30/11/11

Os Sargentos - resposta a um comentário

Um leitor anónimo comentou o artigo sobre os postos dos militares com a seguinte pergunta: «Os sargentos não eram denominados nesta época de oficiais inferiores?» Trata-se de uma pergunta pertinente e devo admitir que o que escrevo nesta nesta resposta bem podia ter escrito no texto em questão.


Não conheço nenhum texto onde estas questões estejam explicadas. Não quer dizer que não exista e tenho esperança que este meio de comunicação, ao por-nos em contacto com conhecidos e desconhecidos, permita alertar alguém que esteja informado sobre o assunto e que tenha a amabilidade de aqui publicar algo que nos esclareça.

No entanto, vou tentar adiantar alguma coisa.

Não conheço nem tenho ao meu dispor os sucessivos diplomas de reorganização do exército que permitam esclarecer (se é que esclarecem) este assunto. No entanto, é verdade que em 1801, referiam-se os Sargentos como Oficiais Inferiores. Veja-se, por exemplo, o mapa Estado do Regimento de Infantaria de Chaves em 1801 (http://www.arqnet.pt/exercito/1801reginfchaves.html) onde aparecem os seguintes grupos:
  • Estado Maior e Menor
  • Oficiais
  • Oficiais Inferiores, Tambores e Soldados.

Embora seja utilizada a designação de Oficiais Inferiores, esta aparece reunida aos Tambores e Soldados, ou seja, aparecem agrupados os Sargentos e as Praças.

Ao consultar os índices da publicação das Ordens do Dia de Beresford, encontramos a designação de Oficiais Inferiores apenas em 1814, na O.D. de 22 de Setembro, ao referir o [...] Oficial Inferior encarregado do seu respetivo depósito [...], e na O.D. de 28 de Setembro em que refere os [...] Oficiais e Oficiais Inferiores[...].

Decididamente, a designação de Oficiais Inferiores era aplicada aos Sargentos. No entanto, não disponho de elementos que permitam fixar os limites deste conceito e fico com dúvidas:
  • Quando começaram os Sargentos a ser designados por Oficiais Inferiores? Quando deixou de se aplicar esta terminologia?
  • Eram os Oficiais Inferiores considerados Praças? Era no conjunto dos Soldados ou Cabos com maior mérito que os escolhiam.

Não dispondo de meios para responder a esta questão, procurei conselho junto de quem tem mais conhecimentos que eu mas a resposta que obtive foi idêntica ao que escrevi no início deste texto:  «Não conheço nenhum texto onde estas questões estejam explicadas». Fica-me o consolo que a Internet hoje chega a todo o lado e permite uma troca muito mais ampla de ideias. Assim, certamente vai aparecer alguém com conhecimentos e boa vontade para contribuir para este esclarecimento pois, da minha parte, mais não posso dizer porque estaria a inventar.

Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão,
Coronel de Infantaria na Reserva

20/11/11

OS POSTOS NO EXÉRCITO PORTUGUÊS DURANTE A GUERRA PENINSULAR

Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão,
Coronel de Infantaria na Reserva

Cada homem presente no Exército tinha (e tem) um posto, desde Soldado a General. Os postos correspondem a um lugar na hierarquia militar, isto é, têm correspondência com as diferentes funções desempenhadas por cada um numa organização com escalões bem definidos: esquadra, secção, pelotão, companhia, batalhão, regimento, brigada, divisão, corpo de exército, exército. O comando de cada um destes escalões é atribuído a diferentes postos. Isto não significa que um militar com um determinado posto não possa desempenhar funções do posto superior. Esta era uma situação frequente. O contrário já não é válido, assim como não era naquela época. Beresford chamou a atenção numa das suas ordens do dia para alguns oficiais que indevidamente se mantinham no mesmo cargo após a promoção. Portanto, fica desde já claro que, por exemplo, nem sempre o comandante de uma Brigada tem o posto adequado a essa função.

Os postos são agrupados em classes. Vamos utilizar uma terminologia moderna para compreendermos melhor cada um destes conjuntos. Dos postos mais baixos para os mais altos, na sua forma mais simples, encontramos vários conjuntos (classes): Praças, Sargentos e Oficiais. Na época das Guerras Napoleónicas, os Sargentos estavam englobados na classe dos Praças. Tínhamos, assim, Praças e Oficiais. Charles Oman (que eu aqui refiro por ser o autor de uma das obras fundamentais sobre a Guerra Peninsular – A History of the Peninsular War) refere frequentemente (em Língua Inglesa) officers and men.

AS PRAÇAS

Não é fácil de encontrar textos sobre os postos mais baixos mas, em termos gerais, podemos dizer que os postos tinham correspondência com os atuais. Se encontramos frequentemente designações que nos são estranhas, isso deve-se ao facto de ser costume designar muitas praças pela função que desempenhavam ou, por outras palavras, pela sua especialidade. Por exemplo, na Ordem do Dia de 20 de fevereiro de 1810, de Beresford, foi publicado o Plano de Organização de um Batalhão de Caçadores composto de um Estado-maior, e seis Companhias. De acordo com este plano, existia em cada Batalhão, no Estado-maior (isto significa unicamente que não estavam integrados nas Companhias) um Coronheiro, um Espingardeiro, oito Músicos e um Corneta Mor. Não se define qual o posto destes elementos mas indica-se a sua função. Em cada Companhia existiam seis Cabos de Esquadra, seis Anspeçadas, dois Cornetas e oitenta e oito Soldados. A expressão Anspeçada significava (e significa ainda em alguns exércitos) um posto militar que se situava entre o Soldado e o Cabo de Esquadra (no final do século XIX, os postos de Cabo de Esquadra e de Anspeçada foram substituídos pelos postos de Primeiro-Cabo e Segundo-Cabo).

Outros exemplos em que não são indicados os postos: as Companhias de Bombeiros dos regimentos de Artilharia (Ordem do Dia de 24 de outubro de 1809, de Beresford) dispunham de seis Artífices de Fogo; o Regimento de Cavalaria (Ordem do Dia de 23 de novembro de 1809, de Beresford) dispunha de um Picador e um Seleiro e cada Companhia tinha um Ferrador.

Para além de algumas funções que encontramos acima referidas temos como postos bem definidos daquela época, nas praças, não incluindo os Sargentos:
  • Cabo; 
  • Anspeçada; 
  • Soldado. 
Como já dissemos, naquela época os Sargentos estavam integrados no conjunto das Praças. Neste grupo que hoje se encontra individualizado encontrávamos os Furriéis, os Segundo Sargentos e os Primeiros-sargentos. O Furriel, enquanto posto, corresponde à categoria mais baixa da classe (atual) dos Sargentos, imediatamente acima de Cabo. No tempo da Guerra Peninsular, o Furriel era o responsável (grosso modo) pelo alojamento das tropas em cada Companhia. O Segundo-Sargento era normalmente o comandante de uma Secção. O Primeiro-Sargento era o responsável pela administração da Companhia.

Um caso que frequentemente causa alguma confusão é o posto de Sargento-Mor. Hoje é o posto mais elevado da classe de Sargentos mas, há duzentos anos, tratava-se de um Oficial Superior que, em termos atuais corresponde ao Major.

Tínhamos então três postos no que chamamos hoje a classe dos Sargentos:
  • Primeiro-sargento 
  • Segundo-Sargento 
  • Furriel 
OFICIAIS SUBALTERNOS, CAPITÃES E OFICIAIS SUPERIORES

O corpo de Oficiais estava dividido em quatro grupos: Oficiais Subalternos, Capitães, Oficiais Superiores e Oficiais Generais. Esta divisão não terá sido sempre a forma oficial de agrupar os diferentes postos mas é a que se utiliza hoje e ajuda-nos a compreender melhor esta parte da hierarquia militar. Os mapas publicados nas Ordens do Dia de Beresford são bons para se ficar com uma ideia dos postos naquela época mas, à semelhança do que já vimos para outros casos, aparecem pelo meio designações de funções.

Os oficiais subalternos eram os Alferes e os Tenentes. O Alferes, o primeiro posto dos Oficiais Subalternos, é o comandante do Pelotão (Para recordar: o Batalhão está dividido em Companhias e estas dividem-se em Pelotões). O Tenente, que também pode comandar pelotões, é normalmente o adjunto do Comandante da Companhia.

Por vezes encontramos a designação de Segundo-tenente e Primeiro-tenente. Ainda hoje se utilizam essas designações na Armada (Marinha de Guerra) sendo o Primeiro-tenente o posto equivalente ao Capitão no Exército. Ainda na Armada, o posto equivalente a Alferes designa-se Guarda-Marinha ou Subtenente. No Exército, em 1809, as Companhias de Bombeiros dos Regimentos de Artilharia (Companhias que mais tarde passariam para o Corpo de Engenheiros) tinham quatro oficiais: um Capitão, um 1º Tenente e dois 2º Tenentes (Ordem do Dia de 24 de outubro de 1809, de Beresford), equivalendo nesta organização o 1º Tenente a Tenente e o 2º Tenente a Alferes. O Tenente-general é um posto dos Oficiais Generais.

