma enorme importância estratégica devido à situação geográfica e ao império colonial. Se no conserto diplomático os nossos embaixadores pouco contavam e até eram ignorados, as consequências económicas das nossas opções políticas eram cuidadosamente contabilizadas pelos governos beligerantes. Como resultado, a diplomacia portuguesa especializou-se em jogos de equilíbrio, procurando agradar a todos e tentando manter-se oficialmente neutral, embora aliando-se em segredo ora a uns ora a outros. Os cofres da coroa rapidamente foram esvaziados em pagamentos, indemnizações, tentativas de apaziguamento, que não tiveram outro efeito senão pôr-nos mal com deus e com o diabo. Que fazer?

Logo em 1801 a Espanha, que se aliara à França, invade Portugal na intenção clara de nos anexar. Com um exército desorganizado e sem chefes à altura, o país é humilhado e só obtém a paz à custa do território de Olivença e do pagamento de uma quantia exorbitante. Invocando uma secular aliança, os nossos governantes procuram ajuda junto da Inglaterra. Mas esta, que faz? Esperançada em que Portugal desapareça como nação, apressa-se a ocupar os nossos territórios coloniais, bem como a Madeira, só os abandonando quando verifica que a nossa extinção fora adiada.
A aliança anglo-lusa era um enorme equívoco e só viria a falar-se dela quando a Inglaterra viu vantagens nisso. O que aconteceu quando Napoleão decidiu enfrentar a nação rival e provocou a declaração de guerra entre as duas nações em 1803. Portugal ficou entre dois fogos. Para a França nós éramos um protectorado inglês e mais tarde ou mais cedo teria de ocupar o nosso território como forma de enfraquecer a Inglaterra. Para esta, nós devíamos ser fiéis à velha aliança para que os nossos portos e colónias continuassem abertos ao seu serviço. No meio, a nossa diplomacia empenhava-se em garantir a impossível neutralidade.

A Inglaterra tinha um enorme poderio naval, condição necessária à sua sobrevivência. Napoleão sabia que, para a vencer, teria de a enfrentar no mar. Para isso garantiu a aliança da Espanha que lhe facultou uma poderosa armada. O embate deu-se em Outubro de 1805 junto do cabo Trafalgar, no sul da Espanha. A armada franco-espanhola foi desbaratada e Napoleão teve de reconhecer a impossibilidade de invadir a Inglaterra por mar. Restava-lhe a via terrestre e esta passava por Portugal, base de apoio da nação inglesa que ele jurara aniquilar.
O confronto França/Inglaterra agravou-se de novo em 1806. Respondendo a uma política naval hostil da parte da Inglaterra, Napoleão decreta o “Bloqueio Continental”. Esta medida, imposta a todos os países europeus que tivessem litoral, destinava-se a fechar os portos aos navios ingleses, impossibilitando-lhes o comércio e a circulação de pessoas e bens. Portugal ficou mais uma vez entalado entre a espada e a parede, debatendo-se durante meses entre a fidelidade aos ingleses que tão necessários eram para a manutenção das nossas colónias e a inevitabilidade de ceder a uma parte das exigências francesas para evitar a invasão.

Napoleão tratou de garantir a aliança com o governo espanhol, necessária para a passagem do seu exército em direcção a Portugal. Por seu turno, os espanhóis, sempre dispostos a retomar o sonho de anexarem o nosso território, dispuseram-se ao conluio. O resultado foi o Tratado de Fontainebleau, assinado pela Espanha e pela França em Outubro de 1807. Nele se estabelecia que Portugal seria dividido em três lotes. O primeiro, a norte, que se chamaria Lusitânia, seria dado ao rei da Etrúria, como compensação de guerra; o segundo, abrangendo o Alentejo e Algarve, seria para o governante espanhol D. Manuel de Godoy, que ficaria com o título de príncipe dos Algarves. O terceiro lote, com Trás-os-Montes, Beira e Estremadura, ficaria para a França, numa situação a definir mais tarde. As ilhas e colónias portuguesas seriam igualmente divididas entre a França e a Espanha.

Está prestes a iniciar-se a primeira invasão francesa.

* Professor

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