Manuel Francisco Veiga Gouveia Mourão,
Coronel de Infantaria na Reserva
O Exército de Wellington estava organizado em Divisões. Quase todas as suas Divisões de Infantaria integravam um Brigada de Infantaria portuguesa. Os Esquadrões de Cavalaria não foram integrados da mesma forma. As Baterias de Artilharia portuguesas desempenharam um papel importante em numerosos confrontos.
Este pequeno texto foi escrito unicamente com a finalidade de realçar uma série de expressões que dizem respeito à organização militar e cujo significado é, com frequência, desconhecido para os que se interessam pelos acontecimentos referentes às Invasões Francesas de Portugal. Assim, é minha intenção publicar um ou mais textos que expliquem os conceitos essenciais sobre a organização militar durante a Guerra Peninsular. Os conceitos serão sempre apresentados de uma forma genérica e serão depois feitas as referências necessárias aos exércitos interveniente, especialmente de Portugal, Reino Unido e França.
O texto inicial fala de Infantaria, Cavalaria e Artilharia, as três Armas em que então se dividiam as forças combatentes. A Infantaria e a Cavalaria eram (e são) os elementos de manobra. Caracterizavam-se por combinar o fogo (dos mosquetes da Infantaria, das carabinas da Cavalaria) ou o choque (da Cavalaria armada com sabre ou da Infantaria que utilizava o mosquete com baioneta) com o movimento que lhes permite aproximarem-se do inimigo e/ou obter uma posição mais vantajosa. A Artilharia era o elemento de apoio de fogos. Apoiava os elementos de manobra visava neutralizar ou destruir, através das suas bocas-de-fogo, as forças inimigas. Para uma melhor compreensão do significado destas expressões - choque, fogo, movimento - podemos consultar o artigo da Wikipédia «Os Elementos Essenciais do Combate».
Estes elementos, que estavam presentes no campo de batalha, eram apoiados por um conjunto de serviços essenciais para o cumprimento da missão e para a sobrevivência das tropas. No entanto, ao contrário do que sucede nos nossos dias, não existiam unidades de comunicações, de engenharia, de apoio logístico, do serviço de saúde, etc. Estes serviços eram prestados muitas vezes por elementos civis que, de alguma forma, estavam sujeitos à hierarquia militar. A Engenharia, por exemplo, era constituída por um corpo de oficiais e utilizava as praças da Infantaria e, especialmente, da Artilharia. Vamos, portanto, concentrar a nossa atenção nos elementos de manobra e de apoio de fogos.
A INFANTARIA
Tipos de Infantaria
Em primeiro lugar é preciso definir Infantaria na época napoleónica. Tratava-se da força militar que combatia apeada, armada de mosquete (em alguns casos de rifles - espingardas de cano estriado) e baioneta. Dividia-se em dois grupos: Infantaria de Linha (ou pesada) e Infantaria Ligeira.
A infantaria de linha era o tipo de infantaria constituída pela maior parte dos efectivos dos exércitos europeus. Este nome passou a ser utilizado desde que as condições tácticas obrigaram as unidades de infantaria no campo de batalha a disporem os seus efectivos em linha (com três ou duas fileiras de profundidade). Desta forma tiravam o máximo rendimento do fogo dos seus mosquetes.
Soldado do Batalhão de Caçadores n.º 6 do Exército Português, em 1811. inhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Ca%C3%A7ador_(militar) |
A infantaria ligeira era, na realidade muito semelhante à infantaria de linha. Destinava-se a actuar como corpo de tropas destacadas, à frente do corpo principal da força que era formado por tropas de infantaria de linha, com vários objectivos: obter informações sobre as formações inimigas, flagelar as forças inimigas antes de estas entrarem em contacto com o corpo principal de tropas, dificultar ou impedir a observação e o fogo da infantaria inimiga sobre as tropas de linha (dispostas em linha) à retaguarda. Poderiam ter outras missões e também actuavam muitas vezes como tropas de linha, exactamente da mesma forma que as tropas de infantaria de linha actuavam, quando necessário, como infantaria ligeira.