O Capitão é o Comandante de Companhia, seja ela de Infantaria, Artilharia ou Cavalaria. Mas surgem, por vezes dois tipos de confusão: designações de capitão com significado diferente noutras épocas ou na Armada. No primeiro caso temos o Capitão-general que correspondia a um alto comando militar, ou o Capitão de Campo, o Capitão Cerra-fila ou o Capitão dos Ginetes, cargos que já tinham sido extintos há 200 anos. No segundo caso – Armada - temos o Capitão-tenente que equivale, no Exército, ao posto de Major, o Capitão-de-Fragata que equivale ao posto de Tenente-coronel e o Capitão-de-Mar-e-Guerra que equivale ao posto de Coronel.

Para além dos exemplos acima apresentados, existia também na época que estamos a tratar o cargo de Capitão-Mor das Ordenanças, responsável pelo comando deste tipo de tropas em cada concelho, cidade ou vila. Trata-se de um cargo fora do chamado Exército de Linha mas não fora da hierarquia militar. Tanto as Brigadas de Ordenanças como os Regimentos de Milícias estavam sujeitos à mesma hierarquia do Exército de Linha.

Os Oficiais Superiores eram o Major, o Tenente-coronel e o Coronel. O Major era, no Batalhão, o Chefe do Estado-Maior e segundo Comandante. Também existia um Major no Estado-Maior dos Regimentos de Cavalaria e Artilharia. Como referimos para outros postos, há situações de confusão e destas vamos ver apenas as duas mais frequentes: uma, já referida, respeita ao Sargento-Mor que pertence a épocas anteriores mas não deixa de ser ainda referido nesta época; outra refere-se ao posto de Major-general, que pertence à categoria dos Oficiais Generais como veremos adiante.

O Tenente-coronel era o Comandante de Batalhão ou o Segundo Comandante e Chefe do Estado-Maior dos Regimentos de Infantaria, Artilharia ou Cavalaria. O Coronel era o Comandante do Regimento ou o Segundo Comandante e Chefe de Estado-Maior da Brigada.

Em resumo, os postos dos Oficiais, excluindo os Oficiais Generais, eram:
  • Coronel 
  • Tenente-coronel 
  • Major 
  • Capitão 
  • Tenente 
  • Alferes 

OFICIAIS GENERAIS

Este grupo de postos representa os mais elevados escalões da hierarquia militar. Como estes postos são muitas vezes designados de forma abreviada por General, gera-se alguma confusão. Os postos dos Oficiais Generais são os que encontramos com maior frequência na literatura sobre a Guerra Peninsular. Era neste grupo de oficiais que tinha origem a maior parte das decisões que marcaram o rumo dos acontecimentos. Vejamos cada um dos postos existentes há 200 anos. 

O posto de Brigadeiro foi criado em 1798, por D. João V. O Brigadeiro era o comandante da Brigada de Infantaria ou de Cavalaria. Não estava previsto nenhum Brigadeiro comandar qualquer unidade de Artilharia. Recorde-se que as chamadas Brigadas de Artilharia eram unidades de constituição variável que, numa correspondência de escalões, ficariam quando muito ao nível do Batalhão. No entanto, existiam cargos relativos à Artilharia que podiam ser desempenhados por um Brigadeiro. Na Ordem do Dia de Beresford de 21 de março de 1809 (a sua primeira Ordem do Dia em Portugal), era nomeado «Comandante da Artilharia o Sr. Brigadeiro José António da Rosa». Tratava-se, de acordo com os conceitos da época, de um posto entre os Oficiais Superiores e os Oficiais Generais.

Marechal de Campo foi um posto que tinha surgido em 1762 com as reformas do Conde de Lippe em substituição do Sargento-Mor da Batalha. Era o primeiro posto dos Oficiais Generais. Tal como os Brigadeiros comandavam Brigadas ou desempenhavam outras funções adequadas ao ser posto. O segundo Comandante de uma Divisão era, por norma um Marechal de Campo. Voltando aos exemplos das Ordens do Dia de Beresford, na O.D. de 10 de Maio de 1809, é estabelecido que o [...] Exército em Campanha, debaixo das Ordens imediatas do Marechal, será dividido em Brigadas, e será colocado na ordem seguinte da direita para a esquerda.

  • Marechal de Campo Manoel Pinto Bacelar – 1 Batalhão do Regimento de Linha N. 9 e 2 Batalhões do Regimento de Linha N. 11. 
  • Brigadeiro Mosinho - [ ... ] 
  • Brigadeiro Silveira - [ ... ] 
  • Marechal de Campo José Lopes de Sousa -  […]

No Exército Britânico existia o posto de Major-General, ao qual correspondia o de Brigadeiro e a designação de Major-General só foi introduzida no Exército Português em 1863 aglutinando os anteriores postos de Brigadeiro e Marechal de Campo.

O posto de General, sem que esta palavra esteja associada a qualquer outra, só aparece em 1911, com o decreto de 26 de Maio. Há 200 anos, existiam vários postos e cargos que incluíam a palavra General.

O General de Artilharia foi um posto instituído na reforma do Conde de Lippe (1762) para designar o Diretor-geral da Artilharia. De forma idêntica existia o General de Cavalaria e o General de Infantaria.

O General de Brigada e o General de Divisão eram postos que, na época das Invasões, existiam no Exército Francês. Estas expressões foram criadas em Portugal com a organização militar de 1864. Em Portugal existia o posto de Tenente-General, com origem na reorganização do Conde de Lippe, em substituição do Mestre de Campo General. O Tenente-General era o Comandante da Divisão ou escalão superior.

O cargo de Marechal é antigo. Em Portugal apareceu no reinado de D. Fernando, por influência inglesa. O Marechal do Exército, posto criado em 1762, era atribuído aos que tinham funções de Governador das Armas (cargo de carácter mais político-militar). Beresford, Tenente-General do Exército Britânico, foi nomeado Marechal do Exército, em 7 de Março de 1809, quando assumiu o cargo de Comandante-Chefe do Exército Português. Depois da Guerra peninsular, em 1815, foi promovido a Marechal-General. Este último posto, que existia também desde 1762, estava reservado ao Comandante-Chefe dos Exércitos, tal como o foi o Conde de Lippe ou Wellington e, mais tarde, Beresford.

Em resumo, estabelecendo uma hierarquia dos Oficiais Generais (incluindo Brigadeiros) temos:
  • Marechal-General; 
  • Marechal do Exército; 
  • Tenente-General; 
  • Marechal de Campo; 
  • Brigadeiro.
...........................................................................................

BIBLIOGRAFIA

COSTA, Cor. António José Pereira da Costa, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 2, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2005

SOARES, Cor. Alberto Ribeiro, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 1, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2003.

NOÇÕES DA ORGANIZAÇÃO MILITAR DURANTE A GUERRA PENINSULAR

Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão,
Coronel de Infantaria na Reserva

O Exército de Wellington estava organizado em Divisões. Quase todas as suas Divisões de Infantaria integravam um Brigada de Infantaria portuguesa. Os Esquadrões de Cavalaria não foram integrados da mesma forma. As Baterias de Artilharia portuguesas desempenharam um papel importante em numerosos confrontos.

Este pequeno texto foi escrito unicamente com a finalidade de realçar uma série de expressões que dizem respeito à organização militar e cujo significado é, com frequência, desconhecido para os que se interessam pelos acontecimentos referentes às Invasões Francesas de Portugal. Assim, é minha intenção publicar um ou mais textos que expliquem os conceitos essenciais sobre a organização militar durante a Guerra Peninsular. Os conceitos serão sempre apresentados de uma forma genérica e serão depois feitas as referências necessárias aos exércitos interveniente, especialmente de Portugal, Reino Unido e França.

O texto inicial fala de Infantaria, Cavalaria e Artilharia, as três Armas em que então se dividiam as forças combatentes. A Infantaria e a Cavalaria eram (e são) os elementos de manobra. Caracterizavam-se por combinar o fogo (dos mosquetes da Infantaria, das carabinas da Cavalaria) ou o choque (da Cavalaria armada com sabre ou da Infantaria que utilizava o mosquete com baioneta) com o movimento que lhes permite aproximarem-se do inimigo e/ou obter uma posição mais vantajosa. A Artilharia era o elemento de apoio de fogos. Apoiava os elementos de manobra visava neutralizar ou destruir, através das suas bocas-de-fogo, as forças inimigas. Para uma melhor compreensão do significado destas expressões - choque, fogo, movimento - podemos consultar o artigo da Wikipédia «Os Elementos Essenciais do Combate».

