11/12/10

AINDA O CENTRO INTREPRETATIVO NO MONTE DA FORCA






Ante-visão do Centro Interpretativo apresentado pelos autores


Centro Interpretativo no Forte da Forca
O nosso desacordo

Já noutras ocasiões nos pronunciámos sobre o projecto do Centro Interpretativo no Forte da Forca , em Torres Vedras. Neste blogue abordámos o assunto em 25 / 12 / 2009.

Hoje, ao lermos o que se escreve no site oficial do Bicentenário das Linhas de TV, da Câmara Municipal de T Vedras, mais nos convencemos da necessidade de repensar tal projecto.
Veja-se o que lá diz:

«Centro Interpretativo das Linhas de Torres Vedras
Forte da Forca


Trata-se de um projecto que a partir do conceito edifício-monumento, proporciona ao visitante um panorama global do período da Guerra Peninsular e, em concreto, do sistema defensivo construído para a defesa da capital, as Linhas de Torres Vedras.


Para além, do núcleo expositivo, que terá por base o espólio do Museu Municipal Leonel Trindade, este centro possuirá um forte conteúdo tecnológico. Terá ainda o mérito de requalificar todo o espaço interior do Forte da Forca


PROMOTOR: Câmara Municipal de Torres Vedras»

Discordamos por muitas razões.
Parece-nos pertinente transcrever aqui a posição da Associação do Património de T Vedras sobre este assunto, divulgada no início do corrente ano no jornal Badaladas e no blogue http://patrimoniodetorresvedras.blogspot.com/



O CENTRO INTERPRETATIVO DAS LINHAS DE TORRES
E A SUA LOCALIZAÇÃO

Sobre o projecto de um centro interpretativo das Linhas de Torres aprovado pela Câmara em Março de 2007, na zona norte da cidade, têm surgido neste jornal [Badaladas] vários artigos de opinião, questionando o processo seguido, e, sobretudo, a sua localização no morro da Forca.

Posições pertinentes, oriundas de gente abalizada, com provas dadas nos campos da reflexão político-cultural (Rui Matoso), do planeamento urbanístico (António João Bastos), da prática política (Jorge Ralha) e da historiografia (Henrique Vieira). São opiniões que, em qualquer circunstância, devem contar.

E são posições que, na sua generalidade, esta associação partilha.

SOBRE O PROCESSO

Desde o anúncio sensacionalista surgido na primeira página do Badaladas, ilustração de página inteira, que nos pareceu haver algo de errado neste processo. É consensual que em qualquer obra, primeiro estabelece-se o conteúdo e depois procura-se a forma. Ora, aqui dá-se o inverso: - é proposta uma forma exterior (um boneco) sem que nada se saiba sobre o programa museológico – que espólio se vai expor, que narrativa é que se vai contar, que aspectos vão ser acentuados, a que tipo de público se vai dirigir, que valências/funções vai contemplar, que meios tecnológicos se vão utilizar.
E, não menos importante, quem o vai fazer?
Falta, pois, o Guião para se fazer o Filme!

Sobre a atitude que subjaz a este procedimento, por parte dos autores, muito haveria certamente a questionar, desde logo o significado da “oferta” de um projecto deste tipo. Mas não é esse o objectivo deste texto, para já.

Trata-se, de qualquer modo, de um equipamento cultural que diz respeito à comunidade, que implica diferentes valências e deverá ser objecto de várias contribuições.

SOBRE A LOCALIZAÇÃO

Interessa-nos aqui focar essencialmente a questão do local, que constitui já por si um factor interpretativo, sobretudo quando está em causa uma realidade histórico-geográfica como foi o complexo de fortificações que travou o exército de Massena.

O REDUTO DA FORCA

O morro da Forca insere-se num dos espaços geográficos mais simbólicos do complexo defensivo das Linhas – o triângulo S.Vicente, Castelo, Forca – que defendia a estrada de Coimbra para Lisboa, às portas de Torres Vedras. Contém vestígios do que terá sido um reduto fortificado,

Nesse sentido, é um local elegível para o efeito

Encontra-se, no entanto, muito adulterado na forma que tinha à data dos acontecimentos. A sua configuração é apenas observável a partir de alguns relevos muito esbatidos no terreno. A escarpa a norte, outrora impressionante como barreira natural, encontra-se hoje muito alterada pelos cortes efectuados para a construção das vias ferroviária e rodoviária, assim como pela proximidade de equipamentos comerciais recentes, criando uma vizinhança incómoda, como muito pertinentemente referiu J. Ralha. Assim, o que seria relevante do ponto de vista interpretativo – a ideia de barreira – está largamente comprometido face à dificuldade de leitura da actual configuração e ao ruído do aparato comercial.

Por outro lado, como refere A.J. Bastos, existem incompatibilidades com o PDM, a nível dos índices de construção previstos para a área – verde ecológico urbano – que implicam uma baixa percentagem da área de construção.

Movidos pela curiosidade deste argumento, quisemos certificar-nos da disponibilidade do espaço existente.

E, in loco, percebe-se claramente que o espaço disponível é insuficiente para receber um equipamento desta natureza, o qual supõe acessos fáceis, parques de estacionamento para ligeiros e autocarros, etc. O cimo do morro ficou reduzido a uma magra faixa de terreno, depois do corte efectuado para a construção de uma superfície comercial.

Fica-se, pois, com a sensação de que quem projectou e quem aprovou não conhecia bem a área.

Percebe-se, no entanto, a tentação que levou à sua escolha: - Se, como acima se referiu, a sua encosta norte está descaracterizada, impossibilitando uma leitura da estratégia militar de defesa, é certo que a vista de sul (desde o centro da cidade) está desimpedida e a implantação do edifício no alto do morro criaria um forte impacto visual, criando uma referência urbana positiva. Além de que a forma proposta garantia uma forte visibilidade, suscitando alguma curiosidade no habitante e no visitante.

Para quem elege a cultura-espectáculo até se percebe…!


