24/10/08

Texto 20( Jornal "BADALADAS", 24 / 10 / 2008 )



A CONSPIRAÇÃO DO PORTO [ 2ª parte ]


João Flores Cunha



No artigo anterior vimos como o Comandante da 2ª Invasão Francesa, Gen. Soult, acalentava o sonho de vir a ser rei da Lusitânia Setentrional, sonho que não era partilhado por alguns dos seus oficiais, entre os quais estava o cor. Donnadieu. Estabeleceu-se então uma aliança táctica entre este oficial e algumas personalidades importantes do exército aliado. (Nota da Coordenação)

O coronel Donnadieu explica então ao capitão português João Viana os passos da revolta: a necessidade dos revoltosos na colaboração inicial do exército anglo-luso; a prisão de Soult; a retirada imediata para Espanha dos franceses; a proclamação contra o Imperador; a adesão dos generais Sant-Cyr e Victor;. a entrega ao general Moreau, exilado na América, do comando de todo o exército francês.
Viana decide contactar o exército aliado. Com o pretexto de ir buscar a família que diz saber refugiada a dezoito léguas do Porto, consegue um salvo-conduto que lhe permite atravessar as linhas. Dirige-se a Coimbra onde o brigadeiro António Marcelino da Vitória lhe dá um passaporte a fim de o “livrar da ferocidade das ordenanças” de forma a poder chegar a Tomar, onde Beresford o recebe. Contudo, este não se entusiasma com o relato e aconselha o português a regressar ao Porto e voltar com um emissário dos oficiais franceses, com o qual pudesse entender-se. No entanto, dá-lhe por assistente o tenente-coronel Douglas que o acompanha até ao quartel do coronel Trant nas margens do Vouga. Viana transmite a Donnadieu as ocorrências e os conjurados nomeiam o capitão Jacques Constantin d`Argenton do 18º de dragões como emissário. Viana e d`Argenton encontram Douglas perto de Ovar, que os leva até Beresford. Desta feita, o general inglês tem como sério o relato de d´Argenton, mas diz-se sem autoridade para tomar qualquer iniciativa, encaminhando-os para Arthur Welesley que, entretanto, tinha chegado a Lisboa e assumira o comando do exército, instalando o seu quartel-general no palácio do Calhariz.
Wellington, na sua correspondência, relata a entrevista tida com o capitão d` Argenton, nela vislumbrando que o exército francês se dividia em dois campos: um propunha-se combater Soult pondo em execução o projecto da revolta desde que os ingleses o auxiliassem; o outro, composto pelos amigos de Bonaparte, pretendia impedir que o marechal se proclamasse Rei de Portugal. Não se comprometendo, Wellesley diz precisar de tempo para consultar o seu governo, mas que isso não o impediria de marchar para o norte e em breve estar frente ao exército francês.
O capitão francês e João Viana têm uma segunda reunião com Wellington já em Coimbra. Quando regressa só, ao Porto, d`Argenton encontra casualmente um seu antigo comandante, o general Lefèbre, que diz dirigir-se para a divisão Mermet. D`Argenton aconselha-o a não o fazer pois seria preso pelas avançadas inglesas e, julgando-o um dos conjurados, põe-no ao corrente das suas actividades. Lefrèbre denuncia a conspiração a Soult. Este, já conhecedor da movimentação dos ingleses, não dá muita importância ao relato do general e limita-se a mandar prender d`Argenton.
Quarenta e quatro dias depois de entrar no Porto, os franceses abandonam a cidade.
Em Penafiel, onde bivacou, Soult mandou interrogar d`Argenton, que denuncia alguns camaradas e é condenado ao fuzilamento. O coronel Laffite comandante do seu regimento, receoso de novas denúncias, pois era um dos conjurados que não havia ainda sido denunciado, facilita-lhe a fuga. O capitão d`Argenton refugia-se no meio dos ingleses seguindo depois para Inglaterra. Daí, ou por ver-se abandonado pelos ingleses, ou por remorsos, passa para França. É capturado e julgado em Vincennes, indicando o nome do português João Ferreira Viana como conjurado. Ouve, novamente, a sentença da sua condenação à morte e, desta vez, é fuzilado em Grenelle.
Os coronéis Donnadieu e Laffite são mais felizes escapando ao pelotão de fuzilamento pois Fouché, o eterno conspirador, intercede por eles.
João Ferreira Viana é promovido de capitão de ordenanças a capitão de linha tendo sido colocado às ordens do brigadeiro Francisco Colman. Como a de muitos dos verdadeiros patriotas, a memória deste enigmático herói desfez-se no tempo. Ele próprio diz na sua “Relação dos serviços que a Sua Majestade Fidelíssima fez o capitão de infantaria de linha e ajudante de ordens do Govêrno das Armas do Porto. João Ferreira Viana”: “Pela minha parte tenho conservado tanta cautela, que jamais deixei penetrar o segredo desta importante obra; nem mesmo depois, sabendo que alguns escritores produziam a história das campanhas de Portugal, me atrevo a esclarecê-los e por isso ignorarão esta circunstância.”