Estes elementos, que estavam presentes no campo de batalha, eram apoiados por um conjunto de serviços essenciais para o cumprimento da missão e para a sobrevivência das tropas. No entanto, ao contrário do que sucede nos nossos dias, não existiam unidades de comunicações, de engenharia, de apoio logístico, do serviço de saúde, etc. Estes serviços eram prestados muitas vezes por elementos civis que, de alguma forma, estavam sujeitos à hierarquia militar. A Engenharia, por exemplo, era constituída por um corpo de oficiais e utilizava as praças da Infantaria e, especialmente, da Artilharia. Vamos, portanto, concentrar a nossa atenção nos elementos de manobra e de apoio de fogos.

A INFANTARIA

Tipos de Infantaria

Em primeiro lugar é preciso definir Infantaria na época napoleónica. Tratava-se da força militar que combatia apeada, armada de mosquete (em alguns casos de rifles - espingardas de cano estriado) e baioneta. Dividia-se em dois grupos: Infantaria de Linha (ou pesada) e Infantaria Ligeira.

A infantaria de linha era o tipo de infantaria constituída pela maior parte dos efectivos dos exércitos europeus. Este nome passou a ser utilizado desde que as condições tácticas obrigaram as unidades de infantaria no campo de batalha a disporem os seus efectivos em linha (com três ou duas fileiras de profundidade). Desta forma tiravam o máximo rendimento do fogo dos seus mosquetes.
Soldado do Batalhão de Caçadores n.º 6
do Exército Português, em 
1811.
in
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ca%C3%A7ador_(militar) 

A infantaria ligeira era, na realidade muito semelhante à infantaria de linha. Destinava-se a actuar como corpo de tropas destacadas, à frente do corpo principal da força que era formado por tropas de infantaria de linha, com vários objectivos: obter informações sobre as formações inimigas, flagelar as forças inimigas antes de estas entrarem em contacto com o corpo principal de tropas, dificultar ou impedir a observação e o fogo da infantaria inimiga sobre as tropas de linha (dispostas em linha) à retaguarda. Poderiam ter outras missões e também actuavam muitas vezes como tropas de linha, exactamente da mesma forma que as tropas de infantaria de linha actuavam, quando necessário, como infantaria ligeira.

No Exército do Reino Unido era utilizada a expressão Light Infantry para designar este tipo de infantaria. Os seus soldados, quando em acções próprias deste tipo de forças, eram designados skirmishers. A expressão skirmish, em Língua Inglesa, significa escaramuça, o que traduz a natureza da acção destes combatentes. Alguns batalhões de infantaria do Reino Unido, aparecem com a designação Rifle (por exemplo, o 5/60th Rifle - 5º batalhão do 60º Regimento de Infantaria) o que significa que estavam armados com uma espingarda com cano estriado (o cano do mosquete, a espingarda normal da época, não tinha estrias, era de alma lisa).

No Exército Francês existia uma Infanterie légère complexa, sujeita a sucessivas alterações na sua organização. Aparecem com as expressões Chasseurs à pied, Tirailleurs e Voltigeurs. Na prática, não eram muito diferentes da Infanterie de Ligne. Estas tropas de infantaria ligeira eram designadas em Portugal por Caçadores. Existiram, durante a Guerra Peninsular, doze Batalhões de Caçadores. A Espanha dispunha de algumas unidades de Infantería ligera e era normalmente designados por Cazadores. A sua atuação, nos casos francês, espanhol e português, era idêntica ao que foi mencionado para o Reino Unido.

Os Granadeiros eram uma infantaria de élite. Os seus soldados eram escolhidos entre os mais altos, robustos e corajosos. Tinham o mesmo equipamento que os soldados de infantaria de linha. Com origem em França, estas unidades foram imitadas por toda a Europa.
Detalhe do mosquete conhecido como "Brown Bess" pelos exércitos britânico e português durante a Guerra Peninsular
in
http://www.icollector.com/Henshaw-Marked-Brown-Bess-Flintlock-Musket_i9752051

Unidades de Infantaria

A unidade base de combate da infantaria era o Batalhão. O seu efectivo variou com as reformas militares e com os exércitos e variava entre os 500 e os 1.500 homens distribuídos por um número variável de Companhias. Cada companhia era formada por vários Pelotões.

Em Portugal, de acordo com a reforma de 1806 que se manteve quando Beresford foi nomeado comandante do Exército Português em 1809, um batalhão completo tinha (teoricamente) à volta de 1.500 homens. Estes homens estavam distribuídos por dez companhias das quais oito eram companhias de infantaria de linha, uma era de infantaria ligeira e a outra de granadeiros.

De onde vinham estes batalhões? Dos Regimentos. Estes são unidades de que ouvimos falar com alguma frequência. Por exemplo, ouvíamos falar do Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, hoje Escola de Sargentos do Exército. Eram unidades com uma implantação territorial fixa e que se destinavam a produzir unidades operacionais. Pela organização de 1806, os regimentos eram designados por um número. O Regimento de Infantaria 7, designado de forma informal apenas por Infantaria 7, era o Regimento de Infantaria de Setúbal. O que fazia este regimento (ou os outros)? Produzia batalhões (Veremos, mais à frente, um exemplo). O regimento é uma unidade territorial que está fixa num determinado local. No caso acima apontado, o regimento encontrava-se no seu quartel em Setúbal, com o seu comando, estado-maior e serviços. Os seus batalhões, desde que já tivessem terminado o período de instrução, poderiam ter sido enviados para o local onde atuava a unidade de escalão superior em que era integrado. Normalmente, cada regimento de infantaria fornecia dois batalhões.

Em Portugal, de acordo com a organização de 1806, retomada por Beresford, existiam vinte e quatro Regimentos de Infantaria assim distribuídos:

  • Regimento de Infantaria nº 1 – Lisboa 
  • Regimento de Infantaria nº 2 – Lagos 
  • Regimento de Infantaria nº 3 – Estremoz 
  • Regimento de Infantaria nº 4 – Lisboa 
  • Regimento de Infantaria nº 5 – Elvas 
  • Regimento de Infantaria nº 6 – Porto 
  • Regimento de Infantaria nº 7 – Setúbal 
  • Regimento de Infantaria nº 8 – Castelo de Vide 
  • Regimento de Infantaria nº 9 – Viana 
  • Regimento de Infantaria nº 10 – Lisboa 
  • Regimento de Infantaria nº 11 – Viseu 
  • Regimento de Infantaria nº 12 – Chaves 
  • Regimento de Infantaria nº 13 – Peniche 
  • Regimento de Infantaria nº 14 – Tavira 
  • Regimento de Infantaria nº 15 – Vila Viçosa 
  • Regimento de Infantaria nº 16 – Lisboa 
  • Regimento de Infantaria nº 17 – Elvas 
  • Regimento de Infantaria nº 18 – Porto 
  • Regimento de Infantaria nº 19 – Cascais 
  • Regimento de Infantaria nº 20 – Campo Maior 
  • Regimento de Infantaria nº 21 – Valença 
  • Regimento de Infantaria nº 22 – Elvas 
  • Regimento de Infantaria nº 23 – Almeida 
  • Regimento de Infantaria nº 24 - Bragança
No Exército Britânico a generalidade dos regimentos formaram dois batalhões. No entanto, existem casos de apenas um batalhão e outros com mais de dois batalhões. Os batalhões não seguiam todos para o mesmo teatro de operações. Por exemplo, o 1º Regimento de Infantaria de Linha britânico (1st Foot) formou quatro batalhões e só o 3º batalhão esteve na Península Ibérica. A Espanha tinha uma organização idêntica mas mais heterogénea. Os Franceses tinham regimentos que formavam dois a quatro batalhões. A diferença relativamente aos Britânicos era que estes poucas vezes juntavam os batalhões de um mesmo regimento enquanto os Franceses, por norma, os mantinham juntos.


Organização de um Batalhão de Infantaria


A unidade táctica de escalão superior ao batalhão era a Brigada. Uma brigada de infantaria era formada por dois ou mais batalhões. No Exército Português, as brigadas eram, em regra, formadas por quatro batalhões, dois de cada regimento. Era assim que estava previsto no decreto de 19 de Maio de 1806. A algumas brigadas foi também atribuído um batalhão de caçadores. No entanto, conforme as necessidades das operações, uma brigada podia ser reforçada com mais batalhões de infantaria ou unidades de cavalaria ou artilharia ou, pelo contrário, poderia ceder batalhões para outra brigada.