No Exército do Reino Unido era utilizada a expressão Light Infantry para designar este tipo de infantaria. Os seus soldados, quando em acções próprias deste tipo de forças, eram designados skirmishers. A expressão skirmish, em Língua Inglesa, significa escaramuça, o que traduz a natureza da acção destes combatentes. Alguns batalhões de infantaria do Reino Unido, aparecem com a designação Rifle (por exemplo, o 5/60th Rifle - 5º batalhão do 60º Regimento de Infantaria) o que significa que estavam armados com uma espingarda com cano estriado (o cano do mosquete, a espingarda normal da época, não tinha estrias, era de alma lisa).
No Exército Francês existia uma Infanterie légère complexa, sujeita a sucessivas alterações na sua organização. Aparecem com as expressões Chasseurs à pied, Tirailleurs e Voltigeurs. Na prática, não eram muito diferentes da Infanterie de Ligne. Estas tropas de infantaria ligeira eram designadas em Portugal por Caçadores. Existiram, durante a Guerra Peninsular, doze Batalhões de Caçadores. A Espanha dispunha de algumas unidades de Infantería ligera e era normalmente designados por Cazadores. A sua atuação, nos casos francês, espanhol e português, era idêntica ao que foi mencionado para o Reino Unido.
Os Granadeiros eram uma infantaria de élite. Os seus soldados eram escolhidos entre os mais altos, robustos e corajosos. Tinham o mesmo equipamento que os soldados de infantaria de linha. Com origem em França, estas unidades foram imitadas por toda a Europa.
Detalhe do mosquete conhecido como "Brown Bess" pelos exércitos britânico e português durante a Guerra Peninsular in http://www.icollector.com/Henshaw-Marked-Brown-Bess-Flintlock-Musket_i9752051 |
Unidades de Infantaria
A unidade base de combate da infantaria era o Batalhão. O seu efectivo variou com as reformas militares e com os exércitos e variava entre os 500 e os 1.500 homens distribuídos por um número variável de Companhias. Cada companhia era formada por vários Pelotões.
Em Portugal, de acordo com a reforma de 1806 que se manteve quando Beresford foi nomeado comandante do Exército Português em 1809, um batalhão completo tinha (teoricamente) à volta de 1.500 homens. Estes homens estavam distribuídos por dez companhias das quais oito eram companhias de infantaria de linha, uma era de infantaria ligeira e a outra de granadeiros.
De onde vinham estes batalhões? Dos Regimentos. Estes são unidades de que ouvimos falar com alguma frequência. Por exemplo, ouvíamos falar do Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha, hoje Escola de Sargentos do Exército. Eram unidades com uma implantação territorial fixa e que se destinavam a produzir unidades operacionais. Pela organização de 1806, os regimentos eram designados por um número. O Regimento de Infantaria 7, designado de forma informal apenas por Infantaria 7, era o Regimento de Infantaria de Setúbal. O que fazia este regimento (ou os outros)? Produzia batalhões (Veremos, mais à frente, um exemplo). O regimento é uma unidade territorial que está fixa num determinado local. No caso acima apontado, o regimento encontrava-se no seu quartel em Setúbal, com o seu comando, estado-maior e serviços. Os seus batalhões, desde que já tivessem terminado o período de instrução, poderiam ter sido enviados para o local onde atuava a unidade de escalão superior em que era integrado. Normalmente, cada regimento de infantaria fornecia dois batalhões.
