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06/02/11

SUPLEMENTO Nº 4 - BICENTENARIO DAS INVASÕES FRANCESAS - 28 JAN 2011


Poema de Luís Filipe Rodriges, ilustração de José Pedro Sobreiro, in: ESCRITO À MÃO DUZENTOS ANOS DEPOIS, ed. Câmara Municipal de Torres Vedras, 2009

A RETIRADA DE MASSENA E O FIM DAS INVASÕES FRANCESAS

Manuel Gouveia Mourão *


No dia 11 de Outubro de 1810, o exército francês chegou às Linhas de Torres Vedras. Após alguns combates de pouca monta, Massena reconheceu que, sem receber reforços, não tinha condições para ultrapassar este formidável obstáculo. A sua progressão para Lisboa teria de esperar que a ajuda viesse de outras tropas francesas, em Espanha. Como sabemos, essa ajuda não chegou e Massena não podia permanecer indefinidamente nas posições que ocupava entre as Linhas de Torres e a constante acção de milícias e camponeses que flagelavam a retaguarda do seu exército.

Os franceses enfrentavam um problema que punha em causa a sua capacidade de sobrevivência: a falta de géneros alimentares. O exército francês, para além de uma dotação base com que partia para cada campanha, abastecia-se nos territórios por onde passava. Essa experiência tinha dado bons resultados nas terras ricas da Europa Central mas as condições da Península Ibérica eram, em geral, diferentes. Além da relativa pobreza de muitos territórios, Wellington tinha ordenado que se retirasse do percurso a ser seguido pelo exército invasor tudo o que poderia abastecê-lo. Em grande parte essa ordem foi cumprida e, algum tempo depois de chegarem às Linhas de Torres, as tropas francesas enfrentavam a fome e o consequente aumento de doenças, o que provocou numerosas baixas nos seus efectivos.

Assim, a meados de Novembro, os franceses efectuam o primeiro movimento para a retaguarda indo ocupar uma região definida por Leiria, Rio Maior, Santarém e Tomar. A possibilidade de alimentar as tropas era aí maior mas não isenta de dificuldades pois estavam no início do Inverno. Podiam, no entanto, procurar alimentos na margem sul do Tejo mas as tentativas feitas para atravessar este rio fracassaram devido à acção de uma força militar que Wellington para ali enviara. Depressa se esgotaram os parcos recursos da região que então ocupavam e Massena não teve outra solução que iniciar a retirada.



O exército de Massena iniciou a sua marcha em direcção ao vale do Mondego no dia 4 de Março. Foi constituída em Leiria uma Guarda da Retaguarda para proteger o movimento do resto das tropas. Até ao dia 5 de noite permaneceram algumas unidades nos mesmos locais para iludir a vigilância das tropas anglo-portuguesas. Quando, no dia 6, Wellington teve conhecimento que os franceses tinham retirado de Santarém, foi iniciada a perseguição. O objectivo era atacar continuamente os franceses para provocar o maior número de baixas, fazer prisioneiros e impedir que eles conseguissem reorganizar-se e ocupar uma boa posição defensiva. Assim nunca estariam em condições de enfrentar as tropas perseguidoras e seriam obrigados a continuar a retirada até território seguro – neste caso, Espanha.

Na sua marcha até ao vale do Mondego, as tropas francesas foram continuamente pressionadas pelo exército de Wellington. Registavam-se alguns encontros entre as tropas dos dois exércitos. Destes são mais conhecidos os combates em Pombal e Redinha. Tendo encontrado forte resistência nas pontes que lhe possibilitavam a travessia do Mondego, Massena decidiu retirar em direcção a Espanha. Registaram-se mais combates em Condeixa, Casal Novo, Foz do Arouca e Ponte de Murcela. Entretanto, os franceses, com a finalidade de apressarem a marcha, começaram a desfazer-se de tudo o que não era essencial à sua sobrevivência: bagagens, carros de munições e até os próprios animais de carga.

Na noite de 18 para 19 de Março, os franceses fizeram, sem paragens, o trajecto de Ponte de Murcela à Chamusca (perto de Oliveira do Hospital). Foram 36 km percorridos com pouca visibilidade, por maus caminhos nas montanhas. As tropas anglo-lusas que os perseguiam fizeram cerca de 600 prisioneiros. Para tropas cansadas, esfomeadas e desmoralizadas, temos de reconhecer que este é um esforço notável. No dia 21 de Março chegaram a Celorico.

MASSENA NÃO DESISTE
Massena continuava com a ideia de cumprir as ordens que tinha recebido de Napoleão: capturar Lisboa. Pensou em encaminhar as suas tropas para a Estremadura espanhola e, a partir daí, com o apoio de outras forças francesas, voltar a ameaçar Portugal. Mas as condições do seu exército eram já muito más e, nestes casos, as acções de insubordinação aparecem facilmente. O caso mais importante foi a insubordinação do marechal Ney a quem Massena acabou por retirar o comando do 6º Corpo de Exército. Massena acabou por reconhecer a impossibilidade de concretizar aquele plano e, no dia 29 de Março, deu ordens para as forças se concentrarem na Guarda para daí seguirem para Ciudad Rodrigo.

Neste percurso para Ciudad Rodrigo, o exército francês fez uma paragem na região do Sabugal, perto da fronteira, na margem oriental do rio Côa. Aí foram atacados pelas tropas de Wellington e foi travada a batalha do Sabugal, sendo os franceses obrigados a retomar apressadamente a sua retirada, atravessando a fronteira no dia seguinte. Ficava em Portugal, na praça de Almeida, uma guarnição francesa que Massena não esqueceu e procurou libertar.

Wellington tinha posto cerco à praça de Almeida desde 7 de Abril mas o exército de Massena recompôs-se mais rapidamente que o esperado e, em breve, dirigia-se novamente naquela direcção. O cerco foi mantido com um número muito reduzido de tropas e Wellington tomou as disposições necessárias para impedir o avanço do seu inimigo. Os dois exércitos encontraram-se na região de Fuentes de Oñoro. Os combates tiveram início no dia 3 de Maio, foram quase interrompidos no dia 4 para reorganização dos dispositivos e o embate principal deu-se no dia 5. O exército de Massena sofreu outra importante derrota e ficava afastada, em definitivo, a possibilidade de socorrer Almeida.