As brigadas eram agrupadas em Divisões. Em Portugal, pela organização de 1806, existiam 24 regimentos de infantaria e cada um fornecia dois batalhões; os quatro batalhões pertencentes a dois regimentos formavam uma brigada e cada duas brigadas (oito batalhões), formavam uma divisão. Estava pois prevista a existência de três divisões. A infantaria portuguesa, em Outubro de 1810 tinha já organizado e colocado à disposição de Wellington, nove brigadas de infantaria, algumas formadas por quatro batalhões de infantaria de linha (2ª, 3ª, 4ª, 8ª e 9ª Brigadas), outras formadas igualmente por quatro batalhões de linha e um batalhão de caçadores (1ª, 5ª e 6ª Brigadas). A 7ª Brigada de Infantaria portuguesa era formada por dois batalhões do Regimento de Infantaria 8 e dois batalhões da Leal Legião Lusitana, os 1º e 2º, que foram em 1811 convertidos em batalhões de caçadores (Caçadores 7 e 8). Uma divisão podia ser reforçada com tropas de cavalaria e de artilharia, isto é, passava a dispor em si mesma de todos os elementos combatentes, de manobra e de apoio de fogos, quando actuava independente ou em situações especiais.

O que foi dito sobre as divisões do Exército Português é válido para os outros exércitos. Wellington tinha as suas divisões compostas, normalmente, por duas brigadas. À medida que as unidades portuguesas iam sendo reorganizadas e consideradas prontas para o combate, foi-as integrando nas suas divisões. Por exemplo, a 1 de Novembro de 1810, a 3ª Divisão de Infantaria britânica era formada por duas brigadas, cada uma com três batalhões de infantaria de linha, e com um efectivo de 1.681 e 1.655 homens. A estas duas brigadas juntou-se uma brigada portuguesa, a 8ª Brigada, formada por quatro batalhões de infantaria de linha, dois do Regimento de Infantaria 9 e dois do Regimento de Infantaria 21, com um total de 1.961 homens. Durante a Guerra Peninsular, encontramos no Exército Aliado unidades que integram forças britânicas e forças portuguesas.

Os Franceses apresentavam ainda um outro escalão: o Corpo de Exército. Um Corpo de Exército é uma grande unidade formada essencialmente por Divisões. Um Corpo de Exército, em regra, dispunha de duas ou mais Divisões de Infantaria, uma Brigada de Cavalaria e um determinado número de bocas de fogo de Artilharia. Por exemplo, o Exército de Portugal de Massena era formado por três Corpos de Exército (CE): o II CE sob o comando de Reynier, o VI CE sob o comando de Ney e o VIII CE sob o comando de Junot.


A CAVALARIA

Tipos de Cavalaria

À semelhança do que sucedia com a infantaria, também existiam diversos tipos de cavalaria. Existiam mais variantes que na infantaria e nem todos os autores as classificam da mesma forma. A cavalaria mais poderosa durante as Guerras Napoleónicas foi, sem dúvida, a cavalaria francesa. Esta era formada por tropas de cavalaria pesada (desta, os couraceiros são os mais conhecidos) destinados a executar os ataques à cavalaria ou à infantaria inimigas, cavalaria média (os dragões, originalmente infantaria montada) que desempenhavam todos os tipos de missões, como a cavalaria pesada, ou a cavalaria ligeira (chasseurs-a-cheval, lanceiros, hussardos) vocacionada para o reconhecimento e missões de protecção mas que, se necessário, à semelhança dos outros tipos de cavalaria, podia executar cargas sobre as formações inimigas.

A cavalaria britânica, assim como a cavalaria portuguesa, apresentava-se mais simples: dividia-se em ligeira (dragões ligeiros e hussardos) e pesada (dragões). As missões a atribuir eram idênticas à do exército francês. No que respeita à organização das unidades, existiam diferenças entre os diferentes exércitos mas também existiam princípios comuns e são esses que importa conhecer.
Carga dos hussardos da cavalaria napoleónica, na batalha de Friedland
in
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cavalaria


Unidades de Cavalaria

A unidade base de combate da cavalaria era o Esquadrão. Se quisermos compara com a infantaria, o esquadrão equivalia, com uma dimensão diferente, ao batalhão de infantaria. Os esquadrões tinham origem nos regimentos. Em Portugal, com a reorganização de Beresford, cada regimento tinha um total de 595 oficiais e praças e estava organizado num estado-maior e quatro esquadrões com duas Companhias por esquadrão. Por norma, os esquadrões de um regimento actuavam juntos e, por isso, aparece frequentemente nos textos a designação do regimento. Por exemplo, Charles Oman (History of the Peninsular War, volume III) indica que a cavalaria portuguesa na fronteira da Beira em Setembro de 1811 eram os Regimentos de Cavalaria nº 1, 3, 4 e 7, sem fazer qualquer referência aos esquadrões. O número destes era variável e dependia em muito das montadas disponíveis. Com frequência, os regimentos encontravam-se a 50 %, normalmente por falta de montadas.

Em Portugal, depois de reorganizado o Exército, existiam doze unidades territoriais de Cavalaria:
  • Regimento de Cavalaria nº 1 – Lisboa 
  • Regimento de Cavalaria nº 2 – Moura 
  • Regimento de Cavalaria nº 3 – Beja 
  • Regimento de Cavalaria nº 4 – Lisboa 
  • Regimento de Cavalaria nº 5 – Évora 
  • Regimento de Cavalaria nº 6 – Chaves 
  • Regimento de Cavalaria nº 7 – Lisboa 
  • Regimento de Cavalaria nº 8 – Elvas 
  • Regimento de Cavalaria nº 9 – Chaves 
  • Regimento de Cavalaria nº 10 – Santarém 
  • Regimento de Cavalaria nº 11 – Almeida 
  • Regimento de Cavalaria nº 12 - Bragança 
Os regimentos de cavalaria agrupavam-se em Brigadas e as brigadas em Divisões. Por norma, devido à escassez de efectivos de cavalaria, os Britânicos não agrupavam as brigadas em divisões e, da mesma forma faziam os Portugueses. Já os Franceses, que possuíam uma cavalaria mais numerosa, utilizaram na Península Ibérica divisão de cavalaria. Foi o caso da Divisão de Dragões de Montbrun, do “Exército de Portugal”, formada pelos 3º, 6º, 8º, 10º, 11º, 15º e 25º Regimentos de Dragões.

No caso do exército anglo-luso, as brigadas de cavalaria actuavam, em regra, sob comando directo de Wellington (embora toda a cavalaria fosse comandada pelo General Stapleton Cotton. O mesmo sucedia, portanto, às unidades de cavalaria portuguesas que estavam integradas naquele exército. Houve uma situação em que uma brigada de cavalaria foi, por norma, atribuída a uma divisão: a Brigada de cavalaria ligeira de Alten (formada pelo 11º Regimento de Dragões Ligeiros e pelo 1º Regimento de Hussardos da King's German Legion) actuava juntamente com a Divisão Ligeira.
Organização de um Corpo de Exército


 
Também no caso dos Franceses, não é normal encontrar uma unidade de cavalaria atribuída a uma divisão. Isso podia acontecer quando a divisão actuava isolada e necessitava de outros componentes como a cavalaria para os reconhecimentos e protecção e a artilharia para o apoio de fogos como foi o caso da Divisão de Infantaria de Girard que travou o combate de Arroyomolinos com a Divisão de Rowland Hill. A Divisão de Girard tinha sido reforçada com uma brigada provisória de cavalaria (uma brigada organizada apenas para aquela missão) e alguma artilharia.

Os exércitos franceses, por norma muito mais numerosos, estava organizados em corpos de exército como já vimos quando falámos da infantaria. O Exército de Portugal de Massena, para além dos três Corpos de Exército referidos, tinha a chamada Reserva de Cavalaria que consistia no conjunto das unidades de cavalaria não atribuídas aos Corpos de Exército. Neste caso tratava-se de toda a cavalaria que se encontrava sob comando do General Montbrun. Formavam uma unidade do tipo Divisão que além dos Regimentos de Cavalaria reunidos em Brigadas também tinha uma unidade de Artilharia a cavalo. 

A ARTILHARIA

Napoleão era um oficial de Artilharia e herdou o melhor sistema de artilharia daquela época. O sistema Gribeauval, tinha dotado a França de uma artilharia mais leve, embora de maiores calibres, mais fácil de movimentar e que proporcionava maior poder de fogo. O sistema Gribeauval não era um segredo francês. Outros países tiveram a oportunidade de fabricar uma artilharia idêntica, mais ou menos numerosa. Tal como hoje, era uma questão de investimento.

Tipos de Artilharia

A Artilharia pode ser classificada de acordo com a sua utilização. Estamos aqui a referir unicamente a Artilharia do Exército e deixamos de parte a Artilharia Naval quer a (mais recente) Artilharia de Costa. Os exércitos utilizam a Artilharia de três formas distintas: 

  • No campo de batalha, para apoiar pelo fogo as forças de manobra (Infantaria e Cavalaria) – Artilharia de Campanha; trata-se de um tipo de Artilharia que deve ter a possibilidade de acompanhar o movimento das forças de manobra que apoia; com calibre até 12 libras; 
  • Nas fortificações para defesa destes sistemas de protecção colectiva – Artilharia de Posição. Não tem de ser deslocada no campo de batalha e é mais pesada, de maior calibre e com maior alcance que a Artilharia de Campanha; 
  • Para as operações de cerco, quando era preciso abrir brechas nas muralhas, utilizava-se uma artilharia pesada, de calibre elevado, que conseguisse causar danos na estrutura ou, preferencialmente derrubar partes da muralha a ser atacada; esta Artilharia era denominada Artilharia de Cerco ou Artilharia de Sítio; com calibre superior a 12 libras.