Em Portugal, de acordo com a organização de 1806, retomada por Beresford, existiam vinte e quatro Regimentos de Infantaria assim distribuídos:
- Regimento de Infantaria nº 1 – Lisboa
- Regimento de Infantaria nº 2 – Lagos
- Regimento de Infantaria nº 3 – Estremoz
- Regimento de Infantaria nº 4 – Lisboa
- Regimento de Infantaria nº 5 – Elvas
- Regimento de Infantaria nº 6 – Porto
- Regimento de Infantaria nº 7 – Setúbal
- Regimento de Infantaria nº 8 – Castelo de Vide
- Regimento de Infantaria nº 9 – Viana
- Regimento de Infantaria nº 10 – Lisboa
- Regimento de Infantaria nº 11 – Viseu
- Regimento de Infantaria nº 12 – Chaves
- Regimento de Infantaria nº 13 – Peniche
- Regimento de Infantaria nº 14 – Tavira
- Regimento de Infantaria nº 15 – Vila Viçosa
- Regimento de Infantaria nº 16 – Lisboa
- Regimento de Infantaria nº 17 – Elvas
- Regimento de Infantaria nº 18 – Porto
- Regimento de Infantaria nº 19 – Cascais
- Regimento de Infantaria nº 20 – Campo Maior
- Regimento de Infantaria nº 21 – Valença
- Regimento de Infantaria nº 22 – Elvas
- Regimento de Infantaria nº 23 – Almeida
- Regimento de Infantaria nº 24 - Bragança
No Exército Britânico a generalidade dos regimentos formaram dois batalhões. No entanto, existem casos de apenas um batalhão e outros com mais de dois batalhões. Os batalhões não seguiam todos para o mesmo teatro de operações. Por exemplo, o 1º Regimento de Infantaria de Linha britânico (1st Foot) formou quatro batalhões e só o 3º batalhão esteve na Península Ibérica. A Espanha tinha uma organização idêntica mas mais heterogénea. Os Franceses tinham regimentos que formavam dois a quatro batalhões. A diferença relativamente aos Britânicos era que estes poucas vezes juntavam os batalhões de um mesmo regimento enquanto os Franceses, por norma, os mantinham juntos.
Organização de um Batalhão de Infantaria |
A unidade táctica de escalão superior ao batalhão era a Brigada. Uma brigada de infantaria era formada por dois ou mais batalhões. No Exército Português, as brigadas eram, em regra, formadas por quatro batalhões, dois de cada regimento. Era assim que estava previsto no decreto de 19 de Maio de 1806. A algumas brigadas foi também atribuído um batalhão de caçadores. No entanto, conforme as necessidades das operações, uma brigada podia ser reforçada com mais batalhões de infantaria ou unidades de cavalaria ou artilharia ou, pelo contrário, poderia ceder batalhões para outra brigada.
As brigadas eram agrupadas em Divisões. Em Portugal, pela organização de 1806, existiam 24 regimentos de infantaria e cada um fornecia dois batalhões; os quatro batalhões pertencentes a dois regimentos formavam uma brigada e cada duas brigadas (oito batalhões), formavam uma divisão. Estava pois prevista a existência de três divisões. A infantaria portuguesa, em Outubro de 1810 tinha já organizado e colocado à disposição de Wellington, nove brigadas de infantaria, algumas formadas por quatro batalhões de infantaria de linha (2ª, 3ª, 4ª, 8ª e 9ª Brigadas), outras formadas igualmente por quatro batalhões de linha e um batalhão de caçadores (1ª, 5ª e 6ª Brigadas). A 7ª Brigada de Infantaria portuguesa era formada por dois batalhões do Regimento de Infantaria 8 e dois batalhões da Leal Legião Lusitana, os 1º e 2º, que foram em 1811 convertidos em batalhões de caçadores (Caçadores 7 e 8). Uma divisão podia ser reforçada com tropas de cavalaria e de artilharia, isto é, passava a dispor em si mesma de todos os elementos combatentes, de manobra e de apoio de fogos, quando actuava independente ou em situações especiais.
O que foi dito sobre as divisões do Exército Português é válido para os outros exércitos. Wellington tinha as suas divisões compostas, normalmente, por duas brigadas. À medida que as unidades portuguesas iam sendo reorganizadas e consideradas prontas para o combate, foi-as integrando nas suas divisões. Por exemplo, a 1 de Novembro de 1810, a 3ª Divisão de Infantaria britânica era formada por duas brigadas, cada uma com três batalhões de infantaria de linha, e com um efectivo de 1.681 e 1.655 homens. A estas duas brigadas juntou-se uma brigada portuguesa, a 8ª Brigada, formada por quatro batalhões de infantaria de linha, dois do Regimento de Infantaria 9 e dois do Regimento de Infantaria 21, com um total de 1.961 homens. Durante a Guerra Peninsular, encontramos no Exército Aliado unidades que integram forças britânicas e forças portuguesas.
Os Franceses apresentavam ainda um outro escalão: o Corpo de Exército. Um Corpo de Exército é uma grande unidade formada essencialmente por Divisões. Um Corpo de Exército, em regra, dispunha de duas ou mais Divisões de Infantaria, uma Brigada de Cavalaria e um determinado número de bocas de fogo de Artilharia. Por exemplo, o Exército de Portugal de Massena era formado por três Corpos de Exército (CE): o II CE sob o comando de Reynier, o VI CE sob o comando de Ney e o VIII CE sob o comando de Junot.