Wellington voltou ao cerco daquela praça. Pensou que conseguiria obrigar a guarnição francesa a render-se pela fome pois eles não tinham possibilidades de serem abastecidos. Mas Massena conseguiu fazer chegar um correio ao interior da praça. Este correio continha instruções para uma tentativa de fuga da guarnição. Pouco antes da meia-noite do dia 10 de Maio, a guarnição francesa que se encontrava em Almeida saiu da praça pela porta norte e conseguiu abrir caminho pelo cordão de vigilância montado à volta da fortaleza. No dia seguinte de manhã, tinha-se reunido às tropas francesas que os esperavam do outro lado do rio Águeda. As últimas tropas francesas que tinham participado na terceira invasão saíram finalmente de Portugal.

IMPORTÂNCIA DAS TROPAS IRREGULARES
Durante todo o percurso, entre as Linhas de Torres Vedras e a fronteira portuguesa, os franceses não enfrentaram apenas as tropas que os perseguiam. Quando Wellington recolheu às Linhas de Torres, em Outubro de 1810, mantiveram-se em várias zonas do País tropas irregulares, sendo as mais importantes os regimentos de milícias. Estas tropas que, pela sua natureza, não estavam preparadas para confrontos abertos com tropas regulares e bem preparadas como eram as do Exército Francês, tiveram um papel importantíssimo nas acções que acabámos de descrever. Basta dizer que, enquanto Massena se manteve frente às Linhas ou na região de Santarém, a sua retaguarda esteve permanentemente ameaçada e as suas comunicações com Espanha, para serem mantidas, exigiam escoltas de centenas de homens. Foram também estas tropas que impediram os franceses de passarem para a margem norte do Mondego. Esta é uma componente da guerra muitas vezes esquecida.

Os franceses tinham saído de Portugal mas a guerra não tinha acabado. Já não se tratava apenas de expulsar os franceses de Portugal. Era necessário derrotá-los em toda a Península e, quando isso foi conseguido, em toda a Europa. Por isso a guerra continuou até 1814 e o exército de Wellington continuou a ser formado por tropas britânicas e portuguesas, mais tarde também por tropas espanholas. Por isso o Exército Português continuou a enviar tropas para combater em Espanha e, a partir de 1813, em França. Os combates só terminaram quando, no sul de França, o Marechal Soult, nomeado comandante das tropas francesas na região, se rendeu a Wellington, a 17 de Abril de 1814. Terminava então a Guerra Peninsular. * Coronel na reserva

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Combate de Pombal


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CRONOLOGIA DA RETIRADA DE MASSENA

1810-06-24 Combate do Côa
1810-08-15 Início do Cerco de Almeida
1810-08-28 Capitulação de Almeida
1810-09-27 Batalha do Buçaco
1810-10-11 Os franceses param frente às Linhas de Torres Vedras
1810-11-15 Retirada para a região Leiria - Rio Maior – Santarém – Tomar

1811-03-04 Início da retirada francesa da região Leiria - Rio Maior – Santarém – Tomar
1811-03-11 Combate de Pombal
1811-03-12 Combate da Redinha
1811-03-14 Combate de Condeixa
1811-03-15 Combate de Foz do Arouca
1811-03-18 Combate de Ponte de Murcela
1811-03-29 Combate da Guarda
1811-04-03 Combate do Sabugal
1811-05-03 a 05 Batalha de Fuentes de Oñoro
1811-04-07 Início do cerco de Almeida pelas tropas anglo-lusas
1811-05-10/11 Fuga da guarnição francesa de Almeida

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CENAS DE GUERRA

ATITUDES HUMANAS EM TEMPO DE GUERRA
José NR Ermitão


Muitos militares ingleses, soldados e até oficiais, tiveram para com os portugueses um comportamento violento absolutamente condenável. E tanto mais condenável quanto foram recebidos de um modo caloroso e até festivo. O próprio Wellington queixava-se de que não havia correio ou relatório que recebesse que não trouxesse um rol de queixas contra violências e desmandos cometidos pelas tropas britânicas.
Tão negativo quanto este péssimo comportamento era a atitude geral de condescendência, de superioridade, de arrogância britânicas relativamente aos portugueses, em muitos casos considerados de forma inferior ou como uns incapazes, até para defender o seu próprio país. Os ingleses tinham de facto uma péssima ideia sobre as nossas capacidades bélicas e só começaram a alterar esse ponto de vista depois de verificarem a va-lentia dos soldados portugueses na Batalha do Buçaco.

Mas felizmente que nem todos assim pensavam ou agiam. Muitos militares ou ci-vis incorporados no exército britânico eram homens de elevada formação cultural e fortes sentimentos humanos que, despindo-se da arrogância dos seus compatriotas, olharam o país e os seus habitantes com outros olhos, mais objectivos e menos preconceituosos, e desse olhar diferente deram o devido testemunho em cartas, memórias, narrativas diversas, em muitos casos acompanhados de desenhos de paisagens, tipos sociais e cenas do quotidiano. Mais tarde, passada a guerra, publicaram-nas, e assim terão contribuído para alguma mudança da opinião pública inglesa a nosso respeito.
Esses militares e civis (médicos, padres e funcionários), ao chegarem ao nosso país, ao serem confrontados com uma realidade humana, social e até natural muito diferente da sua, acabaram ou por lhe dar uma atenção específica ou por mostrar elevados sentimentos humanos. Ou descrevem o país destroçado pela guerra e o sofrimento dos seus habitantes, ou descrevem a beleza das paisagens, os tipos sociais e cenas de quotidiano, ou demonstram um humanismo raro em tempos de guerra.
Das muitas obras publicadas e que revelam estes aspectos, apresentarei, nos três artigos seguintes, outros tantos textos. O primeiro texto é de Moyle Sherer, um militar que demonstra não só um encanto, quase um êxtase, perante tudo o que vê, desde as cidades às cenas mais triviais – que procura entender como expressões próprias de um povo diferente – como condena as atitudes de sobranceria dos seus compatriotas.