O FORTE DE S. VICENTE

Se o objectivo é dar a conhecer as Linhas de Torres há que procurar como é que a geografia e o património construído nos permitem, ainda hoje, perceber o modo como se tentou obstar ao avanço das forças invasoras. Isto implica desde logo dois modos de abordagem: - uma visão de proximidade sobre os elementos que pontuavam as ditas linhas – os fortes, que nos fornecem elementos sobre as estratégias de defesa e combate; e uma visão de conjunto ou de largo alcance sobre o conjunto de elevações, que desde Torres Vedras se podem enxergar, e nos permitem perceber o próprio conceito de “linhas defensivas”.

Só depois, haverá que recorrer a outros auxiliares – museológicos, didácticos – para completar o quadro perceptivo dos acontecimentos – os mapas, o armamento, as fardas, as gravuras da época, a narração dos factos, os dados quantitativos, e outros elementos – que são tarefa do tal Centro Interpretativo. Com mais ou menos informática!

Ora, existe um local de eleição para fazer tudo isto – o Forte de S. Vicente!
O estado de conservação das suas estruturas e a sua altitude respondem aos dois primeiros requisitos que acima referimos, permitindo a observação de um dos mais importantes locais de aquartelamento e proporcionando uma ampla visão sobre uma parte considerável das linhas, para leste e para oeste. Dali divisa-se toda a cidade, o rio Sizandro, o Varatojo, o Monte da Archeira, a Serra do Socorro, o Sobral de Monte Agraço, etc.)
Quem sobe ao monte de S. Vicente percebe o essencial das Linhas!
Por outro lado existe nas proximidades um outro Reduto, em bom estado de conservação – o Forte dos Olheiros.

Existem acessos – e espaço para outros – bem como terreno disponível nas imediações, capazes de suportar uma edificação com suas áreas de apoio envolventes Estamos a pensar na encosta sul do monte, em local aprazível, de boa visibilidade desde a cidade e da circular poente - aspecto importante para o projecto e desfrutando de panorâmica grandiosa sobre a cidade e paisagem em redor.

É legítimo, pois, concluir que este é o local mais significativo e mais apropriado para receber um Centro Interpretativo das Linhas de Torres.
Isto se o conhecimento da História for o objectivo primeiro!

Janeiro de 2010 A Direcção da ADDPCTV


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Acrescentamos agora:


1. Um Centro Interpretativo deve ser isso, E SÓ! Deve ajudar a ver, interpretar os dados, transmitir conhecimento, ajudar a preservar memórias. Deve ser discreto, porque ao serviço de algo.
No entanto o projecto de que se fala aparece como uma imagem,é um fim em si, serve para marcar a paisagem, agiganta-se nela em detrimento do que devia servir.
Qual o projecto museológico inerente? Que públicos serve? Que ligação com as escolas e associações culturais? Que programas de divulgação? Nada se diz sobre isto.
De caminho faz-se referência ao espólio do Museu Municipal - que todos sabemos que é escasso, cabe numa sala... - e acrescenta-se um "forte conteúdo tecnológico", essa "Santa da Ladeira" que cauciona tudo e que compensaria a pobreza do resto.
Quer dizer: o edifício aparece e depois mete-se algo lá dentro, para lhe dar utilidade. Quando o contrário é que estaria certo...

2. O conceito de "edifício-monumento" é uma bela ideia para encher o olho e esvaziar os cofres da autarquia. Todos sabemos em que deu este conceito nas várias experiências por esse país fora, a começar na Casa da Música do Porto, passando pelos belos Estádios de Futebol do Euro 2004, agora às moscas. Custos astronómicos na construção, custos de manutenção incomportáveis. É isto que interessa a Torres Vedras?
Não somos contra uma arquitectura de qualidade que marque o nosso tempo. Mas a arquitectura, quando de encomenda pública, deve estar ao serviço de um contexto sócio-cultural bem definido, participado e respeitador dos meios financeiros disponíveis.
Ora, nada disso se verifica com o presente projecto: oferecido (oferecido!) ao Município por um  ateliê de arquitectos, sem contributos conhecidos e sem ter em conta os severos constrangimentos financeiros actuais e futuros.

3. O projecto apresenta-se com "o mérito de requalificar todo o espaço interior do Forte da Forca" Quem isto escreveu conhece bem o lugar?  O Forte da Forca é uma estrutura auxiliar dos dois Fortes dominantes (S. Vicente e Olheiros), sobranceira à estrada, de pequena dimensão e já muito degradada. Basta lá ir e ver. A chamada "praça de armas" é  um espaço reduzido, apertado entre um fosso escavado na rocha, a norte, e uma ravina natural mas já alterada pela construção da Linha de Caminho de Ferro e pela "passagem superior", a sul. Lá dentro não há espaço para construção nenhuma nem passaria pela cabeça de ninguém construir algo no interior para o requalificar.
Se há lugar para a construção de um edifício é "nas traseiras" do Forte, mas de novo é preciso lá ir para perceber como o espaço é acanhado,  apertado entre uma feia ravina escavada recentemente no lado poente, destinada a ancaixar mais um hiper-mercado,  e a encosta natural do lado nascente.
Sim, poderá construir-se um pequeno edifício, mas onde caberão os acessos amplos e os necessários parques de estacionamento para automóveis e autocarros?

Por tudo isto nos parece que este projecto não passa disso mesmo. Não conseguimos lobrigar qualquer articulação entre o que se projecta e a realidade em que devia concretizar-se.
Os seus autores sabem-no bem, estamos certos. Fizeram um belo exercício de arquitectura - já premiado em diversas instâncias, ao que sabemos. Mas do exercício à prática vai a distância que a vida real impõe.


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MOEDA COMEMORATIVA

Bicentenário das Linhas de Torres (AG Proof)

 






No dia 17 de Novembro de 2010 decorreu, nas Caves Manuelinas do Museu Militar em Lisboa, uma cerimónia evocativa do bicentenário da Guerra Peninsular, onde foi apresentada a Moeda de Colecção Comemorativa do Bicentenário das Linhas de Torres, da autoria do escultor José João de Brito.