22/10/08

BIBLIOGRAFIA DA GUERRA PENINSULAR




Desde ontem há um novo livro sobre as Linhas de Torres Vedras.

Lê-se no Prefácio, escrito pelo Prof. António Pedro Vicente, um dos maiores especialistas da História Guerra Peninsular e que foi o orientador do Mestrado:


«O estudo sobre as Linhas de Torres Vedras que André Melícias nos apresenta e que constitui a sua tese de Mestrado deve assinalar-se como uma investigação valiosa. Efectivamente, para além da escassez bibliográfica no âmbito da historiografia nacional relativa a esse monumento militar, o facto de em breve se comemorarem os dois séculos da sua construção mais enriquece a temática escolhida»



Ficha técnica:


As Linhas de Torres Vedras:construção e impactos locais, André Filipe Vítor Melícias, ed. conjunta de Câmara Municipal de Torres Vedras e Livrododia Editores, Torres Vedras, 2008.

18/10/08

NOVO LIVRO SOBRE AS LINHAS DE TORRES




As Linhas de Torres Vedras: Construção e Impactos Locais


Segunda-Feira, 20 Outubro 2008, 19 H.


Auditório do Edifício Paços do Concelho em Torres Vedras



As Linhas de Torres Vedras: Construção e Impactos Locais
é o título do livro da autoria de André Filipe Vítor Melícias que será lançado no próximo dia 20 de Outubro, pelas 19h00, no Auditório do Edifício dos Paços do Concelho.Este livro é uma co-edição da Câmara Municipal de Torres Vedras e da Livraria Livrododia.
O Memorando de Wellington para Fletcher, de 20 de Outubro de 1809, mandava reconhecer o terreno e fortificar os pontos mais convenientes e defensáveis, visando a construção de um conjunto de fortificações construídas secretamente, a partir do final de Outubro de 1809, que viria a chamar-se de Linhas de Torres Vedras.
A um ano do ducentésimo aniversário deste documento, é lançado o livro As Linhas de Torres Vedras: Construção e Impactos Locais, um estudo fundamental para a compreensão do pensamento estratégico-militar, assim como dos diferentes projectos de construção deste sistema defensivo, determinante na defesa de Portugal frente à terceira invasão..
No Edifício Paços do Concelho de Torres Vedras» Praça do Município, na Zona Histórica
[Tel.: 261 334 040/ 261 320 739. ]

Texto 19 ( Jornal "BADALADAS", 10 / 10 / 2008 )



A CONSPIRAÇÃO DO PORTO [ 1 ]