O segundo texto, de autor que não consegui identificar, revela um comportamento de elevado sentido humano por parte de dois militares ingleses. No texto de Moyle Sherer, um texto de paz, a guerra está longe embora paire como ameaça; mas no segundo ela está muito próxima: as populações estão em fuga perante o avanço francês. O terceiro texto, de Simon Frazer, é típico do militar em viagem que, com objectividade surpre-endente, vai descrevendo o ambiente humano carregado das consequências destrutivas da 3ª invasão.
Por último, uma nota para dizer que também militares franceses houve que praticaram actos de elevado sentido humano, em contradição com a violência geral dos restantes. Refiro, por exemplo, um caso contado por Guingret durante a 3ª invasão. Próximo de Leiria, um «bravo soldado» apresentou-lhe uma jovem e sua mãe, de uma família «conhecida e respeitada em Portugal», que tinha conseguido arrancar das mãos de soldados que se preparavam para as atacar, sobretudo a filha, da pior maneira. Guingret – que condenava o modo como os soldados atacavam de forma vil as mulheres – rodeou-as de todos os cuidados e fê-las conduzir para longe pelo digno soldado que as salvou da ignomínia. Meses depois, já em Espanha, um homem disfarçado de camponês espanhol conseguiu entregar a Guingret uma carta. Era da senhora portuguesa, que afectuosamente lhe agradecia a protecção dada. E, juntamente com carta, um presente em ouro para o soldado que tinha salvo a honra da filha – presente que Guingret devolveu porque o soldado tinha entretanto morrido em combate...
Enfim, gestos e atitudes de paz em tempos de guerra...


Cerco de Ciudad Rodrigo

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CENAS DE GUERRA

O VENTURINHO DO POÇO
José NR Ermitão


Assim mesmo, em português, é intitulada uma pequena história contida na colec-tânea «Peninsular Sketches by actors on the scene», editada por W. H. Maxwell em 1845, que reúne um conjunto de histórias reais de militares que participaram na Guerra Peninsular. Esta história, sem indicação do autor, exemplifica bem os traços de humanidade de um militar inglês que, em situação de fuga dos povos perante a ameaça dos franceses, não só salva uma criança portuguesa de um sofrimento e morte atrozes como, por não saber dos pais, se afeiçoa a ela e lhe possibilita – através do major do regimento – uma vida social que provavelmente nunca teria no país.
Em cenário devastado pela guerra, a presença de uma papoila a gritar pela vida! Relativamente ao original, a tradução é livre e um tanto abreviada.

“Na manhã de 10 de Outubro (de 1810), cavalgando de Calhandriz para Alverca, ouvi a alguma distância o gemido queixoso de uma criança. Parei para ouvir; o som parecia vir da terra. Procurando, abeirei-me de um poço em cujo fundo estava a criança, completamente nua, sentada sobre uma camada de lama. Por sorte, o poço estava sem água. Ao ver-me, levantou as mãozitas para mim e gritou “Mãe! mãe! Minha mãe!” Usando os arreios, puxei-a para cima. Era um rapazito, estava completamente enlameado e tinha sangrado do nariz. De resto estava bem, salvo uma ferida na testa. Já caminhava mas mal falava, de modo que nada me pôde dizer sobre os pais nem como tinha ido parar dentro do poço. Embrulhado numa capa, pu-lo na sela e assim fomos até Alverca, onde o entreguei à mulher de um sargento do aquartelamento, que o vestiu e tratou dele.

Tratei de publicitar o caso em Lisboa e noutras cidades, descrevendo a criança e as circunstâncias em que a tinha encontrado, mas ninguém a reclamou. Entretanto o ra- paz ia crescendo e em breve se familiarizou connosco. Em poucas semanas aprendeu muitas palavras inglesas e já sabia pedir pão e manteiga. Se eu mencionasse a história do poço na sua presença empalidecia e quase desmaiava de terror. Enfim, era um bonito rapaz, de cabelo castanho escuro encaracolado, tez oli-vácia e olhos brilhantes. Com o passar do tempo não só fui perdendo a esperança de encontrar os pais, como se ia fortalecendo o meu interesse pelo seu bem estar; e como ele não dava conta do seu nome, os portugueses que comigo andavam deram-lhe o nome de “Venturinho do Poço”, e os in-gleses de “Little Fortunatus of the Well” (Pequeno Afortunado do Poço).

A incrível circunstância em que o encontrei em breve se tornou conhecida no re-gimento a que eu pertencia e chamou a atenção do respectivo major. Um dia, em que conversávamos sobre diversos assuntos, ele orientou a conversa para a questão do rapazito e perguntou-me, com seriedade, o que é eu pensava fazer no caso de nem os seus pais ou parentes serem encontrados. Eu disse-lhe que, de facto, ainda não tinha tomado nenhuma resolução; mas que, não havendo alternativa, o levaria para Inglaterra, como comemoração da minha campanha militar na Península, e o criaria com a meia dúzia de filhos que já tinha. É então que o major se oferece para se res-ponsabilizar pela criança e até adoptá-la. O major era pessoa educada, rica e não tinha filhos; e como tal oferta prometia um futuro favorável ao rapaz, não hesitei em passar-lhe os direitos paternais sobre o pequeno Ventura.

O major enviou a criança para a Irlanda para lá ser educada, e por este motivo nada soube dela durante cinco ou seis anos. Entretanto o rapaz frequentou a escola e desenvolveu capacidades que parece terem fixado definitivamente a ligação do major pa-ra com ele. Depois, nunca mais tive contacto com o major ou com o Ventura que, entretanto, já se deve ter tornado adulto; e é mais que provável que tenha alcançado uma posição social muito mais elevada do que os seus pais alguma vez lhe poderiam proporcionar. Mau grado os desastres que se abateram sobre o seu país, bem pode agradecer aos Céus a mão da Divina Providência que o tocou” – pela mão de militares ingleses atentos à vida, tanto quanto às suas funções bélicas!

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SUGESTÕES DE LEITURA



AS LINHAS DE TORRES VEDRAS - INVASÃO E RESISTÊNCIA – 1810/1811. - Edição Câmara Municipal de Torres Vedras e Ed. Colibri, Lisboa, 2010.