A moeda de colecção «Bicentenário das Linhas de Torres» celebra o conjunto de fortificações e outras defesas mandadas erigir durante as invasões francesas para a defesa da cidade de Lisboa. A ordem de construção desta linha defensiva foi dada por Arthur Wellesley, duque de Wellington.
A Norte do Tejo foi construída uma barreira com três linhas defensivas, que aproveitava as formações naturais do terreno, nas quais foram construídas fortificações e implantadas bocas-de-fogo de artilharia.
No reverso da moeda o autor representa a figura de um oficial com uniforme da época das invasões napoleónicas e uma peça de artilharia que se sobrepõem a um diagrama das Linhas de Torres. Entre as duas linhas aparece assinalada a localidade de «Peronegro», posto de comando do general Duque de Wellington, vencedor da batalha das Linhas de Torres. No anverso o escudo português, o valor facial e «ninhos» de bombardas.
A moeda é da autoria de José João de Brito, tem o valor facial de 2,5 Euro, e tem limite de emissão de 120000 moedas em cuproníquel e 5000 em prata com acabamento proof.

Código:                 1016897
Escultor:               José João de Brito
Série:                    Emissões Especiais
Data de Lançamento:        Novembro de 2010
Valor Facial:         2.50
Metal:                   Prata 925/1000
Acabamento:       Proof (Prova numismática)
Diâmetro:             28,00 mm
Limite de Emissão:            5000
Embalagem:         Estojo de madeira com Certificado de Garantia
Peso:                     12 g
Preço:                   46,38 Euros
Observações:       Bordo serrilhado

(iNFORMAÇÕES RECOLHIDAS EM: IN-CM

A apresentação em Torres Vedras teve lugar no dia 9 de Dezembro, conforme se pode ver: http://www.linhasdetorresvedras.com/programa/?id=170

25/11/10


COMEMORAÇÕES


ALENQUER


Dramatização "Alenquer libertada - Novembro 1810", da autoria de António Rodrigues Guapo

27 Novembro, 21 horas

Pavilhão Municipal de Alenquer


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LOURES

Inauguração do Circuito Alrota/Arpim – Reduto da Ajuda Grande e Forte do Arpim


27 de Novembro
14h00
Largo Espírito Santo, em Bucelas

21/11/10

CONCERTO MEMORÁVEL







Foi ontem, no Teatro-Cine de Torres Vedras, com o programa que consta do convite que recebemos.
Daremos notícias mais pormenorizadas...

15/11/10



DIA ESPECIAL

Foi em 15 de Novembro de 1810, faz hoje 200 anos! As tropas francesas, estacionadas frente às Linhas de Torres Vedras, iniciam a retirada. Ficarão na zona de Santarém / Torres Novas durante todo o Inverno, aguardando reforços.

Venerando de Matos, historiador torriense, assinala a data no seu VEDROGRAFIAS 2. Um convite irrecusável para os nossos leitores...

12/11/10

Revista ITINERANTE lança número especial


Foi hoje lançado o número especial desta excelente revista, dedicado às Linhas de Torres Vedras. São 96 páginas de textos e fotografias de grande qualidade e a um preço inesperado - 4,90 € - só possível pelos apoios bem merecidos e pelo gosto de divulgar sem obsessões de lucro.
 Desta bela revista, que se publica quatro vezes por ano, já fizemos referência há cerca de um ano, AQUI, aquando da sua estreia: http://linhasdetorres.blogspot.com/search/label/Revista%20ITINERANTE.

Tudo o que então dissemos tem confirmação. Vale a pena comprar e coleccionar.
Aos nossos leitores que nos têm pedido pormenores sobre a localização de alguns fortes aconselhamos vivamente a adquirirem esta revista, onde encontrarão mapas e descrições detalhadas, bem como as coordenadas GPS.

O EDITORIAL explica a razão deste número especial:

«Um ano depois, voltamos ao tema das Invasões Francesas, agora para nos dedicarmos em exclusivo às Linhas de Torres Vedras. Apesar de relativamente recente - faz agora "apenas" 200 anos -, este eficiente sistema defensivo é pouco conhecido dos portugueses. Foi no entanto determinante na defesa de Lisboa, na terceira invasão francesa; para muitos historiadores, o recuo de Masséna foi o primeiro sinal do declínio de Napoleão. Aproveitando os obstáculos naturais da região, este sistema incluiu quatro Linhas defensivas com uma extensão total de cerca de 90 km, 152 fortificações, es­tradas de ligação e sistema de comunicações — uma obra de engenharia formidável para a época e para os meios então disponíveis, construída em menos de quatro anos!
Com o aproximar das comemorações do bicentenário da sua construção, os seis concelhos que abrangem as duas principais Linhas encetaram um trabalho conjunto de recuperação, valorização e divulgação do património, a Rota Histórica das Linhas de Torres. Este projecto incluiu, na vertente do pedestrianismo, o desenvolvimen­to da Grande Rota das Linhas de Torres (GR30), para além de percursos pedestres de Pequena Rota.
É neste contexto que surge este número especial da Itinerante, no qual apresentamos e avaliamos diversos troços da nova GR30 e, como é nosso hábito, enquadra­mos o tema em termos históricos e culturais, com o con­tributo de individualidades de reconhecida competência no tema, e indicamos-lhe alguns bons locais para conviver e recuperar forças. ■»

De salientar que este lançamento foi feito na Quinta do Vale do Corvo, no sopé do Monte do Socorro, com tradições bem marcantes relacionadas com a época das Invasões. O seu proprietário, Miguel de Vasconcellos Guisado, tem feito um extraordinário trabalho de divulgação das Linhas de Torres Vedras, como se pode ver aqui: http://www.linesoftorresvedras.com/


Por último, recordamos que no dia 2 de Dezembro será lançado o nº 4 da ITINERANTE, cujo tema é "Por trilhos da República".


RESPOSTA A UM LEITOR



Respondemos ao Pedro que nos deixou um comentário com algumas perguntas (não temos o seu mail para contacto mais personalizado).
Resposta breve e sucinta, ao correr da pena, ao mesmo tempo que lhe agradecemos o interesse e as palavras amáveis.