A Artilharia de Campanha, como referimos, tinha a missão de dar apoio de fogos às forças de manobra; apoiava o ataque fazendo fogo sobre as forças que iam ser atacadas, com a finalidade de criar pontos mais fracos no dispositivo inimigo; apoiava a defesa, batendo as forças atacantes por forma a quebrar o ímpeto, desorganizar e/ou enfraquecer o dispositivo. O transporte desta artilharia e das suas munições implicava um grande esforço tanto no movimento como na montagem ou desmontagem das bocas de fogo nas posições em que eram utilizadas. Quando a força a ser apoiada era muito móvel, isso constituía um problema.

A Cavalaria desloca-se mais rapidamente que a Infantaria. Para permitir o apoio que a Cavalaria necessitava, o Marechal de Campo Lennart Torstenson (1603 - 1651), do Exército do Rei Gustavo Adolfo da Suécia (1594 – 1632), durante a Guerra dos Trinta Anos, organizou a sua Artilharia ligeira em unidades em que todos os elementos das guarnições das armas se deslocavam a cavalo. As bocas de fogo e os carros com as munições e equipamentos eram puxadas por parelhas de cavalos. Foi assim criada a Artilharia a Cavalo destinada a apoiar as unidades de cavalaria.



Tipos de bocas de fogo

Uma arma de fogo pode ser concebida para disparar um projéctil numa trajectória tensa (tiro directo) com o objectivo à vista ou numa trajectória curva, que permite bater um objectivo que não se vê da posição da arma por ter um obstáculo (elevação de terreno, área urbanizada, muralhas) entre os dois. No primeiro caso, na Artilharia, temos as peças e, no segundo, os obuses e os morteiros. A Artilharia portuguesa dispunha de uma grande variedade de materiais, de ferro (as bocas de fogo mais antigas) e de bronze.



Unidades de Artilharia

Tal como a Infantaria e a Cavalaria, a Artilharia tinha os seus Regimentos. Em Portugal, tal como para as outras Armas, cada Regimento era conhecido por um número e existiam quatro Regimentos de acordo com a organização de 1806, que se manteve com Beresford:

  • Regimento de Artilharia nº 1 – Lisboa (S. Julião); 
  • Regimento de Artilharia nº 2 – Faro; 
  • Regimento de Artilharia nº 3 – Estremoz; 
  • Regimento de Artilharia nº 4 – Porto. 

Cada Regimento tinha um estado-maior, uma Companhia de Bombeiros, uma de Mineiros, uma de Pontoneiros e sete de Artilheiros, num total de 1.200 praças. Esta organização pode parecer estranha mas, naquela época, a expressão Artilharia compreendia bocas de fogo, petardos, minas, bombas, pólvora e toda a espécie de engenhos explosivos. A partir de 1812, as Companhias de Mineiros e de Pontoneiros foram retiradas dos Regimentos de Artilharia e passaram a fazer parte do Corpo de Engenheiros.

Por influência britânica, as Companhias de Artilharia, quando destacadas para operações, passaram a designar-se Brigadas de Artilharia. Por norma, cada brigada de artilharia apoiava uma Divisão de Infantaria. Estas unidades tinham uma composição variável entre 6 e 12 bocas de fogo que incluíam, em regra, 2 obuses e 10 peças. Em meados de 1810, Portugal dispunha de 11 Brigadas de Artilharia: duas de calibre 9, cinco de calibre 6, três de calibre 3 e uma de montanha (bocas de fogo especialmente concebidas para serem desmontadas e transportadas em cargas separadas; normalmente de 3 libras).

O termo Bateria (hoje equivalente a uma Companhia) só seria adoptado para designar uma unidade de Artilharia na segunda metade do século XIX. Durante a Guerra Peninsular, este termo estava associado à posição das bocas de fogo.


ORGANIZAÇÃO GERAL DO EXÉRCITO

O levantamento de todas estas unidades territoriais (Regimentos de Infantaria, Cavalaria e Artilharia) tinha em vista a formação de uma estrutura de campanha, isto é, cada Regimento iria fornecer as unidades (Batalhões; Esquadrões; Brigadas de Artilharia) destinadas a formarem o Exército de Campanha que, de acordo com o Alvará de 19 de Maio de 1806, era «formado em três Divisões, com as denominações seguintes: Divisão do Sul, Divisão do Centro, Divisão do Norte». Este era o Exército de Linha que o reino de Portugal apresentava.

Mas estabelecia ainda o mesmo Alvará que cada Divisão «será formada por oito Regimentos de Infantaria, divididos em quatro Brigadas, quatro Regimentos de Cavalaria e um de Artilharia, exceptuando a Divisão do Sul, que compreenderá dois regimentos dessa Arma.» Contrariamente ao que foi dito (porque falávamos de exércitos com uma dimensão superior), estas Divisões, que tinham áreas de actuação específicas e podiam actuar isoladas, necessitavam de incluir no seu conjunto ambos os elementos de manobra (infantaria e cavalaria) e de apoio de fogos (artilharia).

Esta estrutura deveria estar montada «mesmo em tempo de paz». Isto significava que, não havendo guerra, existia a estrutura de comando das Divisões e Brigadas e, sempre que necessário (para exercícios ou em caso de conflito armado), os regimentos acima indicados forneciam os Batalhões de Infantaria que iriam constituir as Brigadas, os Esquadrões de Cavalaria que o Comandante da respectiva Divisão atribuía a cada Brigada ou deixava sob seu comando directo e as Brigadas de Artilharia (Baterias) que apoiavam a respectiva Divisão. Vejamos um exemplo:

A Divisão Centro estava organizada em quatro Brigadas de Infantaria. Destas, a 1ª Brigada era formada pelos Regimentos de Infantaria nº 1 (Lisboa) e 13 (Peniche). Isto significava na prática que, quando a 1ª Brigada se reunia, dois Batalhões do Regimento de Infantaria nº 1 e dois Batalhões do Regimento de Infantaria nº 13, eram colocados sob o comando do Brigadeiro comandante daquela Brigada. Não era o Regimento (unidade territorial) que avançava mas sim os seus Batalhões operacionais. O mesmo acontecia nas unidades de Cavalaria e de Artilharia. Refere-se com frequência a presença do Regimento X ou Y no campo de batalha para indicar que estavam presentes todas as suas subunidades (Batalhões; Esquadrões; Brigadas de Artilharia) operacionais.

Além destas tropas existiam outras que aparecem frequentemente nos textos. É o caso dos Regimentos de Milícias (uma segunda linha do Exército), que forneciam 43 Batalhões de Milícias; do Corpo de Voluntários Reais de Milícias a Cavalo, especialmente dedicado à segurança de Lisboa; das 24 Brigadas de Ordenanças, divididas pelos sete Governos Militares, que constituíam um sistema de recrutamento para os 24 Regimentos de Infantaria de Linha; as unidades de tropas ligeiras, os Caçadores, primeiro distribuídos pelos Regimentos (uma Companhia por Regimento) depois organizados em Batalhões de Caçadores; a Leal Legião Lusitana que, em 1812, daria origem a dois Batalhões de Caçadores; o Batalhão Académico; os Voluntários Reais do Comércio (de Lisboa) e os Voluntários do Porto; as 16 Legiões formadas pela população de Lisboa. Por outras palavras, além da estrutura relativamente bem definida do Exército de Linha, existia uma outra estrutura, complexa, que por vezes era difícil de controlar, mas que punha em prática a ideia de «que todos os habitantes destes reinos se armassem pelo modo que a cada um fosse possível; e que todos os indivíduos, que se acharem compreendidos na idade de quinze até sessenta anos, se reunissem todos os domingos, e dias santos, e se exercitassem nos movimentos, e evoluções militares ...». Contra a França revolucionária foi necessário levantar a Nação em armas.


BIBLIOGRAFIA

AAVV, Armies of the Napoleonic Wars, Osprey Publishing, Great Britain, 2009.
AAVV, A Artilharia em Portugal, Estado Maior do Exército, 1982.
BORGES, João Vieira, «Artilharia e Artilheiros Portugueses na Guerra Peninsular», Revista de Artilharia, Ano CV, 2ª série, Números 1019 a 1021, Julho – Agosto – Setembro de 2010, Lisboa, pp. 259 a 284.
CENTENO, João Torres, O Exército Português na Guerra Peninsular, volume 1 – do Rossilhão ao fim da Segunda Invasão Francesa 1807-1810, Prefácio, Lisboa, 2008.
COSTA, Cor. António José Pereira da Costa, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 2, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2005.
OMAN, Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, volumes 1 a 7, Grennhill Books, Londres, 2004.
SOARES, Cor. Alberto Ribeiro, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 1, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2003.