Da autoria de Cristina Clímaco, uma torriense a trabalhar em França como professora universitária, esta obra é a sua tese de Licenciatura apresentada na Universidade de Paris VII. A autora esclarece na Introdução:

«Propomo-nos desenvolver três ideias que nos parecem fundamentais para uma nova abordagem da problemática: os construtores das Linhas, ou seja, esses homens e mulheres que, de boa ou má vontade, foram obrigados a colaborar na construção das fortificações; a frustração do exército francês perante a barreira intransponível que constituiu as Linhas; e finalmente os danos que o plano de defesa de Portugal, materializado nas Linhas, infligiram no país. Os aspectos técnicos da construção e da estratégia de defesa serão tanto quanto possível dei¬xados de lado ou limitados ao estrito necessário para a compreensão do princí¬pio defensivo sobre o qual assentam as Linhas de Torres Vedras.»

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A ASSOCIAÇÃO DO PATRIMÓNIO E O BICENTENÁRIO


Em Janeiro de 2008 iniciámos na imprensa regional a publicação de um conjunto de textos evocativos da Guerra Peninsular / Invasões Francesas. Foi uma das formas de participação da Associação de Defesa do Património de Torres Vedras no Bicentenário das comemorações destes acontecimentos históricos. Damos hoje por concluída esta iniciativa, com um balanço que nos parece positivo: 61 textos na rubrica “Bicentenário das Invasões Francesas” ( jornal Badaladas); 24 textos na rubrica “Imagens da Guerra Peninsular” ( jornal FrenteOeste); 4 Suplementos de 4 páginas a cores no jornal Badaladas. Total de colaboradores: 17. Total de textos: 96.

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Ficha Técnica:

Coordenação: Joaquim Moedas Duarte
Textos: Cor. Manuel Gouveia Mourão, José Ermitão, Luís Filipe Rodrigues
Imagem e paginação: josé Pedro Sobreiro
Execução gráfica: Carlos António Ferreira

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15/11/10



DIA ESPECIAL

Foi em 15 de Novembro de 1810, faz hoje 200 anos! As tropas francesas, estacionadas frente às Linhas de Torres Vedras, iniciam a retirada. Ficarão na zona de Santarém / Torres Novas durante todo o Inverno, aguardando reforços.

Venerando de Matos, historiador torriense, assinala a data no seu VEDROGRAFIAS 2. Um convite irrecusável para os nossos leitores...

24/08/10

BADALADAS - Texto 55 - 27 AGOSTO 2010




 
FAZ HOJE 200 ANOS
ALMEIDA RENDE-SE À TRAGÉDIA


 

Joaquim Moedas Duarte


 
Almeida foi sempre a praça-forte mais avançada na resistência aos invasores. Na raia beirã, fronteira leste com Espanha, por aqui fazia entrada quem vinha sem licença e à força. Os anais históricos lembram as correrias bélicas da primeira dinastia, as investidas castelhanas na crise da independência dos finais do século XIV, a Guerra da Restauração trezentos anos depois, os cercos da Guerra da Sucessão já no XVIII - embates permanentes da teimosia espanhola contra o irredutível vizinho. Entrado o século XIX, o velho baluarte tinha ainda uma dura prova a cumprir. Foi quando o exército napoleónico, comandado por Massena, irrompeu por ali, disposto a vergar finalmente a velha Lusitânia com uma terceira invasão.

Estava-se em Julho de 1810. O Grande Exército francês, composto por três Corpos num total de cerca de 65 000 homens, estava prestes a invadir Portugal. Mas foi necessário, primeiro, cercar e dominar Ciudad Rodrigo, para garantir as linhas de abastecimento e comunicação com França. Feito isso, aí temos o invasor a derramar-se pelas serranias raianas, ciente da necessidade de dominar a grande praça-forte de Almeida, fortaleza de grossos muros em forma de estrela, que dispunha de 5 000 homens e de um poderoso equipamento de 98 peças de artilharia. Era seu comandante o brigadeiro inglês Guilherme Cox, tendo como subalternos alguns oficiais portugueses.
Depois do primeiro embate junto à ponte do rio Côa, em que o general inglês Craufurd a custo salvou a sua Divisão Ligeira, mas com pesadíssimas baixas, (ver nosso artigo neste jornal, em 22 /01/2010), as operações militares vão centrar-se em redor de Almeida.
Os preparativos para o cerco foram demorados. Os terrenos eram rochosos para trincheiras, e impraticáveis as vias de acesso aos trens de artilharia. Nestes trabalhos demoraram os franceses mais de quinze dias. As tropas anglo-lusas não estavam muito longe dali mas o prudente general inglês que as comandava – Arthur Wellesley – optara pela estratégia de não dar combate directo, fiado na capacidade de resistência da praça-forte e receoso da força inimiga em campo aberto.
A história do cerco está feita e não cabe aqui deter-nos em pormenores. (1)
Recordemos apenas que Massena escolhe o dia 15 de Agosto, aniversário de Napoleão, para iniciar o ataque mas os bombardeamentos sucessivos não vergam a valentia dos sitiados. Sucedem-se dias e noites de pesadelo. Atacar, atacar sem piedade. Resistir, resistir até poder. O drama, porém, estava guardado para um acontecimento inesperado. Foi no dia 26 de Agosto de 1810. O paiol da pólvora, no castelo de Almeida, bem no interior da povoação-fortaleza, foi deixado aberto enquanto se procedia ao transporte dos barris. Estranha e nunca bem explicada imprudência. Relata o narrador das “Memórias”:

Às sete da tarde ouviu-se uma tremenda explosão. Duas bombas lançadas pela bataria n.° 4 tinham atingido o grande armazém do castelo, que continha 75 000 quilogramas de pólvora. Foi como uma erupção vulcânica; o terrapleno das muralhas adjacentes abriu fendas; muitos canhões saltaram das suas posições e caíram no fosso; grande parte das casas ficou destruída, sepultando 500 homens nos escombros. Che­garam a cair destroços nas nossas trincheiras, ferindo alguns homens. As fortificações da frente de ataque, porém, ficaram intactas, e só a cortina do castelo sofreu danos. Os soldados da guarnição que escaparam ao desastre corriam entre as ruínas como perdidos, e um violento incêndio vinha aumentar o horror da sua situação. O governa­dor mandou tocar a reunir e dirigiu-se à muralha, onde chegou fogo por suas próprias mãos às poucas peças que ainda lá se encontravam. As nossas batarias de morteiros e obuses bombardearam durante toda a noite.”