João Flores Cunha



Foram de grande violência os primeiros dias da Primavera de 1809 na cidade do Porto. Enquanto o exército do duque da Dalmácia, marechal Nicolas Soult, se aproximava da cidade, uma turba, incitada pelo sargento-mor Raimundo José Pinheiro, perseguia os suspeitos de afrancesados, a quem, aos gritos de jacobinos e traidores, acusavam de todas as desgraças que aconteciam no Reino, chacinando aqueles que encontravam, como aconteceu ao general Bernardim Freire, ao brigadeiro Luís de Oliveira e ao tenente-coronel João Cunha entre outros.
Na manhã do dia 29 de Março as divisões Merle, Mermet e Delaborde rompiam as defesas, compostas por quarenta e sete bastiões servidos por dois mil homens e duzentas bocas de fogo. A população, buscando refugio na margem sul do Douro, corria em pânico na direcção da ponte das barcas que ligava a Ribeira ao cais de Gaia. A cavalaria portuguesa debandava perseguida pelos dragões franceses, atropelando a mole humana que fugia. A confusão era enorme. A estreita ponte não suportou o peso da multidão. Quatro mil fugitivos encontraram a morte nas águas do Douro.
O marechal Soult, instalado no palácio das Carrancas, preocupava-se em normalizar a vida na cidade e em conquistar a confiança dos seus cidadãos mais importantes entre os quais se encontrava o capitão de ordenanças do partido do Porto João Ferreira Viana, filho de um abastado comerciante, feito prisioneiro aquando da conquista da cidade.
A ambição do duque da Dalmácia levara-o a sonhar que poderia vir a ser rei da Lusitânia Setentrional, uma das três regiões em que Portugal era dividido pelo tratado de Fontainebleau, região que compreendia o Douro, o Minho e Trás-os-Montes. Para isso, era necessário ter os “fazedores de opinião” do seu lado. O seu “marketing” político foi posto a funcionar e, passava pela romagem ao Senhor Jesus de Matosinhos, onde se “ajoelhou, benzeu-se e rezou e ofereceu uma lâmpada de prata e o compromisso de custear o óleo para que se mantivesse sempre acesa e dobrou a côngrua do padre e o ordenado do sacristão”, ao fazer-se vitoriar no teatro de S. João como Sua Majestade rei Nicolau I, à criação dum jornal, “O Diário do Porto”, em cujas páginas se noticiavam todos os seus passos e onde os protegidos lhe iam preparando o caminho.
O seu chefe do estado maior, general Ricard, após a noite do teatro de S. João, enviou uma nota ao governador militar do Porto, general Quesnel na qual se dizia que as populações deveriam prestar homenagem ao vencedor e que as instruções deveriam ser transmitidas aos outros comandantes que se encontravam aquartelados nas diversas cidades do Norte. A primeira deputação a ser recebida no paço das Carrancas, onde estavam presentes todos os generais do exército invasor, foi a de Braga, liderada pelo corregedor António Mesquita e composta por trinta e seis elementos. Seguiram-se as de Barcelos, Viana do Castelo, Ovar, Vila do Conde, Póvoa do Varzim e, por fim, a do Porto, chefiada pelo desembargador Almeida Correia, teve honras de beija-mão: “Cada um dos membros da deputação teve a honra de beijar a mão de S. Ex.ª” – (Diário do Porto, de 29 de Abril de 1809). O teor dos pedidos das deputações era praticamente o mesmo: os Braganças tinham abandonado o país, o trono de Portugal estava vago, era pois forçoso, para interesse do reino que Napoleão indicasse um rei para Portugal e, que melhor rei haveria do que o duque da Dalmácia?
Ora, se a ambição do marechal era chalaceada pela soldadesca em alegre estribilho cantado pelos bivaques - “Oh!Oh!Lá!Lá! Le roi Nicolas!” -, o mesmo não acontecia entre muitos oficiais que viam na atitude do seu comandante um despropósito.
Na casa do pai do capitão de ordenanças do Porto, João Viana, haviam-se aboletado diversos oficiais franceses, entre os quais o coronel Donnadieu do 47º de infantaria. Este oficial, que se atrasara na carreira por haver participado na conjura de Rennes, em 1802, ao lado dos generais Bernadotte e Moreau contra Bonaparte, não via com bons olhos a transformação da República em Império e os títulos de nobreza que os seus antigos camaradas iam adquirindo. Donnadieu reunia um grupo de descontentes e numa dessas reuniões pôs João Viana ao corrente dos seus projectos e convidou-o a ajudá-los, pois necessitavam de alguém de confiança que encetasse conversações com o comando em chefe do exército anglo-luso.
O capitão português, vendo nesta conjura oportunidade para o país mais rapidamente se livrar do jugo do invasor, adere à proposta do coronel Donnadieu.

Veremos no que consistia o plano da sedição e como terminou.