20/11/11

OS POSTOS NO EXÉRCITO PORTUGUÊS DURANTE A GUERRA PENINSULAR

Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão,
Coronel de Infantaria na Reserva

Cada homem presente no Exército tinha (e tem) um posto, desde Soldado a General. Os postos correspondem a um lugar na hierarquia militar, isto é, têm correspondência com as diferentes funções desempenhadas por cada um numa organização com escalões bem definidos: esquadra, secção, pelotão, companhia, batalhão, regimento, brigada, divisão, corpo de exército, exército. O comando de cada um destes escalões é atribuído a diferentes postos. Isto não significa que um militar com um determinado posto não possa desempenhar funções do posto superior. Esta era uma situação frequente. O contrário já não é válido, assim como não era naquela época. Beresford chamou a atenção numa das suas ordens do dia para alguns oficiais que indevidamente se mantinham no mesmo cargo após a promoção. Portanto, fica desde já claro que, por exemplo, nem sempre o comandante de uma Brigada tem o posto adequado a essa função.

Os postos são agrupados em classes. Vamos utilizar uma terminologia moderna para compreendermos melhor cada um destes conjuntos. Dos postos mais baixos para os mais altos, na sua forma mais simples, encontramos vários conjuntos (classes): Praças, Sargentos e Oficiais. Na época das Guerras Napoleónicas, os Sargentos estavam englobados na classe dos Praças. Tínhamos, assim, Praças e Oficiais. Charles Oman (que eu aqui refiro por ser o autor de uma das obras fundamentais sobre a Guerra Peninsular – A History of the Peninsular War) refere frequentemente (em Língua Inglesa) officers and men.

AS PRAÇAS

Não é fácil de encontrar textos sobre os postos mais baixos mas, em termos gerais, podemos dizer que os postos tinham correspondência com os atuais. Se encontramos frequentemente designações que nos são estranhas, isso deve-se ao facto de ser costume designar muitas praças pela função que desempenhavam ou, por outras palavras, pela sua especialidade. Por exemplo, na Ordem do Dia de 20 de fevereiro de 1810, de Beresford, foi publicado o Plano de Organização de um Batalhão de Caçadores composto de um Estado-maior, e seis Companhias. De acordo com este plano, existia em cada Batalhão, no Estado-maior (isto significa unicamente que não estavam integrados nas Companhias) um Coronheiro, um Espingardeiro, oito Músicos e um Corneta Mor. Não se define qual o posto destes elementos mas indica-se a sua função. Em cada Companhia existiam seis Cabos de Esquadra, seis Anspeçadas, dois Cornetas e oitenta e oito Soldados. A expressão Anspeçada significava (e significa ainda em alguns exércitos) um posto militar que se situava entre o Soldado e o Cabo de Esquadra (no final do século XIX, os postos de Cabo de Esquadra e de Anspeçada foram substituídos pelos postos de Primeiro-Cabo e Segundo-Cabo).

Outros exemplos em que não são indicados os postos: as Companhias de Bombeiros dos regimentos de Artilharia (Ordem do Dia de 24 de outubro de 1809, de Beresford) dispunham de seis Artífices de Fogo; o Regimento de Cavalaria (Ordem do Dia de 23 de novembro de 1809, de Beresford) dispunha de um Picador e um Seleiro e cada Companhia tinha um Ferrador.

Para além de algumas funções que encontramos acima referidas temos como postos bem definidos daquela época, nas praças, não incluindo os Sargentos:
  • Cabo; 
  • Anspeçada; 
  • Soldado. 
Como já dissemos, naquela época os Sargentos estavam integrados no conjunto das Praças. Neste grupo que hoje se encontra individualizado encontrávamos os Furriéis, os Segundo Sargentos e os Primeiros-sargentos. O Furriel, enquanto posto, corresponde à categoria mais baixa da classe (atual) dos Sargentos, imediatamente acima de Cabo. No tempo da Guerra Peninsular, o Furriel era o responsável (grosso modo) pelo alojamento das tropas em cada Companhia. O Segundo-Sargento era normalmente o comandante de uma Secção. O Primeiro-Sargento era o responsável pela administração da Companhia.

Um caso que frequentemente causa alguma confusão é o posto de Sargento-Mor. Hoje é o posto mais elevado da classe de Sargentos mas, há duzentos anos, tratava-se de um Oficial Superior que, em termos atuais corresponde ao Major.