A CAVALARIA
Tipos de Cavalaria
À semelhança do que sucedia com a infantaria, também existiam diversos tipos de cavalaria. Existiam mais variantes que na infantaria e nem todos os autores as classificam da mesma forma. A cavalaria mais poderosa durante as Guerras Napoleónicas foi, sem dúvida, a cavalaria francesa. Esta era formada por tropas de cavalaria pesada (desta, os couraceiros são os mais conhecidos) destinados a executar os ataques à cavalaria ou à infantaria inimigas, cavalaria média (os dragões, originalmente infantaria montada) que desempenhavam todos os tipos de missões, como a cavalaria pesada, ou a cavalaria ligeira (chasseurs-a-cheval, lanceiros, hussardos) vocacionada para o reconhecimento e missões de protecção mas que, se necessário, à semelhança dos outros tipos de cavalaria, podia executar cargas sobre as formações inimigas.
A cavalaria britânica, assim como a cavalaria portuguesa, apresentava-se mais simples: dividia-se em ligeira (dragões ligeiros e hussardos) e pesada (dragões). As missões a atribuir eram idênticas à do exército francês. No que respeita à organização das unidades, existiam diferenças entre os diferentes exércitos mas também existiam princípios comuns e são esses que importa conhecer.
Carga dos hussardos da cavalaria napoleónica, na batalha de Friedland inhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Cavalaria |
Unidades de Cavalaria
A unidade base de combate da cavalaria era o Esquadrão. Se quisermos compara com a infantaria, o esquadrão equivalia, com uma dimensão diferente, ao batalhão de infantaria. Os esquadrões tinham origem nos regimentos. Em Portugal, com a reorganização de Beresford, cada regimento tinha um total de 595 oficiais e praças e estava organizado num estado-maior e quatro esquadrões com duas Companhias por esquadrão. Por norma, os esquadrões de um regimento actuavam juntos e, por isso, aparece frequentemente nos textos a designação do regimento. Por exemplo, Charles Oman (History of the Peninsular War, volume III) indica que a cavalaria portuguesa na fronteira da Beira em Setembro de 1811 eram os Regimentos de Cavalaria nº 1, 3, 4 e 7, sem fazer qualquer referência aos esquadrões. O número destes era variável e dependia em muito das montadas disponíveis. Com frequência, os regimentos encontravam-se a 50 %, normalmente por falta de montadas.
Em Portugal, depois de reorganizado o Exército, existiam doze unidades territoriais de Cavalaria:
- Regimento de Cavalaria nº 1 – Lisboa
- Regimento de Cavalaria nº 2 – Moura
- Regimento de Cavalaria nº 3 – Beja
- Regimento de Cavalaria nº 4 – Lisboa
- Regimento de Cavalaria nº 5 – Évora
- Regimento de Cavalaria nº 6 – Chaves
- Regimento de Cavalaria nº 7 – Lisboa
- Regimento de Cavalaria nº 8 – Elvas
- Regimento de Cavalaria nº 9 – Chaves
- Regimento de Cavalaria nº 10 – Santarém
- Regimento de Cavalaria nº 11 – Almeida
- Regimento de Cavalaria nº 12 - Bragança
Os regimentos de cavalaria agrupavam-se em Brigadas e as brigadas em Divisões. Por norma, devido à escassez de efectivos de cavalaria, os Britânicos não agrupavam as brigadas em divisões e, da mesma forma faziam os Portugueses. Já os Franceses, que possuíam uma cavalaria mais numerosa, utilizaram na Península Ibérica divisão de cavalaria. Foi o caso da Divisão de Dragões de Montbrun, do “Exército de Portugal”, formada pelos 3º, 6º, 8º, 10º, 11º, 15º e 25º Regimentos de Dragões.
No caso do exército anglo-luso, as brigadas de cavalaria actuavam, em regra, sob comando directo de Wellington (embora toda a cavalaria fosse comandada pelo General Stapleton Cotton. O mesmo sucedia, portanto, às unidades de cavalaria portuguesas que estavam integradas naquele exército. Houve uma situação em que uma brigada de cavalaria foi, por norma, atribuída a uma divisão: a Brigada de cavalaria ligeira de Alten (formada pelo 11º Regimento de Dragões Ligeiros e pelo 1º Regimento de Hussardos da King's German Legion) actuava juntamente com a Divisão Ligeira.