12/11/11

DOIS ARTIGOS NA WIKIPÉDIA

 
Podemos encontrar uma descrição histórica fidedigna e bem fundamentada nestes artigos da wikipédia,  - enriquecidos com gravuras, esquemas e mapas, - da autoria do nosso associado Manuel Gouveia Mourão:




Origem do mapa AQUI

1811 foi o ano da retirada das tropas francesas, comandadas por Massena.

Recordemos a cronologia da 3ª Invasão:
1810-06-24 Combate do Côa

1810-08-15 Início do Cerco de Almeida

1810-08-28 Capitulação de Almeida

1810-09-27 Batalha do Buçaco

1810-10-11 Os franceses param frente às Linhas de Torres Vedras

1810-11-15 Retirada para a região Leiria - Rio Maior – Santarém – Tomar

 1811-03-04 Início da retirada francesa da região Leiria - Rio Maior – Santarém – Tomar

1811-03-11 Combate de Pombal

1811-03-12 Combate da Redinha

1811-03-14 Combate de Condeixa

1811-03-15 Combate de Foz do Arouca

1811-03-18 Combate de Ponte de Murcela

1811-03-29 Combate da Guarda

1811-04-03 Combate do Sabugal

1811-05-03 a 05 Batalha de Fuentes de Oñoro

1811-04-07 Início do cerco de Almeida pelas tropas anglo-lusas

1811-05-10/11 Fuga da guarnição francesa de Almeida

09/11/11

MAIS UM LIVRO SOBRE AS LINHAS DE TV



AS LINHAS DE TORRES VEDRAS: UM SISTEMA DEFENSIVO A NORTE DE LISBOA / coord. Miguel Corrêa Monteiro; [ textos de ] António Ventura, Alexandre de Sousa Pinto, António Pedro Vicente. - Torres Vedras : PILT (Plataforma Intermunicipal para as Linhas de Torres), 2011. 238 p. : il. ; 28 cm

Este livro resulta da cooperação da  Academia Portuguesa da História com a PILT - estrutura intermunicipal que congrega os seis municípios (Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira) da base territorial das Linhas. Chegou-nos recentemente às mãos, com a indicação de que havia sido lançado em Junho do corrente ano. A distribuição está a cargo dos referidos municípios.


É uma obra de síntese que congrega o estado atual dos conhecimentos sobre o tema das Linhas de Torres Vedras no quadro da Terceira Invasão Francesa.
Divide-se em três grandes partes, a saber:

                   I - Contextualizar as Linhas ( António Ventura)
                  II - A estratégia e a tática de Wellington para a defesa de Portugal (Alexandre de Sousa 
                       Pinto)
                III - As Linhas de Torres Vedras: impactos económicos e sociais ( António Pedro Vicente)

Em  ANEXOS encontramos alguns textos históricos de reconhecida importância como sejam o "Memorando" de Wellington ao Ten. Cor Fletcher com as indicações operacionais sobre a construção das Linhas; ou a proclamação de Masséna aos portugueses, ou, ainda, sínteses biográficas dos generais que participaram nas operações.
Para além das indicações bibliográficas, encontramos os sempre úteis e indispensáveis Índices Remissivos (toponímico e antroponímico) elaborados por Carlos Guardado da Silva e Carlos Silveira.

Um obra de referência, em jeito de remate das Comemorações do Bicentenário da construção das Linhas de Torres Vedras.



07/11/11

XX COLÓQUIO DE HISTÓRIA MILITAR - MEMÓRIAS DA GUERRA PENINSULAR



A Comissão Portuguesa de História Militar leva a efeito o XX Colóquio de História Militar nos próximos dias 15, 16, 17 e 18 de Novembro, subordinado ao tema

A GUERRA PENINSULAR EM PORTUGAL (1810-1812)
Derrota e Perseguição. A Invasão de Masséna e a Transferência das Operações para Espanha

29/07/11

RECUPERAÇÃO E RESTAURO DE DOIS FORTES DAS LINHAS DE TORRES VEDRAS

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No blogue da Associação do Património de Torres Vedras damos conta mais pormenorizada do trabalho realizado no Forte de S. Vicente e no dos Olheiros - duas das mais expressivas construções militares das Linhas de Torres Vedras, situadas à saída e a poente da cidade.
Salientamos a reconstrução do poste de sinalização - telégrafo de sinais - que funcionará no reduto 21 do Forte de S. Vicente como demonstração em dias especiais.


Telégrafo de sinais, Forte de S. Vicente, Julho 2011
Sondagens arqueológicas no Forte de S. Vicente Abril de 2011

Obras de consolidação das paredes de sustentação
Forte dos Olheiros, Abril 2011

Obras no Paiol do Forte dos Olheiros, Abril 2011

Obras concluídas no Forte dos Olheiros, Julho 2011

Paiol do Forte dos Olheiros, Julho 2011




Forte de S. Vicente, Julho 2011

Canhoneiras do Forte de S. Vicente, Julho 2011

Forte de S. Vicente, Julho 2011

Ermida - restaurada nos anos 80 do séc. XX  - do Forte de S. Vicente, Julho 2011


12/03/11

CHEGÁMOS AO FIM DE UM CICLO

Este blogue foi criado no âmbito das comemorações dos 200 anos da Guerra Peninsular e das Linhas de Torres Vedras. Durante mais de dois anos esforçámo-nos por fazer deste espaço um lugar de divulgação de conhecimentos sobre este período da nossa História. Contámos com a colaboração de um grupo de pessoas que deram muitas horas do seu tempo para a concretização deste projecto. A Associação para a Defesa e Divulgação do Património Cultural de Torres Vedras manifesta aqui o seu mais vivo reconhecimento por essa colaboração, empenhada e totalmente gratuita.

Este espaço continuará aberto a quem dele necessitar. Textos, gravuras, livros, ligações para sites relacionados... Os curiosos, os amantes da História, os nossos estudantes encontrarão aqui muitas pistas úteis para o seu trabalho.

A partir de agora o ritmo de publicações neste blogue será mais irregular, como é natural. Mas continuaremos a vir aqui, sempre que tivermos algo a partilhar com os nossos amigos e visitantes em geral.

O nosso "obrigado" a todos.

06/02/11

SUPLEMENTO Nº 4 - BICENTENARIO DAS INVASÕES FRANCESAS - 28 JAN 2011


Poema de Luís Filipe Rodriges, ilustração de José Pedro Sobreiro, in: ESCRITO À MÃO DUZENTOS ANOS DEPOIS, ed. Câmara Municipal de Torres Vedras, 2009

A RETIRADA DE MASSENA E O FIM DAS INVASÕES FRANCESAS

Manuel Gouveia Mourão *


No dia 11 de Outubro de 1810, o exército francês chegou às Linhas de Torres Vedras. Após alguns combates de pouca monta, Massena reconheceu que, sem receber reforços, não tinha condições para ultrapassar este formidável obstáculo. A sua progressão para Lisboa teria de esperar que a ajuda viesse de outras tropas francesas, em Espanha. Como sabemos, essa ajuda não chegou e Massena não podia permanecer indefinidamente nas posições que ocupava entre as Linhas de Torres e a constante acção de milícias e camponeses que flagelavam a retaguarda do seu exército.

Os franceses enfrentavam um problema que punha em causa a sua capacidade de sobrevivência: a falta de géneros alimentares. O exército francês, para além de uma dotação base com que partia para cada campanha, abastecia-se nos territórios por onde passava. Essa experiência tinha dado bons resultados nas terras ricas da Europa Central mas as condições da Península Ibérica eram, em geral, diferentes. Além da relativa pobreza de muitos territórios, Wellington tinha ordenado que se retirasse do percurso a ser seguido pelo exército invasor tudo o que poderia abastecê-lo. Em grande parte essa ordem foi cumprida e, algum tempo depois de chegarem às Linhas de Torres, as tropas francesas enfrentavam a fome e o consequente aumento de doenças, o que provocou numerosas baixas nos seus efectivos.

Assim, a meados de Novembro, os franceses efectuam o primeiro movimento para a retaguarda indo ocupar uma região definida por Leiria, Rio Maior, Santarém e Tomar. A possibilidade de alimentar as tropas era aí maior mas não isenta de dificuldades pois estavam no início do Inverno. Podiam, no entanto, procurar alimentos na margem sul do Tejo mas as tentativas feitas para atravessar este rio fracassaram devido à acção de uma força militar que Wellington para ali enviara. Depressa se esgotaram os parcos recursos da região que então ocupavam e Massena não teve outra solução que iniciar a retirada.



