A CONSPIRAÇÃO DO PORTO [ 1 ]
João Flores Cunha
Foram de grande violência os primeiros dias da Primavera de 1809 na cidade do Porto. Enquanto o exército do duque da Dalmácia, marechal Nicolas Soult, se aproximava da cidade, uma turba, incitada pelo sargento-mor Raimundo José Pinheiro, perseguia os suspeitos de afrancesados, a quem, aos gritos de jacobinos e traidores, acusavam de todas as desgraças que aconteciam no Reino, chacinando aqueles que encontravam, como aconteceu ao general Bernardim Freire, ao brigadeiro Luís de Oliveira e ao tenente-coronel João Cunha entre outros.
Na manhã do dia 29 de Março as divisões Merle, Mermet e Delaborde rompiam as defesas, compostas por quarenta e sete bastiões servidos por dois mil homens e duzentas bocas de fogo. A população, buscando refugio na margem sul do Douro, corria em pânico na direcção da ponte das barcas que ligava a Ribeira ao cais de Gaia. A cavalaria portuguesa debandava perseguida pelos dragões franceses, atropelando a mole humana que fugia. A confusão era enorme. A estreita ponte não suportou o peso da multidão. Quatro mil fugitivos encontraram a morte nas águas do Douro.
O marechal Soult, instalado no palácio das Carrancas, preocupava-se em normalizar a vida na cidade e em conquistar a confiança dos seus cidadãos mais importantes entre os quais se encontrava o capitão de ordenanças do partido do Porto João Ferreira Viana, filho de um abastado comerciante, feito prisioneiro aquando da conquista da cidade.
A ambição do duque da Dalmácia levara-o a sonhar que poderia vir a ser rei da Lusitânia Setentrional, uma das três regiões em que Portugal era dividido pelo tratado de Fontainebleau, região que compreendia o Douro, o Minho e Trás-os-Montes. Para isso, era necessário ter os “fazedores de opinião” do seu lado. O seu “marketing” político foi posto a funcionar e, passava pela romagem ao Senhor Jesus de Matosinhos, onde se “ajoelhou, benzeu-se e rezou e ofereceu uma lâmpada de prata e o compromisso de custear o óleo para que se mantivesse sempre acesa e dobrou a côngrua do padre e o ordenado do sacristão”, ao fazer-se vitoriar no teatro de S. João como Sua Majestade rei Nicolau I, à criação dum jornal, “O Diário do Porto”, em cujas páginas se noticiavam todos os seus passos e onde os protegidos lhe iam preparando o caminho.
O seu chefe do estado maior, general Ricard, após a noite do teatro de S. João, enviou uma nota ao governador militar do Porto, general Quesnel na qual se dizia que as populações deveriam prestar homenagem ao vencedor e que as instruções deveriam ser transmitidas aos outros comandantes que se encontravam aquartelados nas diversas cidades do Norte. A primeira deputação a ser recebida no paço das Carrancas, onde estavam presentes todos os generais do exército invasor, foi a de Braga, liderada pelo corregedor António Mesquita e composta por trinta e seis elementos. Seguiram-se as de Barcelos, Viana do Castelo, Ovar, Vila do Conde, Póvoa do Varzim e, por fim, a do Porto, chefiada pelo desembargador Almeida Correia, teve honras de beija-mão: “Cada um dos membros da deputação teve a honra de beijar a mão de S. Ex.ª” – (Diário do Porto, de 29 de Abril de 1809). O teor dos pedidos das deputações era praticamente o mesmo: os Braganças tinham abandonado o país, o trono de Portugal estava vago, era pois forçoso, para interesse do reino que Napoleão indicasse um rei para Portugal e, que melhor rei haveria do que o duque da Dalmácia?
Ora, se a ambição do marechal era chalaceada pela soldadesca em alegre estribilho cantado pelos bivaques - “Oh!Oh!Lá!Lá! Le roi Nicolas!” -, o mesmo não acontecia entre muitos oficiais que viam na atitude do seu comandante um despropósito.
Na casa do pai do capitão de ordenanças do Porto, João Viana, haviam-se aboletado diversos oficiais franceses, entre os quais o coronel Donnadieu do 47º de infantaria. Este oficial, que se atrasara na carreira por haver participado na conjura de Rennes, em 1802, ao lado dos generais Bernadotte e Moreau contra Bonaparte, não via com bons olhos a transformação da República em Império e os títulos de nobreza que os seus antigos camaradas iam adquirindo. Donnadieu reunia um grupo de descontentes e numa dessas reuniões pôs João Viana ao corrente dos seus projectos e convidou-o a ajudá-los, pois necessitavam de alguém de confiança que encetasse conversações com o comando em chefe do exército anglo-luso.
O capitão português, vendo nesta conjura oportunidade para o país mais rapidamente se livrar do jugo do invasor, adere à proposta do coronel Donnadieu.