Foi este trágico acontecimento que quebrou a resistência de Almeida. Depois de novo ataque francês, a praça-forte capitulou em 27 de Agosto – faz hoje 200 anos! Estava aberto aos invasores o caminho para Celorico e Viseu.
Saldo terrível: calculam-se as baixas em 600 mortos e 3 400 feridos entre os sitiados e cerca de 60 mortos e 320 feridos entre os franceses.
Por que razão Wellington não socorreu Almeida? Os estrategas militares ainda hoje discutem a opção do general inglês. Os factos, contudo, parecem desmentir a acusação de fraqueza que lhe é feita por alguns. Wellington jogava pela certa e não arriscava a sobrevivência do exército inglês, mesmo que isso significasse sacrifícios acrescidos para a população portuguesa. Um mês depois, no Buçaco, provou a justeza das suas escolhas. De mais, ele sabia o que Massena ignorava: mais a sul esperavam-no as formidáveis Linhas de defesa de Torres Vedras.

(1)
Memórias de Massena, General Koch, Livros Horizonte, Lisboa, 2007
Guerra Peninsular – Novas Interpretações, Vários, Inst. Def. Nacional, Tribuna, Lisboa , 2005

16/06/10

BADALADAS - TEXTO 50 - 11 JUNHO 2010


Le maréchal Masséna (1758-1817)



CENAS DA 3ª INVASÃO

 NOVA CARTA DE WELLINGTON A MASSENA 

José NR Ermitão         

Conforme referi no artigo anterior Massena respondeu a Wellington numa carta datada de 14 de Setembro. Nela, afirma que não pode considerar como soldados um bando de camponeses sem uniforme e que praticam assassinatos; considera que Wellington se contradiz ao reclamar, por um lado, respeito pelas leis da guerra e, por outro, ao obrigar os portugueses a destruir as suas propriedades e outros bens e a fugir diante dos franceses. E acusa Wellington de violar expressamente as leis da guerra por desrespeitar os termos da capitulação de Almeida, segundo as quais os milicianos postos em liberdade pelos franceses não deviam retomar o serviço militar.

          Wellington respondeu a Massena, a 24 de Setembro, numa carta contundente e sarcástica, que transcrevo parcialmente:

          “Senhor Marechal (...)
          Aquilo a que o Sr. chama “camponeses sem uniforme”, “assassinos e salteadores de estradas” são a Ordenança deste país... corpo militar comandado por oficiais e submetidos às leis militares. Parece que o Sr. exige que eles tenham de usar uniforme militar para poderem gozar dos direitos da guerra; mas o Sr. mesmo deve lembrar-se de quanto aumentou a glória do exército francês ao comandar soldados sem uniforme (1).
          O Sr. queixa-se da conduta da Ordenança de Nave de Haver para com o coronel Pavetti. A questão é somente saber se um país invadido por um formidável inimigo tem o direito de se defender por todos os meios ao seu alcance. Se este direito existe, justifica-se que Portugal utilize a Ordenança, um corpo militar reconhecido e organizado segundo as antigas leis do país. Asseguro a V. Ex. que a Ordenança de Nave de Haver tratou bem o coronel Pavetti e que teria sido punida se o tivesse maltratado. Assim, eu desejava não ter sabido que... a casa do capitão-mor foi incendiada e que alguns soldados da sua companhia foram fuzilados por terem cumprido o dever para com o seu país.
          Sinto muito que V. Ex. sofra alguns inconvenientes pessoais pelo facto de os portugueses abandonarem os lares à aproximação do exército francês. É meu dever fazer retirar todos os que não dispõem de meios para se defenderem; e observo-lhe que as ordens dadas nesse sentido quase que não foram necessárias. Porque aqueles que se lembravam da invasão do país em 1807, da usurpação do governo do seu Príncipe... dificilmente podiam achar a conduta dos soldados do exército francês... para com as suas propriedades, para com as suas mulheres e para com eles próprios, de acordo com as proclamações de V Ex (2).
          Não é pois de espantar que eles abandonem os seus lares voluntariamente, queimando e destruindo tudo o que não podem levar; e não tenho que apresentar... desculpas pelo encorajamento que lhes dou, a não ser pelos inconvenientes pessoais que po-dem causar a V. Ex.
V. Ex. foi mal informado sobre a questão da milícia que fazia parte da guarnição de Almeida. Antes de se queixar sobre a infracção dos termos da capitulação de Almeida, V. Ex. deveria lembrar-se que ela foi violada logo após ter sido assinada. V. Ex. comprometeu-se a que os oficiais e soldados da Milícia voltassem às suas casas; e apesar deste compromisso, o Sr. reteve 7 oficiais e 200 soldados de cada regimento para fazer deles um corpo de pioneiros. A capitulação de Almeida está assim anulada... Mas posso assegurar-lhe que nenhum dos soldados da Milícia de Almeida se encontra em serviço.”
Massena recebeu a carta, ressentiu-se do teor do seu primeiro parágrafo (segundo as suas “Memórias”), mas não respondeu, terminando assim a correspondência entre ambos. A 3ª invasão iria ser mesmo caracterizada, por parte dos franceses, por ter aspectos de guerra de extermínio, bem sofrido por parte da população portuguesa, so-bretudo como resposta à política de terra queimada levada a efeito por Wellington.
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(1) Wellington, ofensivo, referia-se ao facto de Massena, em 1793 e 1794, ter comandado vitoriosamente tropas francesas de aspecto miserável e desprovidas de uniforme...
(2) Referência à proclamação de Massena dirigida aos portugueses, na qual afirma que os vem proteger e garantir-lhes a prosperidade, sendo seu objectivo único expulsar os ingleses...
         