1.      O que o povo comia por trás das Linhas:

Não há uma gastronomia especial das invasões francesas. O povo comia o que sempre comeu: mal!
E comia o que era mais fácil de arranjar: pão e alguma pouca carne ( aves de capoeira, pombos, mais raramente o porco, a ovelha...). O feijão, quando havia, ou o chícharo, uma espécie de leguminosa que se dá nas terras mais pobres das serras. Fruta, era a que apanhava aqui ou ali. Voltou-se a comer o biscoito, que era um pão cozido duas vezes, o que permitia a sua conservação por mais tempo. Ficava rijo como pedra, mas amolecia-se com água ou vinho.
Muita gente morreu de fome nesta época.
O problema das subsistências é tratado em diversa bibliografia que pode encontrar na coluna esquerda deste blogue. Nomeadamente o recentemente publicado livro de Cristina Clímaco, assim como o de André Milícias, "As Linhas de Torres Vedras - Construção e impactos locais".
Mas sublinhamos: tal problema deve ser analisado na globalidade, não há uma “gastronomia por trás das Linhas de Torres Vedras". A subsistência era uma questão que dizia respeito aos exércitos em presença e às populações, era um problema transversal.

(Observação: alguns concelhos da nossa região lançaram a ideia de uma gastronomia das invasões, inventando pratos com nomes um pouco ridículos até. Que nós conheçamos, não há suporte documental para estas invenções, que tiveram sobretudo uma inocente motivação turística...)

2.      Quanto à relação entre a terceira invasão e a queda de Napoleão:

As coisas têm de ser vistas numa perspectiva europeia. E nessa perspectiva, a terceira invasão não teve a projecção que nós, portugueses, lhe damos. Ela foi determinante para nós e para o resto da Península mas não para Napoleão. Para este, a terceira invasão foi um episódio dentro de um mais vasto teatro de guerra que ficou conhecido para os franceses como "Guerra de Espanha". Napoleão nunca percebeu a especificidade do terreno português. Para ele era apenas uma questão de competência dos seus generais para dominarem o cais marítimo que era Portugal, de grande importância estratégica para os ingleses. E ele censurou-os pela sua inabilidade em resolverem o problema português…

A queda de Napoleão em 1815 tem de ser vista à luz da evolução da situação política em França durante os anos do Império e dentro do contexto de alianças entre os diversos países europeus. A terceira invasão de Portugal foi um insucesso importante, sem dúvida, mas não determinante. A invasão da Rússia em 1812 e a desastrosa retirada durante o temível inverno, fugindo à perseguição de uma nação desesperada ( retratada no grande livro de Tolstoi, "Guerra e Paz"), essa sim, terá sido decisiva para o que se seguiu.
São contos largos que nos levariam muito longe…

27/10/10

NOVO LIVRO SOBRE AS LINHAS DE TORRES VEDRAS







 "As Linhas de Torres Vedras: Invasão e Resistência (1810-1811)" é uma co-edição da Câmara de Torres Vedras e da Colibri, sendo a 16.ª publicação da colecção Linhas de Torres.
216 p., com mapas, gravuras e fotografias.






Lançada no início de Outubro, da autoria de Cristina Clímaco, uma torriense a trabalhar em França como professora universitária, esta obra é a sua tese de Licenciatura apresentada na Universidade de Paris VII, em 1991.

Do comunicado oficial publicado na imprensa regional:

"A obra, que recorre a fontes inéditas, pretende dar ênfase a um elemento até agora esquecido ou relegado para plano secundário na historiografia das Linhas de Torres Vedras: o humano. Este será abordado no que se refere à construção daquele sistema de fortificações e também no que diz respeito aos refugiados que se concentraram atrás deste durante a Guerra Peninsular. Serão analisado também as condições dos soldados do exército de Massena que participaram no conflito militar e que se depararam com escassez de alimentos e insuficiência de artigos indispensáveis ao seu quotidiano. "


Da Introdução, p. 21:
«Propomos desenvolver três ideias que nos parecem fundamentais para uma nova abordagem da problemática: os construtores das Linhas, ou seja, esses homens e mulheres que, de boa ou má vontade, foram obrigados a colaborar na construção das fortificações; a frustração do exército francês perante a barreira intransponível que constituiu as Linhas; e finalmente os danos que o plano de defesa de Portugal, materializado nas Linhas, infligiram no país. Os aspectos técnicos da construção e da estratégia de defesa serão tanto quanto possível dei­xados de lado ou limitados ao estrito necessário para a compreensão do princí­pio defensivo sobre o qual assentam as Linhas de Torres Vedras.»


Texto da contra-capa:

«Face à iminência de uma 3ª invasão pelas tropas de Napoleão, Wellington elaborou em 1810 um plano de defesa de Portugal assente em 3 pontos: a edificação de uma linha de fortificações a norte da península de Lisboa - as Linhas de Torres Vedras -, a retirada da população da Beira e da Estrema­dura para a retaguarda das fortificações, e a destruição de todos os meios de subsistências e de meios de produção que pudessem permitir às tropas francesas subsistirem na região. Wellington contava para o sucesso do seu plano com o nacionalismo do povo português ao qual pediu o sacrifício de se arruinar e de arruinar o país para o salvar das garras da águia francesa. O estado de devastação em que se encontrou Portugal após a retirada dos franceses, em Março de 1811, mostra a violência intrínseca a um tal plano, sem dúvida genial se considerado do ponto de vista da arte das fortifica­ções, mas na concepção do qual a dimensão humana não foi tida em conta. O futuro dará razão aos governadores do Reino que preferiam um plano de defesa centrado na fronteira que pouparia as duas províncias mais férteis de Portugal, e que por isso oporão, na figura do Principal Sousa, uma resistência a Wellington. Resistência que virá também de certos sectores da população quando os engenheiros ingleses, na ânsia de obter braços para as fortifica­ções, apagam as diferenciações sociais e os privilégios de classe, olhando-a apenas como uma massa indiferenciada de trabalhadores manuais. Pretendeu-se dar ênfase ao elemento humano, até agora esquecido ou relegado para planos secundários na historiografia das Linhas, quer durante a fase de construção quer posteriormente, quando uma massa de refugiados se encontrará concentrada atrás das Linhas de Torres Vedras, quer ainda no exército de Massena. Também do outro lado das Linhas, no campo francês, se viveu uma situação difícil, de escassez de géneros alimentícios e de insuficiência de todo o género de artigos indispensáveis ao quotidiano do soldado. Sem poder contar com a Intendência para a distribuição regular de rações foi compelido, desde os primeiros dias, a assegurar a sua própria subsistência, instalando-se um modo de vida que pouco se assemelha ao das gloriosas campanhas da Europa Central, e cuja consequência inevitável foi a escalada de violência sobre as populações que preferiram o refúgio nos montes à retirada para a capital.»