Organização de um Corpo de Exército |
Também no caso dos Franceses, não é normal encontrar uma unidade de cavalaria atribuída a uma divisão. Isso podia acontecer quando a divisão actuava isolada e necessitava de outros componentes como a cavalaria para os reconhecimentos e protecção e a artilharia para o apoio de fogos como foi o caso da Divisão de Infantaria de Girard que travou o combate de Arroyomolinos com a Divisão de Rowland Hill. A Divisão de Girard tinha sido reforçada com uma brigada provisória de cavalaria (uma brigada organizada apenas para aquela missão) e alguma artilharia.
Os exércitos franceses, por norma muito mais numerosos, estava organizados em corpos de exército como já vimos quando falámos da infantaria. O Exército de Portugal de Massena, para além dos três Corpos de Exército referidos, tinha a chamada Reserva de Cavalaria que consistia no conjunto das unidades de cavalaria não atribuídas aos Corpos de Exército. Neste caso tratava-se de toda a cavalaria que se encontrava sob comando do General Montbrun. Formavam uma unidade do tipo Divisão que além dos Regimentos de Cavalaria reunidos em Brigadas também tinha uma unidade de Artilharia a cavalo.
A ARTILHARIA
Napoleão era um oficial de Artilharia e herdou o melhor sistema de artilharia daquela época. O sistema Gribeauval, tinha dotado a França de uma artilharia mais leve, embora de maiores calibres, mais fácil de movimentar e que proporcionava maior poder de fogo. O sistema Gribeauval não era um segredo francês. Outros países tiveram a oportunidade de fabricar uma artilharia idêntica, mais ou menos numerosa. Tal como hoje, era uma questão de investimento.
Tipos de Artilharia
A Artilharia pode ser classificada de acordo com a sua utilização. Estamos aqui a referir unicamente a Artilharia do Exército e deixamos de parte a Artilharia Naval quer a (mais recente) Artilharia de Costa. Os exércitos utilizam a Artilharia de três formas distintas:
- No campo de batalha, para apoiar pelo fogo as forças de manobra (Infantaria e Cavalaria) – Artilharia de Campanha; trata-se de um tipo de Artilharia que deve ter a possibilidade de acompanhar o movimento das forças de manobra que apoia; com calibre até 12 libras;
- Nas fortificações para defesa destes sistemas de protecção colectiva – Artilharia de Posição. Não tem de ser deslocada no campo de batalha e é mais pesada, de maior calibre e com maior alcance que a Artilharia de Campanha;
- Para as operações de cerco, quando era preciso abrir brechas nas muralhas, utilizava-se uma artilharia pesada, de calibre elevado, que conseguisse causar danos na estrutura ou, preferencialmente derrubar partes da muralha a ser atacada; esta Artilharia era denominada Artilharia de Cerco ou Artilharia de Sítio; com calibre superior a 12 libras.
A Artilharia de Campanha, como referimos, tinha a missão de dar apoio de fogos às forças de manobra; apoiava o ataque fazendo fogo sobre as forças que iam ser atacadas, com a finalidade de criar pontos mais fracos no dispositivo inimigo; apoiava a defesa, batendo as forças atacantes por forma a quebrar o ímpeto, desorganizar e/ou enfraquecer o dispositivo. O transporte desta artilharia e das suas munições implicava um grande esforço tanto no movimento como na montagem ou desmontagem das bocas de fogo nas posições em que eram utilizadas. Quando a força a ser apoiada era muito móvel, isso constituía um problema.
A Cavalaria desloca-se mais rapidamente que a Infantaria. Para permitir o apoio que a Cavalaria necessitava, o Marechal de Campo Lennart Torstenson (1603 - 1651), do Exército do Rei Gustavo Adolfo da Suécia (1594 – 1632), durante a Guerra dos Trinta Anos, organizou a sua Artilharia ligeira em unidades em que todos os elementos das guarnições das armas se deslocavam a cavalo. As bocas de fogo e os carros com as munições e equipamentos eram puxadas por parelhas de cavalos. Foi assim criada a Artilharia a Cavalo destinada a apoiar as unidades de cavalaria.
