06/03/08

Texto 3 ( Jornal "BADALADAS", 29 / 02 / 2008)

NAPOLEÃO

José Travanca Rodrigues *

Um grande destino começa, um grande destino acaba (Corneille)

Chateaubriand nas suas “memórias”, reflectindo sobre a cena internacional de que foi testemunha activa, diz que no fim do século XVIII, “o mundo assiste a uma mudança profunda: o homem do século que expirava sai de cena; o homem do novo século a ela sobe; Washington, no fim da sua vida, cede o lugar a Napoleão”.
São dois “prodígios” que personificam a mudança.
Washington, pioneiro e cabeça da revolução que conduziu um novo país à emancipação política, momento inaugural em que um território colonial se erguia e se construía como entidade independente. O ano libertador de 1776 merece aqui ser recordado e o triunfo da revolução consolidada em 1783, quando os Estados Unidos da América obtêm o seu reconhecimento, a Constituição, que modela o novo estado, são os feitos maiores da carreira do prodígio norte-americano.





Do lado de cá, na Europa, a França na mudança de século assistia à irrupção de outro prodígio – Napoleão Bonaparte.
Quando começa o novo século, todas as ambições lhe são possíveis. Tem, ao virar dessa página do tempo, 31 anos. Nascera em 1769, na Córsega, meio italiano, meio francês. Carreira militar meteórica – general em 1793 – participou activamente nas vicissitudes da grande revolução iniciada na França em 1789. A carreira de Napoleão acompanhou os espasmos políticos que dilaceraram a França nesses anos. Sagaz e maleável, sabendo colher as oportunidades, passou praticamente incólume a tempestade da Convenção (chegou a ser preso por amigo dos jacobinos em 1794), soube adaptar-se em crescendo aos novos tempos, muito próprios afinal aos seus projectos. Dois anos bastaram para chegar à fama europeia: em 1796, consumadas as suas primeiras vitória militares em terras italianas, proclamava: “Povos de Itália! O exército francês vem quebrar as vossas grilhetas. O povo francês é o amigo de todos os povos. Para nunca mais os tiranos que vos têm subjugado!” .
São destas as tintas políticas de um génio da guerra que se cobre o manto “libertador” de Napoleão. Doravante, ele torna-se o pesadelo das velhas monarquias europeias. Pela Europa, muitos vêem-no como a personificação do Anti-Cristo. Naqueles reinos ainda absolutistas, socialmente de matriz feudal, Napoleão passa a ser visto como o portador temido da “desordem”, do “caos”, da “impiedade”, enfim.
Internamente, a carreira de Napoleão foi fulgurante: o caminho para consumar o poder despótico percorreu-o em meia dúzia de anos. Em 1802, desembaraçado de aliados menores, torna-se cônsul vitalício, para em 1804, se glorificar imperador dos Franceses, no cenário conciliador de Notre Dame de Paris, com a caução do Papa Pio VII, testemunha conveniente do quadro que David imortalizou em pintura.
Depois das turbulências do processo revolucionário, a figura de Napoleão emergia como a de um tipo novo de líder político. Incorporando certos conceitos e ideias liberais, atraía largas franjas da burguesia e boa parte até da aristocracia se lhe rendia. Muitas desconfianças se desvaneciam para quem via no imperador o instrumento da normalização e da afirmação da França no quadro europeu.

* Professor

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