BADALADAS - Texto 49 - 7 MAIO 2010


BARTOLOZZI, Francesco, 1728-1815

Lord Wellington, terror hostium Lusitaniae... [Visual gráfico / Pelegrini pinxit ; F. Bartolozzi sculp. de idade 83 annos em Lx.ª, em 1810. - [Lisboa? : s.n., 1810]. - 1 gravura : água-forte e ponteado, p&b http://purl.pt/6163 - Biblioteca Nacional Digital






CENAS DA 3ª INVASÃO

UMA CARTA DE WEELLINGTON A MASSENA

jOSÉ NR ERMITÃO

No início da 3ª invasão francesa, dias antes da capitulação da praça de Almeida (27 de Agosto de 1810), um grupo de militares franceses, composto pelo coronel Pavetti, 2 oficiais e uma dúzia de soldados, entraram em Portugal em missão de reconhe-cimento; ao regressarem a Espanha, foram surpreendidos por uma noite escura e tempestuosa e perderam o caminho. Encontraram um pastor português que se propôs guiá-los; mas es-te, manhoso e incapaz de resistir à animosidade contra os invasores, em lugar de os conduzir ao destino, levou-os à povoação de Nave de Haver (situada a sul de Almeida) e entregou-os à Ordenança. Os franceses resistiram, houve mortos, mas o coronel Pavetti foi aprisionado pelo capitão da ordenança, que o entregou a Wellington.


Massena, comandante do exército invasor, perante as notícias do facto, considera-o praticado não por militares mas por assaltantes e assassinos; manda cercar Nave de Haver, ordena o fuzilamento dos soldados da ordenança e o incêndio da casa do respectivo capitão.

Wellington, ao tomar conhecimento da vingança brutal dos franceses, absoluta-mente contrária às leis da guerra, fica tão constrangido que decide escrever uma carta a Massena – uma carta em que explica a estrutura do exército português e solicita tratamento digno para os soldados da Ordenança, não deixando de antever o pior para os soldados franceses, caso Massena mantenha a ordem de fuzilamento dos soldados desta estrutura militar.

A carta é data de 9 de Setembro de 1810; transcrevo-a parcialmente:

“Senhor Marechal (...)


É preciso que saiba que todos os portugueses são obrigados, pelas antigas leis do país, a servir no Exército Regular ou na Milícia ou na Ordenança, e que todas estas tropas estão sujeitas às leis militares e sob ordens de oficiais generais portugueses*. A prova é que, apesar do que a Ordenança tem sofrido... por causa das ordens que o Sr. deu e da violação das leis da guerra sobre os seus soldados, eles obedecem às ordens que lhes foram dadas; e têm poupado a vida e tratado bem todos os prisioneiros que fazem. O coronel Pavetti, por quem o Sr. tanto se interessa, foi feito prisioneiro pela Ordenança, foi por ela bem tratado, tal como a sua escolta.


Como a Ordenança faz parte do exército português... peço-lhe que dê ordens para que os oficiais e soldados da Ordenança, quando feitos prisioneiros, possam usufruir, como os outros soldados do exército português, das leis da guerra.


Desde que assumi o comando das tropas neste país, tenho feito todos os possí-veis... para conduzir a guerra de um modo leal e para respeitar as leis da guerra... Mas se o exército francês continuar a fuzilar os soldados da Ordenança, certamente que não pode esperar que os soldados deste corpo e os outros soldados do exército português não façam o mesmo aos prisioneiros do exército francês. Não estará em meu poder protegê-los; e as ordens que o Senhor deu serão a causa das desgraças que os soldados franceses, ao caírem nas mãos das tropas portuguesas, vão sofrer.”

Nas suas “Memórias”, Massena comenta a carta e atitude de Wellington de forma absolutamente negativa: diz que a humanidade dos ingleses só se comovia quando estavam em causa os seus interesses, que Wellington estava a legitimar actos de assassínio e prisão indevida ao transformar camponeses/salteadores em militares e que, agindo assim, devia assumir a responsabilidade moral por transformar «uma guerra política em guerra de extermínio».

Em conformidade com estes raciocínios, Massena respondeu a Wellington, numa carta datada de 14 de Setembro e cujo conteúdo se pode deduzir das suas Memórias. No próximo artigo darei conta desta e da segunda carta que Wellington lhe escreveu.

___________

* Após a Restauração, em 1640, a defesa do reino assenta em 3 tipos de tropas com funções dife-rentes e que integram todos os homens válidos dos 15 aos 60 anos: o exército de 1ª linha, ou regular, defensivo e ofensivo, de carácter nacional; o exército auxiliar, chamado Milícias no reinado de D. Maria I, defensivo e de carácter regional; e as Ordenanças, chefiadas pelos capitães-mor, também defensivas mas de carácter mais local.

15/03/10

BADALADAS - Texto 46 - 26 FEVEREIRO 2010

O MARECHAL MASSENA

Maria Guilhermina Pacheco


“Guindam-se aos mais altos cargos homens como Massena, contrabandista e estalajadeiro...” Raul Brandão, El-rei Junot


Realmente, poder-se-á perguntar quem foi André Massena, que em 1810 comandou a terceira invasão francesa a Portugal.

Nasceu em Nice, em 1758, o pai era taberneiro. Começou por ser grumete, na marinha mercante, depois alistou-se no exército, mas como era de origem burguesa, não podia atingir o cargo de alferes, demitiu-se, era sargento-ajudante, estava-se em 1789.

Com a revolução, vai aderir à Guarda Nacional e, regressa à vida militar, em 1792, já detém o cargo de chefe de batalhão e, em 1793, era general de divisão.
Conhecido como bom estratega, Napoleão, elogiava-o, dizendo que tinha “...des talents militaires devant lesquels il faut se prosterner...”. (talentos militares, diante dos quais temos de nos inclinar…)
A sua carreira militar não se caracteriza, no entanto, por uma ascensão contínua, terá campanhas vitoriosas, seguidas de períodos de abrandamento ou mesmo paragem.
Entre 1795 e 1799, Massena, combate os piemonteses, os austríacos, tendo alcançado vitórias em Loano (1795) e na campanha da Itália (1797), mas vai ser em Zurique (1799) que consegue uma das suas mais importantes vitórias militares. Como resultado, ganha o cognome de Filho Querido da Vitória e o título de marechal.
Entretanto, em França a cena política sofre mudanças, Massena é republicano, mas não aprovou o golpe de 18 de Brumário, vai apoiar o Império, e passa a fazer parte da lista dos marechais do exército francês, tendo recebido a condecoração da Grã-cruz da Legião de Honra.