O exército de Massena iniciou a sua marcha em direcção ao vale do Mondego no dia 4 de Março. Foi constituída em Leiria uma Guarda da Retaguarda para proteger o movimento do resto das tropas. Até ao dia 5 de noite permaneceram algumas unidades nos mesmos locais para iludir a vigilância das tropas anglo-portuguesas. Quando, no dia 6, Wellington teve conhecimento que os franceses tinham retirado de Santarém, foi iniciada a perseguição. O objectivo era atacar continuamente os franceses para provocar o maior número de baixas, fazer prisioneiros e impedir que eles conseguissem reorganizar-se e ocupar uma boa posição defensiva. Assim nunca estariam em condições de enfrentar as tropas perseguidoras e seriam obrigados a continuar a retirada até território seguro – neste caso, Espanha.

Na sua marcha até ao vale do Mondego, as tropas francesas foram continuamente pressionadas pelo exército de Wellington. Registavam-se alguns encontros entre as tropas dos dois exércitos. Destes são mais conhecidos os combates em Pombal e Redinha. Tendo encontrado forte resistência nas pontes que lhe possibilitavam a travessia do Mondego, Massena decidiu retirar em direcção a Espanha. Registaram-se mais combates em Condeixa, Casal Novo, Foz do Arouca e Ponte de Murcela. Entretanto, os franceses, com a finalidade de apressarem a marcha, começaram a desfazer-se de tudo o que não era essencial à sua sobrevivência: bagagens, carros de munições e até os próprios animais de carga.

Na noite de 18 para 19 de Março, os franceses fizeram, sem paragens, o trajecto de Ponte de Murcela à Chamusca (perto de Oliveira do Hospital). Foram 36 km percorridos com pouca visibilidade, por maus caminhos nas montanhas. As tropas anglo-lusas que os perseguiam fizeram cerca de 600 prisioneiros. Para tropas cansadas, esfomeadas e desmoralizadas, temos de reconhecer que este é um esforço notável. No dia 21 de Março chegaram a Celorico.

MASSENA NÃO DESISTE
Massena continuava com a ideia de cumprir as ordens que tinha recebido de Napoleão: capturar Lisboa. Pensou em encaminhar as suas tropas para a Estremadura espanhola e, a partir daí, com o apoio de outras forças francesas, voltar a ameaçar Portugal. Mas as condições do seu exército eram já muito más e, nestes casos, as acções de insubordinação aparecem facilmente. O caso mais importante foi a insubordinação do marechal Ney a quem Massena acabou por retirar o comando do 6º Corpo de Exército. Massena acabou por reconhecer a impossibilidade de concretizar aquele plano e, no dia 29 de Março, deu ordens para as forças se concentrarem na Guarda para daí seguirem para Ciudad Rodrigo.

Neste percurso para Ciudad Rodrigo, o exército francês fez uma paragem na região do Sabugal, perto da fronteira, na margem oriental do rio Côa. Aí foram atacados pelas tropas de Wellington e foi travada a batalha do Sabugal, sendo os franceses obrigados a retomar apressadamente a sua retirada, atravessando a fronteira no dia seguinte. Ficava em Portugal, na praça de Almeida, uma guarnição francesa que Massena não esqueceu e procurou libertar.

Wellington tinha posto cerco à praça de Almeida desde 7 de Abril mas o exército de Massena recompôs-se mais rapidamente que o esperado e, em breve, dirigia-se novamente naquela direcção. O cerco foi mantido com um número muito reduzido de tropas e Wellington tomou as disposições necessárias para impedir o avanço do seu inimigo. Os dois exércitos encontraram-se na região de Fuentes de Oñoro. Os combates tiveram início no dia 3 de Maio, foram quase interrompidos no dia 4 para reorganização dos dispositivos e o embate principal deu-se no dia 5. O exército de Massena sofreu outra importante derrota e ficava afastada, em definitivo, a possibilidade de socorrer Almeida.

Wellington voltou ao cerco daquela praça. Pensou que conseguiria obrigar a guarnição francesa a render-se pela fome pois eles não tinham possibilidades de serem abastecidos. Mas Massena conseguiu fazer chegar um correio ao interior da praça. Este correio continha instruções para uma tentativa de fuga da guarnição. Pouco antes da meia-noite do dia 10 de Maio, a guarnição francesa que se encontrava em Almeida saiu da praça pela porta norte e conseguiu abrir caminho pelo cordão de vigilância montado à volta da fortaleza. No dia seguinte de manhã, tinha-se reunido às tropas francesas que os esperavam do outro lado do rio Águeda. As últimas tropas francesas que tinham participado na terceira invasão saíram finalmente de Portugal.

IMPORTÂNCIA DAS TROPAS IRREGULARES
Durante todo o percurso, entre as Linhas de Torres Vedras e a fronteira portuguesa, os franceses não enfrentaram apenas as tropas que os perseguiam. Quando Wellington recolheu às Linhas de Torres, em Outubro de 1810, mantiveram-se em várias zonas do País tropas irregulares, sendo as mais importantes os regimentos de milícias. Estas tropas que, pela sua natureza, não estavam preparadas para confrontos abertos com tropas regulares e bem preparadas como eram as do Exército Francês, tiveram um papel importantíssimo nas acções que acabámos de descrever. Basta dizer que, enquanto Massena se manteve frente às Linhas ou na região de Santarém, a sua retaguarda esteve permanentemente ameaçada e as suas comunicações com Espanha, para serem mantidas, exigiam escoltas de centenas de homens. Foram também estas tropas que impediram os franceses de passarem para a margem norte do Mondego. Esta é uma componente da guerra muitas vezes esquecida.

Os franceses tinham saído de Portugal mas a guerra não tinha acabado. Já não se tratava apenas de expulsar os franceses de Portugal. Era necessário derrotá-los em toda a Península e, quando isso foi conseguido, em toda a Europa. Por isso a guerra continuou até 1814 e o exército de Wellington continuou a ser formado por tropas britânicas e portuguesas, mais tarde também por tropas espanholas. Por isso o Exército Português continuou a enviar tropas para combater em Espanha e, a partir de 1813, em França. Os combates só terminaram quando, no sul de França, o Marechal Soult, nomeado comandante das tropas francesas na região, se rendeu a Wellington, a 17 de Abril de 1814. Terminava então a Guerra Peninsular. * Coronel na reserva

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Combate de Pombal


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CRONOLOGIA DA RETIRADA DE MASSENA

1810-06-24 Combate do Côa
1810-08-15 Início do Cerco de Almeida
1810-08-28 Capitulação de Almeida
1810-09-27 Batalha do Buçaco
1810-10-11 Os franceses param frente às Linhas de Torres Vedras
1810-11-15 Retirada para a região Leiria - Rio Maior – Santarém – Tomar

1811-03-04 Início da retirada francesa da região Leiria - Rio Maior – Santarém – Tomar
1811-03-11 Combate de Pombal
1811-03-12 Combate da Redinha
1811-03-14 Combate de Condeixa
1811-03-15 Combate de Foz do Arouca
1811-03-18 Combate de Ponte de Murcela
1811-03-29 Combate da Guarda
1811-04-03 Combate do Sabugal
1811-05-03 a 05 Batalha de Fuentes de Oñoro
1811-04-07 Início do cerco de Almeida pelas tropas anglo-lusas
1811-05-10/11 Fuga da guarnição francesa de Almeida

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CENAS DE GUERRA

ATITUDES HUMANAS EM TEMPO DE GUERRA
José NR Ermitão


Muitos militares ingleses, soldados e até oficiais, tiveram para com os portugueses um comportamento violento absolutamente condenável. E tanto mais condenável quanto foram recebidos de um modo caloroso e até festivo. O próprio Wellington queixava-se de que não havia correio ou relatório que recebesse que não trouxesse um rol de queixas contra violências e desmandos cometidos pelas tropas britânicas.
Tão negativo quanto este péssimo comportamento era a atitude geral de condescendência, de superioridade, de arrogância britânicas relativamente aos portugueses, em muitos casos considerados de forma inferior ou como uns incapazes, até para defender o seu próprio país. Os ingleses tinham de facto uma péssima ideia sobre as nossas capacidades bélicas e só começaram a alterar esse ponto de vista depois de verificarem a va-lentia dos soldados portugueses na Batalha do Buçaco.