07/10/10

BADALADAS - TEXTO 56 - 10 SET 2010



TEMPO DE GUERRA
OS BONS E OS MAUS


José NR Ermitão

Ninguém põe em causa a importância dos ingleses no desenrolar da Guerra Peninsular contra os exércitos napoleónicos invasores. Contudo, quando se fala em comportamentos, não se pode identificar os franceses como “os maus” e os ingleses como “os bons”.
É hoje bem sabido que muitos militares ingleses,  soldados e até oficiais, tiveram para com os portugueses um comportamento absolutamente condenável. E tanto mais condenável quanto foram recebidos de um modo caloroso e festivo pela generalidade da população. O próprio Wellington queixava-se de que não havia correio ou relatório que recebesse que não trouxesse um rol de queixas contra violências e desmandos cometidos pelas tropas britânicas...
          No entanto, tão negativo como este péssimo comportamento era a atitude geral de condescendência, de superioridade, de arrogância britânicas relativamente aos portugueses, em muitos casos considerados de forma inferior e como uns incapazes tanto para governar como para defender o seu próprio país. Os ingleses tinham, por exemplo, uma péssima ideia sobre as nossas capacidades bélicas, só começando a alterar esse ponto de vista depois de constatarem a valentia dos soldados portugueses na Batalha do Buçaco.
E divulgaram esse mau conceito sobre nós em livros, em jornais, em revistas: durante e depois das invasões foram publicadas inúmeras obras que criticavam tendenciosamente o país e mostravam os seus habitantes como supersticiosos e ignorantes. E quanto à actuação do nosso exército, sempre a sua actuação foi desvalorizada comparativamente à do exército britânico, apesar de todos os elogios de Beresford e de Wellington à demonstrada capacidade de combate do militar português.   
Mas felizmente que nem todos assim pensavam e agiam. Muitos militares e civis incorporados no exército britânico eram homens de elevada formação cultural e fortes sentimentos humanos que, despindo-se da arrogância e preconceitos dos seus compatriotas, olharam o país e os seus habitantes com outros olhos, mais objectivos; e desse olhar diferente deram o devido testemunho em livros – livros em que descrevem o país destroçado pela guerra e o sofrimento dos habitantes, anotam a beleza das paisagens, tipos sociais e cenas quotidianas características, muitas vezes com ilustrações a complementarem o texto. Noutros casos, militares ingleses houve que praticaram actos de um humanismo raro em tempos de guerra.
Das várias obras publicadas que revelam atitudes diferentes e positivas na relação com os portugueses ou actos de grande humanismo, apresentarei, nos próximos dois artigos, dois exemplos. O primeiro é de Joseph Moyle Sherer, um militar que tanto se sente deslumbrado perante tudo o que vê, desde as cidades às cenas mais triviais – que procura entender como expressões próprias de um povo diferente – como condena as atitudes de sobranceria dos seus compatriotas. 
O segundo texto, de autor não identificado, revela um comportamento de elevado sentido humano por parte de militares ingleses. No texto de Moyle Sherer a guerra está longe embora paire como ameaça; mas no segundo ela está muito próxima: as populações estão em fuga perante o avanço francês e uma criança tragicamente perdida é salva por um militar britânico...

Por último, uma nota para dizer que também houve militares franceses que praticaram actos de elevado sentido humano. Refiro, por exemplo, o caso do general Travot que, durante a 1ª invasão, prestou valioso auxílio aos pescadores de Cascais; ou o caso passado com Guingret durante a 3ª invasão. Próximo de Leiria, um «bravo soldado» apresentou-lhe uma jovem e sua mãe, de uma família «conhecida e respeitada em Portugal», que tinha conseguido arrancar das mãos de soldados que se preparavam para as atacar, sobretudo a filha, da pior maneira. Guingret protegeu-as com todo o cuidado e fê-las conduzir para longe, guiadas pelo digno soldado que as salvou da ignomínia. Vários meses depois, em Espanha, um homem disfarçado de camponês procurou Guingret e entregou-lhe em segredo uma carta. Era da senhora portuguesa que, afectuosamente, lhe agradecia a protecção dada. Juntamente com a carta, ia um presente em ouro para o soldado que tinha salvo a honra da filha – presente que Guingret devolveu, porque o soldado tinha entretanto morrido em combate...
          Enfim, gestos e atitudes de paz em tempos de guerra...





       




28/09/10

200 ANOS DA BATALHA DO BUÇACO

Evocando os 200 anos daquele que foi o mais marcante confronto militar da 3ª invasão francesa, publicamos hoje um artigo do Tenente Coronel Abílio Lousada. Notável pela concisão e rigor. O autor é um especialista nesta área e aceitou submeter-se às limitações de espaço deste tipo de colaboração. Será publicado em breve no jornal BADALADAS, na sequência dos que temos vindo a publicar sobre a Guerra Peninsular.
 Aproveitamos para lhe agradecer mais uma vez a disponibilidade que sempre nos manifestou ao longo destes dois anos em que temos procurado divulgar o que foi a Guerra Peninsular.