Novamente em campanha, trava batalhas na Itália e na Polónia, tendo tido êxito em Essling e Wagram (1809). Teve um acidente, impossibilitando-o de combater, e será durante a sua recuperação que Napoleão o vai enviar como comandante do exército que invadirá Portugal pela terceira vez.
Este exército estava dividido em três corpos, comandados respectivamente por Reynier, Ney e Junot, tinha também, uma divisão de cavalaria comandada por Kellerman, no total eram 65 000 homens, tinha ainda 65 oficiais e 16 ajudantes-de-campo sob as suas ordens.
Em Julho de 1810, o exército francês está perto da fronteira portuguesa. Depois de ocupar Astorga e Cidade Rodrigo, prepara-se para tomar a praça de Almeida, o que consegue devido a uma explosão no paiol, tendo o seu responsável, Costa e Almeida, capitulado.

A 15 de Setembro, Massena inicia a invasão, dirige-se para Celorico da Beira, seguidamente Fornos de Algodres em direcção ao Mondego. Entretanto as populações com medo e recebendo ordens de Wellington, abandonam as suas casas, contribuindo para dificultar o abastecimento ao exército inimigo. Massena vai seguindo para o interior do país as tropas de Wellington, não se apercebendo da estratégia. Encontram-se os dois exércitos em Buçaco, tendo as tropas portuguesas e inglesas lutado tão vigorosamente que os franceses tiveram que retirar, perdendo 4 498 homens.
Massena, no entanto, ansiava chegar a Lisboa, e continuou o seu caminho, indo em direcção a Coimbra que tomou e pilhou, e continuou desconhecendo a existência de fortes defesas: Linhas de Torres Vedras. Aí não teve capacidade para atacar, ficando à espera de reforços, enquanto os seus soldados saqueavam as populações das aldeias mais perto, havendo também grupos de desertores que se organizavam em quadrilhas de ladrões, devastando tudo à sua roda.

Em meados de Novembro, Massena, dá inicio à retirada, tendo seguido na direcção de Santarém, quando a ajuda que esperava chegou, era insuficiente, pelo que o comandante francês resolveu retirar-se para Espanha. O seu caminho de regresso não foi fácil, vários foram os encontros entre os dois exércitos, a retirada tinha-se iniciado a 4 de Março de 1811, e atravessa a fronteira a 8 de Abril, continuando a ser perseguido quer pelos aliados quer por grupos de guerrilhas e de milícias.
O próprio exército francês sofre problemas fracturantes como é o caso da insubordinação de Ney, que não concorda com a estratégia do marechal, tendo sido destituído do seu comando.
Em Espanha travou vários combates, destacando-se o de Fuentes de Oñoro a 2 de Maio, tendo sido posteriormente destituído do seu cargo por Napoleão e substituído por Marmont, duque de Ragusa.

Com as mudanças políticas em França, aceita a Restauração e Luís XVIII, mantém-no como comandante da 8ª divisão militar em Marselha. Morre em Paris em 1817.
Massena distinguiu-se como militar pela coragem, dotes estratégicos e mesmo bravura, mas como pessoa, actuou de uma forma ambiciosa e sem escrúpulos, esquecendo-se muitas vezes da posição que detinha, aproximando-se das atitudes dos seus subordinados. Assim, em 10 anos aumentou sua fortuna pessoal em 40 milhões de francos.
“Em Portugal, deixou um rasto de ruínas e de morte, que ficarão pelos tempos fora, a macular a sua memória e a empanar o lustre que alcançou nos campos de batalha.” (António Álvaro Dória)

15/01/10

BADALADAS - TEXTO Nº 45 - 22 JANEIRO 2010


A BATALHA DO CÔA

J. Moedas Duarte

Em Julho de 1809 Napoleão, vitorioso em Essling e Wagram, dominava a Áustria, a Prússia e tinha a Rússia sobre controlo. Considerou que estava na altura de se voltar para a Península Ibérica onde a aliança Luso-Britânica mantinha um foco de resistência. Ponderou vir, ele próprio, resolver o problema militar mas acabou por entregar a um dos seus mais eficientes generais, André Massena ( 1758-1817),  o comando do denominado “Exército de Portugal”, criado em 17 de Abril de 1810. Massena, gasto por muitas batalhas, aceitou contrariado esta missão e mais contrariado ficou com a atitude dos generais seus subordinados, invejosos por se sentirem preteridos. Para muitos autores, estas desconfianças mútuas explicam parte do fracasso de Massena nesta campanha militar.
A primeira acção dos franceses foi contra Ciudad Rodrigo, já muito próximo da fronteira portuguesa. Durante setenta e dois dias esta cidade resistiu heroicamente ao cerco mas acabou por se render face à superioridade do inimigo. Ultrapassado o obstáculo, Massena entra em Portugal em meados de Julho e prepara-se para neutralizar Almeida de modo a garantir linhas de abastecimento com a Espanha, dominada pelos franceses. Não tinha muita pressa pois recebera instruções de Napoleão para que a campanha em Portugal se desencadeasse em Setembro, «depois do tempo quente e sobretudo depois das colheitas». Wellington, ciente da sua inferioridade numérica - o exército francês tinha cerca de 65 000 homens – não acorrera em auxílio de Ciudad Rodrigo e evita agora o confronto directo. Conta com a capacidade de resistência da vila fortificada de Almeida, uma praça-forte construída em forma de estrela, segundo o modelo idealizado dois séculos antes pelo engenheiro francês Vauban, de modo a neutralizar os efeitos da artilharia atacante e a aumentar a capacidade da artilharia defensiva. A estratégia de Wellington assentava em três princípios: desertificação do território, com destruição dos víveres que não pudessem ser transportados para Sul pelo êxodo das populações; acção de guerrilha das milícias e ordenanças, tropas de segunda e terceira linhas formadas por camponeses mas enquadradas por oficiais britânicos; e manobras no terreno, do exército luso-britânico de primeira linha, de forma habilidosa, de modo a encontrar um lugar propício ao embate, em condições de superioridade táctica - o que veio a suceder no Buçaco, em 27 de Setembro. Subjacente a estes princípios estava o segredo das Linhas de Torres Vedras, em construção acelerada mas ainda incompletas. Era vital, por isso, atrasar o mais possível a marcha de Massena sobre Lisboa.