Tipos de bocas de fogo
Uma arma de fogo pode ser concebida para disparar um projéctil numa trajectória tensa (tiro directo) com o objectivo à vista ou numa trajectória curva, que permite bater um objectivo que não se vê da posição da arma por ter um obstáculo (elevação de terreno, área urbanizada, muralhas) entre os dois. No primeiro caso, na Artilharia, temos as peças e, no segundo, os obuses e os morteiros. A Artilharia portuguesa dispunha de uma grande variedade de materiais, de ferro (as bocas de fogo mais antigas) e de bronze.
Unidades de Artilharia
Tal como a Infantaria e a Cavalaria, a Artilharia tinha os seus Regimentos. Em Portugal, tal como para as outras Armas, cada Regimento era conhecido por um número e existiam quatro Regimentos de acordo com a organização de 1806, que se manteve com Beresford:
- Regimento de Artilharia nº 1 – Lisboa (S. Julião);
- Regimento de Artilharia nº 2 – Faro;
- Regimento de Artilharia nº 3 – Estremoz;
- Regimento de Artilharia nº 4 – Porto.
Cada Regimento tinha um estado-maior, uma Companhia de Bombeiros, uma de Mineiros, uma de Pontoneiros e sete de Artilheiros, num total de 1.200 praças. Esta organização pode parecer estranha mas, naquela época, a expressão Artilharia compreendia bocas de fogo, petardos, minas, bombas, pólvora e toda a espécie de engenhos explosivos. A partir de 1812, as Companhias de Mineiros e de Pontoneiros foram retiradas dos Regimentos de Artilharia e passaram a fazer parte do Corpo de Engenheiros.
Por influência britânica, as Companhias de Artilharia, quando destacadas para operações, passaram a designar-se Brigadas de Artilharia. Por norma, cada brigada de artilharia apoiava uma Divisão de Infantaria. Estas unidades tinham uma composição variável entre 6 e 12 bocas de fogo que incluíam, em regra, 2 obuses e 10 peças. Em meados de 1810, Portugal dispunha de 11 Brigadas de Artilharia: duas de calibre 9, cinco de calibre 6, três de calibre 3 e uma de montanha (bocas de fogo especialmente concebidas para serem desmontadas e transportadas em cargas separadas; normalmente de 3 libras).
O termo Bateria (hoje equivalente a uma Companhia) só seria adoptado para designar uma unidade de Artilharia na segunda metade do século XIX. Durante a Guerra Peninsular, este termo estava associado à posição das bocas de fogo.
ORGANIZAÇÃO GERAL DO EXÉRCITO
O levantamento de todas estas unidades territoriais (Regimentos de Infantaria, Cavalaria e Artilharia) tinha em vista a formação de uma estrutura de campanha, isto é, cada Regimento iria fornecer as unidades (Batalhões; Esquadrões; Brigadas de Artilharia) destinadas a formarem o Exército de Campanha que, de acordo com o Alvará de 19 de Maio de 1806, era «formado em três Divisões, com as denominações seguintes: Divisão do Sul, Divisão do Centro, Divisão do Norte». Este era o Exército de Linha que o reino de Portugal apresentava.
Mas estabelecia ainda o mesmo Alvará que cada Divisão «será formada por oito Regimentos de Infantaria, divididos em quatro Brigadas, quatro Regimentos de Cavalaria e um de Artilharia, exceptuando a Divisão do Sul, que compreenderá dois regimentos dessa Arma.» Contrariamente ao que foi dito (porque falávamos de exércitos com uma dimensão superior), estas Divisões, que tinham áreas de actuação específicas e podiam actuar isoladas, necessitavam de incluir no seu conjunto ambos os elementos de manobra (infantaria e cavalaria) e de apoio de fogos (artilharia).