Tínhamos então três postos no que chamamos hoje a classe dos Sargentos:
  • Primeiro-sargento 
  • Segundo-Sargento 
  • Furriel 
OFICIAIS SUBALTERNOS, CAPITÃES E OFICIAIS SUPERIORES

O corpo de Oficiais estava dividido em quatro grupos: Oficiais Subalternos, Capitães, Oficiais Superiores e Oficiais Generais. Esta divisão não terá sido sempre a forma oficial de agrupar os diferentes postos mas é a que se utiliza hoje e ajuda-nos a compreender melhor esta parte da hierarquia militar. Os mapas publicados nas Ordens do Dia de Beresford são bons para se ficar com uma ideia dos postos naquela época mas, à semelhança do que já vimos para outros casos, aparecem pelo meio designações de funções.

Os oficiais subalternos eram os Alferes e os Tenentes. O Alferes, o primeiro posto dos Oficiais Subalternos, é o comandante do Pelotão (Para recordar: o Batalhão está dividido em Companhias e estas dividem-se em Pelotões). O Tenente, que também pode comandar pelotões, é normalmente o adjunto do Comandante da Companhia.

Por vezes encontramos a designação de Segundo-tenente e Primeiro-tenente. Ainda hoje se utilizam essas designações na Armada (Marinha de Guerra) sendo o Primeiro-tenente o posto equivalente ao Capitão no Exército. Ainda na Armada, o posto equivalente a Alferes designa-se Guarda-Marinha ou Subtenente. No Exército, em 1809, as Companhias de Bombeiros dos Regimentos de Artilharia (Companhias que mais tarde passariam para o Corpo de Engenheiros) tinham quatro oficiais: um Capitão, um 1º Tenente e dois 2º Tenentes (Ordem do Dia de 24 de outubro de 1809, de Beresford), equivalendo nesta organização o 1º Tenente a Tenente e o 2º Tenente a Alferes. O Tenente-general é um posto dos Oficiais Generais.

O Capitão é o Comandante de Companhia, seja ela de Infantaria, Artilharia ou Cavalaria. Mas surgem, por vezes dois tipos de confusão: designações de capitão com significado diferente noutras épocas ou na Armada. No primeiro caso temos o Capitão-general que correspondia a um alto comando militar, ou o Capitão de Campo, o Capitão Cerra-fila ou o Capitão dos Ginetes, cargos que já tinham sido extintos há 200 anos. No segundo caso – Armada - temos o Capitão-tenente que equivale, no Exército, ao posto de Major, o Capitão-de-Fragata que equivale ao posto de Tenente-coronel e o Capitão-de-Mar-e-Guerra que equivale ao posto de Coronel.

Para além dos exemplos acima apresentados, existia também na época que estamos a tratar o cargo de Capitão-Mor das Ordenanças, responsável pelo comando deste tipo de tropas em cada concelho, cidade ou vila. Trata-se de um cargo fora do chamado Exército de Linha mas não fora da hierarquia militar. Tanto as Brigadas de Ordenanças como os Regimentos de Milícias estavam sujeitos à mesma hierarquia do Exército de Linha.

Os Oficiais Superiores eram o Major, o Tenente-coronel e o Coronel. O Major era, no Batalhão, o Chefe do Estado-Maior e segundo Comandante. Também existia um Major no Estado-Maior dos Regimentos de Cavalaria e Artilharia. Como referimos para outros postos, há situações de confusão e destas vamos ver apenas as duas mais frequentes: uma, já referida, respeita ao Sargento-Mor que pertence a épocas anteriores mas não deixa de ser ainda referido nesta época; outra refere-se ao posto de Major-general, que pertence à categoria dos Oficiais Generais como veremos adiante.

O Tenente-coronel era o Comandante de Batalhão ou o Segundo Comandante e Chefe do Estado-Maior dos Regimentos de Infantaria, Artilharia ou Cavalaria. O Coronel era o Comandante do Regimento ou o Segundo Comandante e Chefe de Estado-Maior da Brigada.

Em resumo, os postos dos Oficiais, excluindo os Oficiais Generais, eram:
  • Coronel 
  • Tenente-coronel 
  • Major 
  • Capitão 
  • Tenente 
  • Alferes 

OFICIAIS GENERAIS

Este grupo de postos representa os mais elevados escalões da hierarquia militar. Como estes postos são muitas vezes designados de forma abreviada por General, gera-se alguma confusão. Os postos dos Oficiais Generais são os que encontramos com maior frequência na literatura sobre a Guerra Peninsular. Era neste grupo de oficiais que tinha origem a maior parte das decisões que marcaram o rumo dos acontecimentos. Vejamos cada um dos postos existentes há 200 anos. 