BATALHA DO BUÇACO

Tenente-Coronel Abílio Pires Lousada[1]

Travada no contexto da invasão francesa comandada por Massena, a 27 de Setembro de 1810, a Batalha do Buçaco constitui-se como a última grande batalha de cariz internacional travada em Território Português e a que apresentou maior contingente militar. Decorridas duas centúrias, um observador atento que se posicione na serra não pode deixar de sentir o “cheiro a pólvora”, depreender as ordens de batalha dos exércitos, admirar a motivação dos comandantes e sensibilizar-se com a coragem do soldado anónimo empurrado para a cara do inimigo. A Batalha revelou-se determinante para recobrar o moral dos soldados aliados abalado com o “episódio” da queda de Almeida e quebrar o ímpeto da progressão francesa, cabendo ao «articulado» defensivo das Linhas de Torres Vedras completar, posteriormente, o desastre napoleónico em Portugal.
Massena abordou o sopé da serra com l’Armée du Portugal organizado em Corpos de Exército: II CE (General Reynier), que atacaria segundo a direcção Santo António de Cântaro; VI CE (Marechal Ney) que atacaria ao longo de Moura-moinho de Sula; VIII (General Junot), que constituía a reserva; Divisão de Cavalaria (Montburn). No total, este exército tinha à volta de 60 000 homens, 15 000 cavalos e 84 “bocas-de-fogo”.
Numa posição defensiva que tinha 20 km extensão (do Ninho d’Águia ao Mondego), uma altitude média de 400 metros e um terreno escarpado com ampla visibilidade, o General Arthur Wellesley dispôs as Divisões e Brigadas (efectivos britânicos e portugueses) na serra desdobradas em duas linhas (sentido NO-SE): 4ª Divisão (Cole) no Ninho d’Águia; 1ª Divisão (Spencer) instalou-se no alto da crista “fronteira” ao moinho de Moura (posto de comando de Massena), para barrar a aproximação de Ney; a 3ª Divisão (Picton) organizou-se em apoio mútuo no centro do dispositivo, entre a 1ª e a 5ª Divisão; a 5ª Divisão (Leith) posicionou-se entre a Portela de Santo António e Santo António de Cântaro a barrar o eixo utilizado por Reynier; à direita, no Alto da Chã, estava a 2ª Divisão (Hill); a Divisão Ligeira (Craufurd) posicionou-se à frente da 1ªDivisão; a 1ª Brigada Portuguesa (Pack) guarneceu a área do moinho de Sula; a reserva era constituída pela Legião Alemã e pelas 5ª e 6ª Brigadas Portuguesas; a tarefa de guarnecer os flancos da posição foi conferida à Cavalaria Britânica de Cotton (a NO) e à Leal Legião Lusitana e Cavalaria Portuguesa de Fane (a SE); as forças irregulares vigiavam os caminhos que irradiavam de Mortágua. O Exército Aliado compreendia à volta dos 50 000 efectivos (metade dos quais portugueses).
Sem reconhecer a posição, Massena mandou atacar ao romper da aurora e debaixo de nevoeiro, que dificultou a coordenação das unidades e impediu o fogo de preparação da artilharia. Para ele, os ataques do II e VI CE deviam ser simultâneos de modo a dividirem as forças aliados e obrigarem Wellesley a um empenhamento decisivo. Contudo, Ney só avançou duas horas depois de Reynier, atacando a posição defensiva quando as forças deste retiravam em desordem, sendo também derrotado. Separados por mais de 3 km, os CE combateram desligados, o que permitiu a Wellesley fazer deslocar contra o VI CE francês parte das forças que tinha no centro da posição após destroçar o II CE, batendo o inimigo por partes. A reserva de Junot (VIII CE) mal se mexeu e a Cavalaria de Montburn ficou impedida de manobrar no terreno acidentado que tinha à sua frente.
Olhando para o terreno e as forças em presença, só um comandante inteligente poderia vencer, daí a apreciação posterior de Napoleão: “Massena sempre foi cabeçudo, mas no Buçaco mostrou ser ignorante, atacando de frente uma tal posição sem a devida preparação de artilharia”. Massena só torneou a posição, pela estrada de Boialvo, depois da derrota no Buçaco, e Wellesley podia ter feito perseguição ao exército francês explorando o sucesso. Mas não o fez, mantendo o não envolvimento em combates decisivos, o desgaste continuado do invasor e a crença nas virtudes das Linhas de Torres.
Relativamente ao comportamento das unidades portuguesas presentes no Buçaco, aproveitamos o comentário de Wellesley enviado a Forjaz (Gazeta de Lisboa): “As operações que effectuei no dia 27 me offereceram uma opportunidade de mostrar ao inimigo a qualidade das tropas de que era composto o meu exercito, bem como a de conduzir pela primeira vez as tropas portuguesas. As tropas d’esta nação se tornaram dignas de combaterem nas mesmas fileiras das tropas britannicas pela tão interessante causa, á qual ellas offerecem as melhores esperanças de salvação”.

[1] Professor de História Militar do Instituto de Estudos Superiores Militares.







24/08/10

BADALADAS - Texto 55 - 27 AGOSTO 2010




 
FAZ HOJE 200 ANOS
ALMEIDA RENDE-SE À TRAGÉDIA


 

Joaquim Moedas Duarte


 
Almeida foi sempre a praça-forte mais avançada na resistência aos invasores. Na raia beirã, fronteira leste com Espanha, por aqui fazia entrada quem vinha sem licença e à força. Os anais históricos lembram as correrias bélicas da primeira dinastia, as investidas castelhanas na crise da independência dos finais do século XIV, a Guerra da Restauração trezentos anos depois, os cercos da Guerra da Sucessão já no XVIII - embates permanentes da teimosia espanhola contra o irredutível vizinho. Entrado o século XIX, o velho baluarte tinha ainda uma dura prova a cumprir. Foi quando o exército napoleónico, comandado por Massena, irrompeu por ali, disposto a vergar finalmente a velha Lusitânia com uma terceira invasão.

