01/01/09

Texto nº 23 ( Jornal "BADALADAS", 2 / 1 / 2009 )



MARROCOS E A 1ª INVASÃO FRANCESA



José NR Ermitão



Com o abandono, em 1769, da última cidade marroquina ocupada pelos portugueses – Mazagão – criaram-se as condições para o estabelecimento de boas relações políticas e comerciais com o reino de Marrocos. Em 1774 foi assinado um tratado de paz entre os dois reinos e desde esse momento até 1807 o bom relacionamento e amizade entre os dois países não deixou de se aprofundar. Inclusivamente, em 1780, parte do tesouro do sultão marroquino esteve à guarda da casa da moeda portuguesa.

Quando a corte do sultão tomou conhecimento da 1ª invasão francesa e da passagem da família real para o Brasil, o primeiro ministro marroquino, Mohamed Salavis, escreveu ao cônsul português, Jorge Colaço, uma carta em que exprime os sentimentos que os factos lhe causaram. Transcrevo-a parcialmente:



(...) Recebi a vossa carta e, inclusa nela, a que o Vosso Príncipe... dirigiu ao Imperador, meu Senhor. (...) consta que o Vosso Príncipe se retirou para os seus estados do Brasil... o que nos tem causado um vivo desgosto e maior sentimento por se ver obri-gado a deixar o lugar da sua... residência; mas por outra parte estimamos a real resolu-ção que tomou, pois vai ser soberano independente nos seus vastos estados, o que é melhor do que ficar e ser governado por outrem, muito mais por aqueles que não têm religião nem boa-fé. Pelo que respeita à carta... sobre a exportação de trigo e gado, devo dizer-vos que como a cidade de Lisboa e o reino de Portugal se acham ocupados por aquele inimigo, ficou infrutífera até... ficar o governo restituído aos Portugueses que... governem em nome... do Vosso Príncipe. Neste caso tudo o que pedireis vos será conce-dido com maior abundância do que tem sido concedido até agora... 11 de Dezembro de 1807.”



Também o Sultão, Muley Slimane, escreveu ao Príncipe Regente, em meados de Janeiro de 1808, a carta de pesar que se transcreve parcialmente:



(...) Sabei que Nós encarecidamente perguntamos pela Vossa Alta Pessoa e pelo estado e mais disposições em que Vos achais. Tanto que nos chegou a notícia da vossa saída... para os vossos estados do Brasil, ficámos pesarosos e em grande cuidado...; porém, quando soubemos os motivos que vos obrigaram a agir daquela maneira, nos ale-gramos muito pela vossa ida, conservando deste modo a vossa alta dignidade e poder...
Já ordenámos ao vosso embaixador Jorge Colaço que escrevesse aos Governadores que deixastes no vosso reino... que... nós lhe assistiremos em tudo aquilo que preci-sarem dos nossos estados... enquanto neles permanecer a vossa autoridade...

Após ter tomado conhecimento da restauração do governo legítimo, o Sultão escreveu ao cônsul, a 26 de Dezembro de 1808, uma carta manifestando alegria pela «restauração do vosso país, voltando o domínio deste para o vosso legítimo Soberano» e autorizando a carga de 20 mil fangas de trigo «sem direitos, como um auxílio gratuito ao vosso país... e de 2000 bois pagando 5 duros por cabeça»; e a 28 de Dezembro, escreveu aos Governadores portugueses uma carta em que afirma «damos as devidas graças e louvores ao Deus Excelso que se dignou livrar o vosso país das garras de um pérfido inimigo para o restituir ao seu legítimo Príncipe» e repete a oferta e venda referidas na carta ao cônsul «como sinal da nossa gratidão... e favoráveis disposições para convosco».

Em suma, a posição da corte de Marrocos não se ficou só por declarações abstractas de solidariedade e amizade política. Para além da oferta de trigo e da venda de bois em condições excepcionais, chegou inclusivamente a prometer à Junta Governativa do Algarve (formada após a expulsão dos franceses daquela província) um empréstimo de 200 000 cruzados para acudir às despesas da guerra – promessa que não foi concretizada porque os franceses foram entretanto expulsos e o empréstimo já não foi necessário.
Que fique pois devidamente registado o comportamento exemplarmente solidário, em palavras e actos, do reino de Marrocos para com o nosso país no período particular-mente difícil que então estava a atravessar.

(Fonte: José Acúrsio das Neves, História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino; Porto, 2008.)



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