Esta estrutura deveria estar montada «mesmo em tempo de paz». Isto significava que, não havendo guerra, existia a estrutura de comando das Divisões e Brigadas e, sempre que necessário (para exercícios ou em caso de conflito armado), os regimentos acima indicados forneciam os Batalhões de Infantaria que iriam constituir as Brigadas, os Esquadrões de Cavalaria que o Comandante da respectiva Divisão atribuía a cada Brigada ou deixava sob seu comando directo e as Brigadas de Artilharia (Baterias) que apoiavam a respectiva Divisão. Vejamos um exemplo:
A Divisão Centro estava organizada em quatro Brigadas de Infantaria. Destas, a 1ª Brigada era formada pelos Regimentos de Infantaria nº 1 (Lisboa) e 13 (Peniche). Isto significava na prática que, quando a 1ª Brigada se reunia, dois Batalhões do Regimento de Infantaria nº 1 e dois Batalhões do Regimento de Infantaria nº 13, eram colocados sob o comando do Brigadeiro comandante daquela Brigada. Não era o Regimento (unidade territorial) que avançava mas sim os seus Batalhões operacionais. O mesmo acontecia nas unidades de Cavalaria e de Artilharia. Refere-se com frequência a presença do Regimento X ou Y no campo de batalha para indicar que estavam presentes todas as suas subunidades (Batalhões; Esquadrões; Brigadas de Artilharia) operacionais.
Além destas tropas existiam outras que aparecem frequentemente nos textos. É o caso dos Regimentos de Milícias (uma segunda linha do Exército), que forneciam 43 Batalhões de Milícias; do Corpo de Voluntários Reais de Milícias a Cavalo, especialmente dedicado à segurança de Lisboa; das 24 Brigadas de Ordenanças, divididas pelos sete Governos Militares, que constituíam um sistema de recrutamento para os 24 Regimentos de Infantaria de Linha; as unidades de tropas ligeiras, os Caçadores, primeiro distribuídos pelos Regimentos (uma Companhia por Regimento) depois organizados em Batalhões de Caçadores; a Leal Legião Lusitana que, em 1812, daria origem a dois Batalhões de Caçadores; o Batalhão Académico; os Voluntários Reais do Comércio (de Lisboa) e os Voluntários do Porto; as 16 Legiões formadas pela população de Lisboa. Por outras palavras, além da estrutura relativamente bem definida do Exército de Linha, existia uma outra estrutura, complexa, que por vezes era difícil de controlar, mas que punha em prática a ideia de «que todos os habitantes destes reinos se armassem pelo modo que a cada um fosse possível; e que todos os indivíduos, que se acharem compreendidos na idade de quinze até sessenta anos, se reunissem todos os domingos, e dias santos, e se exercitassem nos movimentos, e evoluções militares ...». Contra a França revolucionária foi necessário levantar a Nação em armas.
BIBLIOGRAFIA
AAVV, Armies of the Napoleonic Wars, Osprey Publishing, Great Britain, 2009.
AAVV, A Artilharia em Portugal, Estado Maior do Exército, 1982.
BORGES, João Vieira, «Artilharia e Artilheiros Portugueses na Guerra Peninsular», Revista de Artilharia, Ano CV, 2ª série, Números 1019 a 1021, Julho – Agosto – Setembro de 2010, Lisboa, pp. 259 a 284.
CENTENO, João Torres, O Exército Português na Guerra Peninsular, volume 1 – do Rossilhão ao fim da Segunda Invasão Francesa 1807-1810, Prefácio, Lisboa, 2008.
COSTA, Cor. António José Pereira da Costa, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 2, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2005.
OMAN, Charles Chadwick, A History of the Peninsular War, volumes 1 a 7, Grennhill Books, Londres, 2004.
SOARES, Cor. Alberto Ribeiro, Coord., Os Generais do Exército Português, volume 1, Biblioteca do Exército, Lisboa, 2003.
4 comentários:
Excelente trabalho. Cheguei cá através da Isabel Luna, que está sempre atenta ao que é bom.
Em nome da Associação do Património de Torres Vedras o nosso MUITO OBRIGADO. O elogio é devido, sobretudo, ao Sr. Coronel Manuel Mourão, a quem a Associação está muito grata.
Muito bom artigo. Parabéns ao seu autor.
Fiquei curioso ainda por saber como seriam as patentes militares na época e como funcionava a cadeia de comando.
Acredito que este tema talvez fosse matéria para mais um bom artigo..
Please pardon my inability to write in Portuguese. I’m looking for assistance in researching the Portuguese participation in development, building and Manning the Lines. Also, looking for first person accounts of daily life in the Lines during the invasion. I’d appreciate if you could email me.
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