Estava-se em Julho de 1810. O Grande Exército francês, composto por três Corpos num total de cerca de 65 000 homens, estava prestes a invadir Portugal. Mas foi necessário, primeiro, cercar e dominar Ciudad Rodrigo, para garantir as linhas de abastecimento e comunicação com França. Feito isso, aí temos o invasor a derramar-se pelas serranias raianas, ciente da necessidade de dominar a grande praça-forte de Almeida, fortaleza de grossos muros em forma de estrela, que dispunha de 5 000 homens e de um poderoso equipamento de 98 peças de artilharia. Era seu comandante o brigadeiro inglês Guilherme Cox, tendo como subalternos alguns oficiais portugueses.
Depois do primeiro embate junto à ponte do rio Côa, em que o general inglês Craufurd a custo salvou a sua Divisão Ligeira, mas com pesadíssimas baixas, (ver nosso artigo neste jornal, em 22 /01/2010), as operações militares vão centrar-se em redor de Almeida.
Os preparativos para o cerco foram demorados. Os terrenos eram rochosos para trincheiras, e impraticáveis as vias de acesso aos trens de artilharia. Nestes trabalhos demoraram os franceses mais de quinze dias. As tropas anglo-lusas não estavam muito longe dali mas o prudente general inglês que as comandava – Arthur Wellesley – optara pela estratégia de não dar combate directo, fiado na capacidade de resistência da praça-forte e receoso da força inimiga em campo aberto.
A história do cerco está feita e não cabe aqui deter-nos em pormenores. (1)
Recordemos apenas que Massena escolhe o dia 15 de Agosto, aniversário de Napoleão, para iniciar o ataque mas os bombardeamentos sucessivos não vergam a valentia dos sitiados. Sucedem-se dias e noites de pesadelo. Atacar, atacar sem piedade. Resistir, resistir até poder. O drama, porém, estava guardado para um acontecimento inesperado. Foi no dia 26 de Agosto de 1810. O paiol da pólvora, no castelo de Almeida, bem no interior da povoação-fortaleza, foi deixado aberto enquanto se procedia ao transporte dos barris. Estranha e nunca bem explicada imprudência. Relata o narrador das “Memórias”:

Às sete da tarde ouviu-se uma tremenda explosão. Duas bombas lançadas pela bataria n.° 4 tinham atingido o grande armazém do castelo, que continha 75 000 quilogramas de pólvora. Foi como uma erupção vulcânica; o terrapleno das muralhas adjacentes abriu fendas; muitos canhões saltaram das suas posições e caíram no fosso; grande parte das casas ficou destruída, sepultando 500 homens nos escombros. Che­garam a cair destroços nas nossas trincheiras, ferindo alguns homens. As fortificações da frente de ataque, porém, ficaram intactas, e só a cortina do castelo sofreu danos. Os soldados da guarnição que escaparam ao desastre corriam entre as ruínas como perdidos, e um violento incêndio vinha aumentar o horror da sua situação. O governa­dor mandou tocar a reunir e dirigiu-se à muralha, onde chegou fogo por suas próprias mãos às poucas peças que ainda lá se encontravam. As nossas batarias de morteiros e obuses bombardearam durante toda a noite.”

Foi este trágico acontecimento que quebrou a resistência de Almeida. Depois de novo ataque francês, a praça-forte capitulou em 27 de Agosto – faz hoje 200 anos! Estava aberto aos invasores o caminho para Celorico e Viseu.
Saldo terrível: calculam-se as baixas em 600 mortos e 3 400 feridos entre os sitiados e cerca de 60 mortos e 320 feridos entre os franceses.
Por que razão Wellington não socorreu Almeida? Os estrategas militares ainda hoje discutem a opção do general inglês. Os factos, contudo, parecem desmentir a acusação de fraqueza que lhe é feita por alguns. Wellington jogava pela certa e não arriscava a sobrevivência do exército inglês, mesmo que isso significasse sacrifícios acrescidos para a população portuguesa. Um mês depois, no Buçaco, provou a justeza das suas escolhas. De mais, ele sabia o que Massena ignorava: mais a sul esperavam-no as formidáveis Linhas de defesa de Torres Vedras.

(1)
Memórias de Massena, General Koch, Livros Horizonte, Lisboa, 2007
Guerra Peninsular – Novas Interpretações, Vários, Inst. Def. Nacional, Tribuna, Lisboa , 2005

BADALADAS - Texto 54 - 13 AGOSTO 2010

TEMPO DE GUERRA
PORTUGUESES, ESPANHÓIS E INGLESES...

José NR Ermitão


          A Guerra Peninsular pôs em contacto frontal ingleses, portugueses e espanhóis, todos aliados num objectivo comum – a luta contra o domínio francês – mas com grandes diferenças entre eles quanto a relações humanas e mentalidades.
Assim, os portugueses e espanhóis nunca deixaram de mostrar o desafecto que sentiam uns pelos outros; por outro lado, os espanhóis e ingleses detestavam-se fortemente. Um dos pontos de fricção entre os ibéricos e os britânicos era a religião: os ingleses desprezavam o catolicismo como um conjunto de superstições e tolices, e os portu- gueses e espanhóis viam os britânicos como não cristãos.

          H. W. Maxwell publicou, em meados do século XIX, uma colectânea de narrativas de ingleses que participaram na Guerra Peninsular (1). Duas dessas narrativas dão conta dos sentimentos de hostilidade pessoal mútua entre os aliados. Uma delas, A night in the Peninsular War (Uma noite na Guerra Peninsular), refere aspectos da tensão existente entre os dois povos ibéricos: o facto de as suas disputas acabarem quase sempre em sangue e o facto de os condutores espanhóis de mulas servirem os regimentos ingleses mas recusarem-se a servir os militares portugueses.
Entretanto este vingavam-se, ou pondo-se sempre do lado dos ingleses quando havia altercações entre estes e os espanhóis, ou fazendo “visitas” predatórias nocturnas aos acampamentos dos arrieiros espanhóis – que tiveram de recorrer a cães de guarda e a tiros de mosquete para se defenderem dos portugueses... Estas tensões eram tão fortes que preocupavam os comandos militares pelos efeitos disciplinares negativos que originavam.