Ponte sobre o Côa





Memorial aos combatentes do Côa


O primeiro grande embate entre invasores e defensores estava reservado para as margens do Rio Côa, perto de Almeida. Deu-se entre uma parte do exército francês, comandada pelo general Ney e a Divisão Ligeira Luso-Britânica comandada pelo general Craufurd. Os testemunhos da época dão-nos conta de um embate terrível, em que as forças aliadas estiveram a ponto de serem completamente aniquiladas pela superioridade numérica do inimigo. Tudo se passou em redor de uma ponte granítica sobre o Côa, que ainda hoje podemos visitar, poucos quilómetros antes de Almeida, na qual foi construído um singelo memorial a recordar as centenas de combatentes que ali perderam a vida. Contrariando ordens do sempre prudente e astucioso duque de Wellington, Craufurd não se limitou a pequenas acções de reconhecimento e diversão táctica. Decidiu enfrentar os franceses, apesar de manobrar em terreno acidentado e declivoso. Só a valentia desesperada dos seus soldados e oficiais subalternos impediu o desastre total, conseguindo a retirada pela ponte para a margem oposta, em sucessivos combates de enorme violência.
O confronto seguinte vai dar-se em Almeida. Dele falaremos em próximo artigo.

16/05/08

Texto 8 (Jornal "BADALADAS", 09 / 05/ 2008 )

A 3ª Invasão Francesa e as Linhas de Torres Vedras


Manuela Catarino *

Na sequência da derrota das forças napoleónicas na Batalha do Douro (12 de Maio de 1809), prevendo nova invasão, as atenções de Sir Arthur Wellesley, concentraram-se em dois objectivos principais: garantir a segurança do embarque das forças britânicas, que se faria junto a Lisboa, e, por outro lado, delinear a sua defesa criando diversos pontos de bloqueio nos principais eixos de acesso à cidade.
As “poderosas linhas de alturas que se erguem na região de Torres Vedras”, bem como os estudos topográficos feitos por Neves Costa, suscitaram a Sir Arthur o Memorando de 21 pontos enviado para o Coronel Richard Fletcher onde apresentava, de forma pormenorizada, as obras a construir naquele espaço e que ficaram para sempre designadas por “Linhas de Torres Vedras”.

Durante um ano fizeram-se os trabalhos necessários, contando com cerca de cento e cinquenta mil camponeses, arregimentados na região, sob as ordens de dezoito oficiais e cento e cinquenta sargentos ingleses. No total, o custo da obra rondou as cem mil libras, preço bem inferior a qualquer outra semelhante, ainda que tenham sido construídas cinquenta milhas de fortificações, onde se destacavam cento e cinquenta e dois fortes com seiscentas peças de variado calibre.
A linha de redutos, mais próxima de Lisboa, destinava-se a proteger S. Julião da Barra, onde se efectuaria o embarque inglês, devidamente protegido por forças da retaguarda. A mais afastada principiava em Alhandra, junto ao rio Tejo, aproveitando as elevações do terreno, particularmente do Cabeço de Montachique, continuando depois em direcção a Arruda e Sobral de Monte Agraço, até se ligar aos fortes construídos junto à vila de Torres Vedras, onde se destacava o Forte de S.Vicente, prosseguindo com mais vinte e cinco redutos até à foz do rio Sizandro.

Estavam assim estrategicamente bloqueadas as entradas em Lisboa a qualquer força invasora que viesse do norte. E os franceses preparavam, de facto, nova invasão. O Marechal André Massena reuniu 65000 homens, contando ainda com apoio de forças espanholas, e iniciou a marcha em direcção à fronteira portuguesa. Por sua vez, Sir Arthur organizava as tropas anglo-lusas, em que se incorporavam 18000 ingleses e 14000 portugueses, preparando-se para enfrentar o inimigo, obrigando-o a “ atacar com as suas forças concentradas(…) permitindo assim que as populações evacuem cidades, vilas e aldeias (…)destruindo tudo no seu caminho.” Era a e estratégia de terra-queimada que obrigava a um êxodo das populações e à destruição de tudo quanto pudesse ser útil ao invasor, desde espaços construídos a alimentos e outras formas de subsistência…
Em Julho de 1810, Massena e os seus soldados entram em Portugal. Espera-os um “Exército de Linha” que repele todas as tentativas de avanço dos franceses na forte serrania do Buçaco. Entretanto Sir Arthur conclui os seus planos de defesa e aguarda a chegada dos franceses, retirando-se para as posições da primeira linha de Torres Vedras, onde estaciona a 10 de Outubro de 1810.
É o próprio Massena que faz o reconhecimento das linhas, a que chega no dia 15 de Outubro, e não terá gostado de encontrar algo que nenhum dos relatórios enviados pelo seu estado-maior lhe dera a conhecer. Também não terá contado com a rebelião que se instala entre os seus Generais mais próximos, agravada com novos desaires na zona do Sobral, o número de doentes que aumentava entre os seus homens, o peso da derrota no Buçaco. Massena terá sentido os indícios de uma nova situação desvantajosa, e as suas indecisões terão aumentado com a perspectiva de enfrentar quatro longos meses de Inverno, com a fome que começaria a grassar entre os soldados.

A situação não era fácil para as tropas aliadas, conforme nos demonstram os preciosos informes deixados por Manuel Agostinho de Madeira Torres ao salientar a intensidade da chuva que se abateu sobre a vila nos dias 7 e 8 daquele mês de Outubro. Foram enormes as perdas em vinho e azeite nos celeiros públicos e privados, a destruição das casas e cartórios públicos, bem como o saque das igrejas da vila e termo a que se veio juntar uma epidemia tão mortífera que houve necessidade de ampliar o espaço de cemitério junto à Igreja de S. Miguel para dar digna sepultura a quantos a peste matava.
A ameaça manteve-se durante semanas, com as tropas francesas nas suas posições até meados do mês de Novembro. Ao alvorecer do dia 15 foi notada uma estranha imobilidade das sentinelas francesas. Um reconhecimento mais próximo revelou o que se passava – eram bonecos de palha! Aproveitando a escuridão da noite, Massena havia retirado …

Mais uma vez, a estrela de Napoleão sofria um forte abalo no seu pretendido fulgor!


* Professora