O posto de Brigadeiro foi criado em 1798, por D. João V. O Brigadeiro era o comandante da Brigada de Infantaria ou de Cavalaria. Não estava previsto nenhum Brigadeiro comandar qualquer unidade de Artilharia. Recorde-se que as chamadas Brigadas de Artilharia eram unidades de constituição variável que, numa correspondência de escalões, ficariam quando muito ao nível do Batalhão. No entanto, existiam cargos relativos à Artilharia que podiam ser desempenhados por um Brigadeiro. Na Ordem do Dia de Beresford de 21 de março de 1809 (a sua primeira Ordem do Dia em Portugal), era nomeado «Comandante da Artilharia o Sr. Brigadeiro José António da Rosa». Tratava-se, de acordo com os conceitos da época, de um posto entre os Oficiais Superiores e os Oficiais Generais.

Marechal de Campo foi um posto que tinha surgido em 1762 com as reformas do Conde de Lippe em substituição do Sargento-Mor da Batalha. Era o primeiro posto dos Oficiais Generais. Tal como os Brigadeiros comandavam Brigadas ou desempenhavam outras funções adequadas ao ser posto. O segundo Comandante de uma Divisão era, por norma um Marechal de Campo. Voltando aos exemplos das Ordens do Dia de Beresford, na O.D. de 10 de Maio de 1809, é estabelecido que o [...] Exército em Campanha, debaixo das Ordens imediatas do Marechal, será dividido em Brigadas, e será colocado na ordem seguinte da direita para a esquerda.

  • Marechal de Campo Manoel Pinto Bacelar – 1 Batalhão do Regimento de Linha N. 9 e 2 Batalhões do Regimento de Linha N. 11. 
  • Brigadeiro Mosinho - [ ... ] 
  • Brigadeiro Silveira - [ ... ] 
  • Marechal de Campo José Lopes de Sousa -  […]

No Exército Britânico existia o posto de Major-General, ao qual correspondia o de Brigadeiro e a designação de Major-General só foi introduzida no Exército Português em 1863 aglutinando os anteriores postos de Brigadeiro e Marechal de Campo.

O posto de General, sem que esta palavra esteja associada a qualquer outra, só aparece em 1911, com o decreto de 26 de Maio. Há 200 anos, existiam vários postos e cargos que incluíam a palavra General.

O General de Artilharia foi um posto instituído na reforma do Conde de Lippe (1762) para designar o Diretor-geral da Artilharia. De forma idêntica existia o General de Cavalaria e o General de Infantaria.

O General de Brigada e o General de Divisão eram postos que, na época das Invasões, existiam no Exército Francês. Estas expressões foram criadas em Portugal com a organização militar de 1864. Em Portugal existia o posto de Tenente-General, com origem na reorganização do Conde de Lippe, em substituição do Mestre de Campo General. O Tenente-General era o Comandante da Divisão ou escalão superior.

O cargo de Marechal é antigo. Em Portugal apareceu no reinado de D. Fernando, por influência inglesa. O Marechal do Exército, posto criado em 1762, era atribuído aos que tinham funções de Governador das Armas (cargo de carácter mais político-militar). Beresford, Tenente-General do Exército Britânico, foi nomeado Marechal do Exército, em 7 de Março de 1809, quando assumiu o cargo de Comandante-Chefe do Exército Português. Depois da Guerra peninsular, em 1815, foi promovido a Marechal-General. Este último posto, que existia também desde 1762, estava reservado ao Comandante-Chefe dos Exércitos, tal como o foi o Conde de Lippe ou Wellington e, mais tarde, Beresford.

Em resumo, estabelecendo uma hierarquia dos Oficiais Generais (incluindo Brigadeiros) temos:
  • Marechal-General; 
  • Marechal do Exército; 
  • Tenente-General; 
  • Marechal de Campo; 
  • Brigadeiro.
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BIBLIOGRAFIA

COSTA, Cor. António José Pereira da Costa, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 2, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2005

SOARES, Cor. Alberto Ribeiro, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 1, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2003.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os sargentos não eram denominados nesta época de oficiais inferiores?