28/09/10

200 ANOS DA BATALHA DO BUÇACO

Evocando os 200 anos daquele que foi o mais marcante confronto militar da 3ª invasão francesa, publicamos hoje um artigo do Tenente Coronel Abílio Lousada. Notável pela concisão e rigor. O autor é um especialista nesta área e aceitou submeter-se às limitações de espaço deste tipo de colaboração. Será publicado em breve no jornal BADALADAS, na sequência dos que temos vindo a publicar sobre a Guerra Peninsular.
 Aproveitamos para lhe agradecer mais uma vez a disponibilidade que sempre nos manifestou ao longo destes dois anos em que temos procurado divulgar o que foi a Guerra Peninsular.






BATALHA DO BUÇACO

Tenente-Coronel Abílio Pires Lousada[1]

Travada no contexto da invasão francesa comandada por Massena, a 27 de Setembro de 1810, a Batalha do Buçaco constitui-se como a última grande batalha de cariz internacional travada em Território Português e a que apresentou maior contingente militar. Decorridas duas centúrias, um observador atento que se posicione na serra não pode deixar de sentir o “cheiro a pólvora”, depreender as ordens de batalha dos exércitos, admirar a motivação dos comandantes e sensibilizar-se com a coragem do soldado anónimo empurrado para a cara do inimigo. A Batalha revelou-se determinante para recobrar o moral dos soldados aliados abalado com o “episódio” da queda de Almeida e quebrar o ímpeto da progressão francesa, cabendo ao «articulado» defensivo das Linhas de Torres Vedras completar, posteriormente, o desastre napoleónico em Portugal.
Massena abordou o sopé da serra com l’Armée du Portugal organizado em Corpos de Exército: II CE (General Reynier), que atacaria segundo a direcção Santo António de Cântaro; VI CE (Marechal Ney) que atacaria ao longo de Moura-moinho de Sula; VIII (General Junot), que constituía a reserva; Divisão de Cavalaria (Montburn). No total, este exército tinha à volta de 60 000 homens, 15 000 cavalos e 84 “bocas-de-fogo”.
Numa posição defensiva que tinha 20 km extensão (do Ninho d’Águia ao Mondego), uma altitude média de 400 metros e um terreno escarpado com ampla visibilidade, o General Arthur Wellesley dispôs as Divisões e Brigadas (efectivos britânicos e portugueses) na serra desdobradas em duas linhas (sentido NO-SE): 4ª Divisão (Cole) no Ninho d’Águia; 1ª Divisão (Spencer) instalou-se no alto da crista “fronteira” ao moinho de Moura (posto de comando de Massena), para barrar a aproximação de Ney; a 3ª Divisão (Picton) organizou-se em apoio mútuo no centro do dispositivo, entre a 1ª e a 5ª Divisão; a 5ª Divisão (Leith) posicionou-se entre a Portela de Santo António e Santo António de Cântaro a barrar o eixo utilizado por Reynier; à direita, no Alto da Chã, estava a 2ª Divisão (Hill); a Divisão Ligeira (Craufurd) posicionou-se à frente da 1ªDivisão; a 1ª Brigada Portuguesa (Pack) guarneceu a área do moinho de Sula; a reserva era constituída pela Legião Alemã e pelas 5ª e 6ª Brigadas Portuguesas; a tarefa de guarnecer os flancos da posição foi conferida à Cavalaria Britânica de Cotton (a NO) e à Leal Legião Lusitana e Cavalaria Portuguesa de Fane (a SE); as forças irregulares vigiavam os caminhos que irradiavam de Mortágua. O Exército Aliado compreendia à volta dos 50 000 efectivos (metade dos quais portugueses).
Sem reconhecer a posição, Massena mandou atacar ao romper da aurora e debaixo de nevoeiro, que dificultou a coordenação das unidades e impediu o fogo de preparação da artilharia. Para ele, os ataques do II e VI CE deviam ser simultâneos de modo a dividirem as forças aliados e obrigarem Wellesley a um empenhamento decisivo. Contudo, Ney só avançou duas horas depois de Reynier, atacando a posição defensiva quando as forças deste retiravam em desordem, sendo também derrotado. Separados por mais de 3 km, os CE combateram desligados, o que permitiu a Wellesley fazer deslocar contra o VI CE francês parte das forças que tinha no centro da posição após destroçar o II CE, batendo o inimigo por partes. A reserva de Junot (VIII CE) mal se mexeu e a Cavalaria de Montburn ficou impedida de manobrar no terreno acidentado que tinha à sua frente.
Olhando para o terreno e as forças em presença, só um comandante inteligente poderia vencer, daí a apreciação posterior de Napoleão: “Massena sempre foi cabeçudo, mas no Buçaco mostrou ser ignorante, atacando de frente uma tal posição sem a devida preparação de artilharia”. Massena só torneou a posição, pela estrada de Boialvo, depois da derrota no Buçaco, e Wellesley podia ter feito perseguição ao exército francês explorando o sucesso. Mas não o fez, mantendo o não envolvimento em combates decisivos, o desgaste continuado do invasor e a crença nas virtudes das Linhas de Torres.
Relativamente ao comportamento das unidades portuguesas presentes no Buçaco, aproveitamos o comentário de Wellesley enviado a Forjaz (Gazeta de Lisboa): “As operações que effectuei no dia 27 me offereceram uma opportunidade de mostrar ao inimigo a qualidade das tropas de que era composto o meu exercito, bem como a de conduzir pela primeira vez as tropas portuguesas. As tropas d’esta nação se tornaram dignas de combaterem nas mesmas fileiras das tropas britannicas pela tão interessante causa, á qual ellas offerecem as melhores esperanças de salvação”.

[1] Professor de História Militar do Instituto de Estudos Superiores Militares.







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