Outra narrativa, Recollections of the late war in Spain and Portugal (Lembranças da última guerra em Espanha e Portugal), anota a diferença de atitudes dos espanhóis e portugueses para com os ingleses – os primeiros, distantes e arrogantes; os segundos, cordiais e agradecidos – e descreve, com humor, o modo como os militares de um regimento inglês se transformaram em bons cristãos junto dos portugueses. Traduzo livremente:
“Descobrimos que ninguém no nosso exército era considerado como cristão excepto os militares que declaravam ser naturais da Irlanda (2), que eram logo tomados pelos portugueses com bons católicos romanos; tal declaração era em geral seguida de favores da parte deles; mas de vez em quando levantavam-se suspeitas e era necessário dar um testemunho prático da nossa sinceridade, benzendo-nos conforme o rito da igreja romana. Neste importante teste, os que realmente não eram católicos enganavam-se fazendo o sinal da cruz com a mão esquerda – um erro crasso que não só provocava decepção como era considerado um grosseiro acto de impiedade. Quando isto acontecia os habitantes ficavam muito agitados e clamavam, juntamente com gestos significativos: “Eles não são cristãos!”
 A pouco e pouco este erro irreverente foi sendo em grande parte corrigido e por meio desta manobra pia muitos incorrigíveis heréticos tornaram-se verdadeiros «bons cristãos». Depois continuámo-nos a aperfeiçoar segundo as ideias religiosas deles, afirmando que o nosso regimento era formado por um conjunto de fiéis da verdadeira igreja, servidores de um grande convento na Irlanda, e constituído para lutar contra os infiéis franceses. E para lhes tirarmos as dúvidas e escrúpulos mostrávamos mesmo a mal desenhada imagem de um castelo, que figurava nas nossas placas peitorais, como sendo a mansão dos nossos reverendos senhores.
Descobrimos também que o povo mostrava tendência para considerar melhor certos nomes, como António, o nome de um dos santos mais venerados naquele santo país; e rapidamente o número de militares que se tratavam por este nome excedeu todos os outros nomes no nosso regimento.”
E assim, com este truque burlão, a paz religiosa entre os habitantes e este regimento inglês foi alcançada – com reforço do desprezo inglês pela credulidade fácil dos portugueses...

(1)  Peninsular Sketches by actors on the scene, London, 1845.
(2)  A Irlanda, apesar de colonizada pelos ingleses, manteve-se sempre fiel ao Catolicismo.

                                                                                          





05/08/10

BADALADAS - TEXTO 53 - 30 JULHO 2010



DE SANTARÉM A VILA FRANCA

POPULAÇÕES EM FUGA E BENS DESTRUÍDOS

José NR Ermitão


          A “política de terra queimada” foi um dos pilares da estratégia de Wellington para derrotar os franceses. E o exército luso-britânico, na sua retirada para as Linhas de Torres cumpriu à letra esta política, levando à sua frente os habitantes e destruindo muitos bens para que não caíssem nas mãos dos franceses. Esta política, tanto quanto as depredações dos franceses, arruinou o país, fez diminuir a produção agrícola, aumentou a mortalidade e traduziu-se num enorme sofrimento para os portugueses.  
Apresento parte do texto intitulado «Santarém», extraído de uma colectânea publicada por W. H. Maxwell (1), que constitui uma autêntica peça jornalística pelo rigor descritivo e visual com que retrata o percurso concreto de um corpo militar aliado de Santarém até às Linhas, a situação dos habitantes, o estado de espírito das tropas e as destruições sistemáticas que iam fazendo sobretudo nas adegas, sem esquecer as bebedeiras. Com candura, o autor confrange-se com o destino das populações desprotegidas, ao mesmo tempo que lhes destrói o produto do trabalho para evitar que caísse nas mãos dos franceses...

          “Os vinhedos em torno de Santarém estavam carregados de uvas deliciosas prontas para a vindima... Doces como mel, os tentadores cachos pendiam mesmo à beira da estrada. Nem é necessário dizer quanto os nossos soldados as atacavam, comendo-as ou levando-as consigo. Era também a estação do amadurecimento das laranjas.... Também as laranjas foram arrancadas das árvores para que os invasores as não aproveitassem.
A tropa estava com o moral elevado e os soldados portugueses que faziam parte dela... entretinham-se com histórias sobre o seu possível futuro. Uns diziam que iriam pescar bacalhau com os ingleses; outros, que embarcariam para a Mauritânia em busca de D. Sebastião. Mas todos eles concordavam num ponto, que combateriam os franceses quando e onde “o Grande Lorde” (Wellington) mandasse.
          Entretanto a maior parte dos habitantes de Santarém já tinha abalado... para Lisboa e os poucos que ficaram partiam à medida que as nossas tropas marchavam pelas ruas na manhã do dia sete (de Outubro). (...)
Em Vila Franca, Azambuja e Cartaxo a vindima estava mais avançada... O vinho já fermentava nas dornas quando a tropa em retirada apareceu naquelas vilas. (...)
Desgraçadamente os seus habitantes ficaram fora das linhas defensivas que estávamos prestes a ocupar e, portanto, ficaram ao alcance das depredações do inimigo. Assim, destacamentos de soldados foram enviados para abrir as torneiras e partir todos os tonéis que pudessem encontrar. Os nossos homens, no despenho do seu dever, chegaram a andar com vinho até ao peito nas adegas submersas, para inutilizar o vinho que inundava literalmente as ruas. Foram destruídos desta maneira mais de quarenta mil al-mudes (2).
Em Vila Franca, os soldados não resistiram à tentação de tragar daquele delicioso líquido à medida que este se espalhava pelas ruas abaixo. Vinham aos magotes encher os cantis, e muitos, mas mesmo muitos, atiraram-se para aquela espumosa fonte de Baco, adorando o deus do vinho até ficarem completamente bêbados, estado em que, como odres, foram carregados para cima das mulas e conduzidos para a frente, sob pena de caírem nas mãos do inimigo.
O vinho destruído desta maneira era só uma pequena parte da produção daquelas regiões. A maior parte ficou nas adegas situadas longe da estrada porque já não havia tempo para as destruir; e assim caiu, juntamente com outras boas coisas da Providência, nas mãos dos espoliadores do país (os franceses).
O tempo, que tinha estado delicioso durante a nossa retirada, piorou na tarde do dia 7 de Outubro, o dia anterior à tomada das nossas posições dentro das linhas de defesa. A multidão de portugueses em fuga tinha-se por esta altura já acolhido em algum lugar ou já estava dentro das linhas. Tivessem as fortes chuvadas começado a desabar dez dias antes e um grande número deles teria morrido enregeladas ou por causa das dificuldades dos caminhos.”

(1) Peninsular Sketches by actors on the scene, London, 1845.
(2) Cerca de 2 400 000 litros.