Veremos no que consistia o plano da sedição e como terminou.
João Flores Cunha
Foram de grande violência os primeiros dias da Primavera de 1809 na cidade do Porto. Enquanto o exército do duque da Dalmácia, marechal Nicolas Soult, se aproximava da cidade, uma turba, incitada pelo sargento-mor Raimundo José Pinheiro, perseguia os suspeitos de afrancesados, a quem, aos gritos de jacobinos e traidores, acusavam de todas as desgraças que aconteciam no Reino, chacinando aqueles que encontravam, como aconteceu ao general Bernardim Freire, ao brigadeiro Luís de Oliveira e ao tenente-coronel João Cunha entre outros.
Na manhã do dia 29 de Março as divisões Merle, Mermet e Delaborde rompiam as defesas, compostas por quarenta e sete bastiões servidos por dois mil homens e duzentas bocas de fogo. A população, buscando refugio na margem sul do Douro, corria em pânico na direcção da ponte das barcas que ligava a Ribeira ao cais de Gaia. A cavalaria portuguesa debandava perseguida pelos dragões franceses, atropelando a mole humana que fugia. A confusão era enorme. A estreita ponte não suportou o peso da multidão. Quatro mil fugitivos encontraram a morte nas águas do Douro.
O marechal Soult, instalado no palácio das Carrancas, preocupava-se em normalizar a vida na cidade e em conquistar a confiança dos seus cidadãos mais importantes entre os quais se encontrava o capitão de ordenanças do partido do Porto João Ferreira Viana, filho de um abastado comerciante, feito prisioneiro aquando da conquista da cidade.
A ambição do duque da Dalmácia levara-o a sonhar que poderia vir a ser rei da Lusitânia Setentrional, uma das três regiões em que Portugal era dividido pelo tratado de Fontainebleau, região que compreendia o Douro, o Minho e Trás-os-Montes. Para isso, era necessário ter os “fazedores de opinião” do seu lado. O seu “marketing” político foi posto a funcionar e, passava pela romagem ao Senhor Jesus de Matosinhos, onde se “ajoelhou, benzeu-se e rezou e ofereceu uma lâmpada de prata e o compromisso de custear o óleo para que se mantivesse sempre acesa e dobrou a côngrua do padre e o ordenado do sacristão”, ao fazer-se vitoriar no teatro de S. João como Sua Majestade rei Nicolau I, à criação dum jornal, “O Diário do Porto”, em cujas páginas se noticiavam todos os seus passos e onde os protegidos lhe iam preparando o caminho.
O seu chefe do estado maior, general Ricard, após a noite do teatro de S. João, enviou uma nota ao governador militar do Porto, general Quesnel na qual se dizia que as populações deveriam prestar homenagem ao vencedor e que as instruções deveriam ser transmitidas aos outros comandantes que se encontravam aquartelados nas diversas cidades do Norte. A primeira deputação a ser recebida no paço das Carrancas, onde estavam presentes todos os generais do exército invasor, foi a de Braga, liderada pelo corregedor António Mesquita e composta por trinta e seis elementos. Seguiram-se as de Barcelos, Viana do Castelo, Ovar, Vila do Conde, Póvoa do Varzim e, por fim, a do Porto, chefiada pelo desembargador Almeida Correia, teve honras de beija-mão: “Cada um dos membros da deputação teve a honra de beijar a mão de S. Ex.ª” – (Diário do Porto, de 29 de Abril de 1809). O teor dos pedidos das deputações era praticamente o mesmo: os Braganças tinham abandonado o país, o trono de Portugal estava vago, era pois forçoso, para interesse do reino que Napoleão indicasse um rei para Portugal e, que melhor rei haveria do que o duque da Dalmácia?
Ora, se a ambição do marechal era chalaceada pela soldadesca em alegre estribilho cantado pelos bivaques - “Oh!Oh!Lá!Lá! Le roi Nicolas!” -, o mesmo não acontecia entre muitos oficiais que viam na atitude do seu comandante um despropósito.
Na casa do pai do capitão de ordenanças do Porto, João Viana, haviam-se aboletado diversos oficiais franceses, entre os quais o coronel Donnadieu do 47º de infantaria. Este oficial, que se atrasara na carreira por haver participado na conjura de Rennes, em 1802, ao lado dos generais Bernadotte e Moreau contra Bonaparte, não via com bons olhos a transformação da República em Império e os títulos de nobreza que os seus antigos camaradas iam adquirindo. Donnadieu reunia um grupo de descontentes e numa dessas reuniões pôs João Viana ao corrente dos seus projectos e convidou-o a ajudá-los, pois necessitavam de alguém de confiança que encetasse conversações com o comando em chefe do exército anglo-luso.
O capitão português, vendo nesta conjura oportunidade para o país mais rapidamente se livrar do jugo do invasor, adere à proposta do coronel Donnadieu.
Veremos no que consistia o plano da sedição e como terminou.
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