Mas felizmente que nem todos assim pensavam ou agiam. Muitos militares ou ci-vis incorporados no exército britânico eram homens de elevada formação cultural e fortes sentimentos humanos que, despindo-se da arrogância dos seus compatriotas, olharam o país e os seus habitantes com outros olhos, mais objectivos e menos preconceituosos, e desse olhar diferente deram o devido testemunho em cartas, memórias, narrativas diversas, em muitos casos acompanhados de desenhos de paisagens, tipos sociais e cenas do quotidiano. Mais tarde, passada a guerra, publicaram-nas, e assim terão contribuído para alguma mudança da opinião pública inglesa a nosso respeito.
Esses militares e civis (médicos, padres e funcionários), ao chegarem ao nosso país, ao serem confrontados com uma realidade humana, social e até natural muito diferente da sua, acabaram ou por lhe dar uma atenção específica ou por mostrar elevados sentimentos humanos. Ou descrevem o país destroçado pela guerra e o sofrimento dos seus habitantes, ou descrevem a beleza das paisagens, os tipos sociais e cenas de quotidiano, ou demonstram um humanismo raro em tempos de guerra.
Das muitas obras publicadas e que revelam estes aspectos, apresentarei, nos três artigos seguintes, outros tantos textos. O primeiro texto é de Moyle Sherer, um militar que demonstra não só um encanto, quase um êxtase, perante tudo o que vê, desde as cidades às cenas mais triviais – que procura entender como expressões próprias de um povo diferente – como condena as atitudes de sobranceria dos seus compatriotas.

O segundo texto, de autor que não consegui identificar, revela um comportamento de elevado sentido humano por parte de dois militares ingleses. No texto de Moyle Sherer, um texto de paz, a guerra está longe embora paire como ameaça; mas no segundo ela está muito próxima: as populações estão em fuga perante o avanço francês. O terceiro texto, de Simon Frazer, é típico do militar em viagem que, com objectividade surpre-endente, vai descrevendo o ambiente humano carregado das consequências destrutivas da 3ª invasão.
Por último, uma nota para dizer que também militares franceses houve que praticaram actos de elevado sentido humano, em contradição com a violência geral dos restantes. Refiro, por exemplo, um caso contado por Guingret durante a 3ª invasão. Próximo de Leiria, um «bravo soldado» apresentou-lhe uma jovem e sua mãe, de uma família «conhecida e respeitada em Portugal», que tinha conseguido arrancar das mãos de soldados que se preparavam para as atacar, sobretudo a filha, da pior maneira. Guingret – que condenava o modo como os soldados atacavam de forma vil as mulheres – rodeou-as de todos os cuidados e fê-las conduzir para longe pelo digno soldado que as salvou da ignomínia. Meses depois, já em Espanha, um homem disfarçado de camponês espanhol conseguiu entregar a Guingret uma carta. Era da senhora portuguesa, que afectuosamente lhe agradecia a protecção dada. E, juntamente com carta, um presente em ouro para o soldado que tinha salvo a honra da filha – presente que Guingret devolveu porque o soldado tinha entretanto morrido em combate...
Enfim, gestos e atitudes de paz em tempos de guerra...


Cerco de Ciudad Rodrigo

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CENAS DE GUERRA

O VENTURINHO DO POÇO
José NR Ermitão


Assim mesmo, em português, é intitulada uma pequena história contida na colec-tânea «Peninsular Sketches by actors on the scene», editada por W. H. Maxwell em 1845, que reúne um conjunto de histórias reais de militares que participaram na Guerra Peninsular. Esta história, sem indicação do autor, exemplifica bem os traços de humanidade de um militar inglês que, em situação de fuga dos povos perante a ameaça dos franceses, não só salva uma criança portuguesa de um sofrimento e morte atrozes como, por não saber dos pais, se afeiçoa a ela e lhe possibilita – através do major do regimento – uma vida social que provavelmente nunca teria no país.
Em cenário devastado pela guerra, a presença de uma papoila a gritar pela vida! Relativamente ao original, a tradução é livre e um tanto abreviada.

“Na manhã de 10 de Outubro (de 1810), cavalgando de Calhandriz para Alverca, ouvi a alguma distância o gemido queixoso de uma criança. Parei para ouvir; o som parecia vir da terra. Procurando, abeirei-me de um poço em cujo fundo estava a criança, completamente nua, sentada sobre uma camada de lama. Por sorte, o poço estava sem água. Ao ver-me, levantou as mãozitas para mim e gritou “Mãe! mãe! Minha mãe!” Usando os arreios, puxei-a para cima. Era um rapazito, estava completamente enlameado e tinha sangrado do nariz. De resto estava bem, salvo uma ferida na testa. Já caminhava mas mal falava, de modo que nada me pôde dizer sobre os pais nem como tinha ido parar dentro do poço. Embrulhado numa capa, pu-lo na sela e assim fomos até Alverca, onde o entreguei à mulher de um sargento do aquartelamento, que o vestiu e tratou dele.

Tratei de publicitar o caso em Lisboa e noutras cidades, descrevendo a criança e as circunstâncias em que a tinha encontrado, mas ninguém a reclamou. Entretanto o ra- paz ia crescendo e em breve se familiarizou connosco. Em poucas semanas aprendeu muitas palavras inglesas e já sabia pedir pão e manteiga. Se eu mencionasse a história do poço na sua presença empalidecia e quase desmaiava de terror. Enfim, era um bonito rapaz, de cabelo castanho escuro encaracolado, tez oli-vácia e olhos brilhantes. Com o passar do tempo não só fui perdendo a esperança de encontrar os pais, como se ia fortalecendo o meu interesse pelo seu bem estar; e como ele não dava conta do seu nome, os portugueses que comigo andavam deram-lhe o nome de “Venturinho do Poço”, e os in-gleses de “Little Fortunatus of the Well” (Pequeno Afortunado do Poço).

A incrível circunstância em que o encontrei em breve se tornou conhecida no re-gimento a que eu pertencia e chamou a atenção do respectivo major. Um dia, em que conversávamos sobre diversos assuntos, ele orientou a conversa para a questão do rapazito e perguntou-me, com seriedade, o que é eu pensava fazer no caso de nem os seus pais ou parentes serem encontrados. Eu disse-lhe que, de facto, ainda não tinha tomado nenhuma resolução; mas que, não havendo alternativa, o levaria para Inglaterra, como comemoração da minha campanha militar na Península, e o criaria com a meia dúzia de filhos que já tinha. É então que o major se oferece para se res-ponsabilizar pela criança e até adoptá-la. O major era pessoa educada, rica e não tinha filhos; e como tal oferta prometia um futuro favorável ao rapaz, não hesitei em passar-lhe os direitos paternais sobre o pequeno Ventura.

O major enviou a criança para a Irlanda para lá ser educada, e por este motivo nada soube dela durante cinco ou seis anos. Entretanto o rapaz frequentou a escola e desenvolveu capacidades que parece terem fixado definitivamente a ligação do major pa-ra com ele. Depois, nunca mais tive contacto com o major ou com o Ventura que, entretanto, já se deve ter tornado adulto; e é mais que provável que tenha alcançado uma posição social muito mais elevada do que os seus pais alguma vez lhe poderiam proporcionar. Mau grado os desastres que se abateram sobre o seu país, bem pode agradecer aos Céus a mão da Divina Providência que o tocou” – pela mão de militares ingleses atentos à vida, tanto quanto às suas funções bélicas!

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SUGESTÕES DE LEITURA



AS LINHAS DE TORRES VEDRAS - INVASÃO E RESISTÊNCIA – 1810/1811. - Edição Câmara Municipal de Torres Vedras e Ed. Colibri, Lisboa, 2010.


Da autoria de Cristina Clímaco, uma torriense a trabalhar em França como professora universitária, esta obra é a sua tese de Licenciatura apresentada na Universidade de Paris VII. A autora esclarece na Introdução:

«Propomo-nos desenvolver três ideias que nos parecem fundamentais para uma nova abordagem da problemática: os construtores das Linhas, ou seja, esses homens e mulheres que, de boa ou má vontade, foram obrigados a colaborar na construção das fortificações; a frustração do exército francês perante a barreira intransponível que constituiu as Linhas; e finalmente os danos que o plano de defesa de Portugal, materializado nas Linhas, infligiram no país. Os aspectos técnicos da construção e da estratégia de defesa serão tanto quanto possível dei¬xados de lado ou limitados ao estrito necessário para a compreensão do princí¬pio defensivo sobre o qual assentam as Linhas de Torres Vedras.»

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A ASSOCIAÇÃO DO PATRIMÓNIO E O BICENTENÁRIO


Em Janeiro de 2008 iniciámos na imprensa regional a publicação de um conjunto de textos evocativos da Guerra Peninsular / Invasões Francesas. Foi uma das formas de participação da Associação de Defesa do Património de Torres Vedras no Bicentenário das comemorações destes acontecimentos históricos. Damos hoje por concluída esta iniciativa, com um balanço que nos parece positivo: 61 textos na rubrica “Bicentenário das Invasões Francesas” ( jornal Badaladas); 24 textos na rubrica “Imagens da Guerra Peninsular” ( jornal FrenteOeste); 4 Suplementos de 4 páginas a cores no jornal Badaladas. Total de colaboradores: 17. Total de textos: 96.

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Ficha Técnica:

Coordenação: Joaquim Moedas Duarte
Textos: Cor. Manuel Gouveia Mourão, José Ermitão, Luís Filipe Rodrigues
Imagem e paginação: josé Pedro Sobreiro
Execução gráfica: Carlos António Ferreira

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