30/08/09

BADALADAS - TEXTO 36 - 28 AGO 2009





Um outro lado das invasões francesas nas Memórias do marechal Soult

Manuela Catarino


As preocupações de um homem da guerra não se fixam apenas na quantidade de efectivos militares de que dispõe, nem no poder fogo das máquinas bélicas, nem tampouco na estratégia militar a desenvolver. Outros aspectos têm de ser devidamente acautelados, quer no cumprimento das leis a que expressamente deve obedecer, quer nos diferentes componentes da estrutura que chefia.
Esta reflexão surge-nos a propósito de um relato feito na primeira pessoa por uma das figuras da segunda invasão francesa – o marechal Soult – ao lermos o texto recentemente publicado por Livros Horizonte, com introdução e notas de António Ventura, traduzido em português sob o título Memórias do Marechal Soult: Sobre a Guerra em Espanha e Portugal.
Em Fevereiro de 1809 a propósito da sua entrada em Portugal, procurando uma passagem para Chaves, relata ele de forma sucinta: O exército ia-se arriscar por caminhos muito maus onde a artilharia não podia passar. Resignei-me a não levar comigo mais do que uma vintena de peças ligeiras e a deixar o resto, bem como os parques, o hospital e tudo o mais que não podia seguir o exército, num grande depósito que instalei em Tui, sob as ordens do general Lamartinière. Estava decidido a mandá-lo buscar assim que chegasse ao Porto” (Ibidem p.43).
A 12 de Março de 1809, depois da capitulação da cidade flaviense, Soult manda instalar aí um depósito de doentes, sob a protecção de uma pequena guarnição enquanto prossegue a marcha para Braga em situação de combate permanente.
Mais tarde, já depois da ocupação do Porto pelas forças francesas, o próprio marechal justifica a escolha que fizera: Quando este depósito foi criado, para tratar e proteger dos habitantes os nossos primeiros feridos e doentes não transportáveis, a minha única finalidade era conseguir-lhes uma boa capitulação que lhes permitisse juntarem-se-me algures, depois da paz assinada em Lisboa” ( Ib. p.57).
O evoluir dos conflitos, contudo, irá contrariar as suas previsões. Ainda, de acordo com o seu testemunho, virá a saber que esse depósito de doentes, bem como a guarnição de cem homens que asseguravam a sua guarda tinham sido obrigados, após oito dias de bloqueio, a capitular. Muitos desses infelizes tinham sido massacrados no trajecto de Chaves para Lisboa (Ib. p.57)
A atitude dos habitantes de Tui merece-lhe reparo, quando, nas suas palavras, recusaram os bens mais necessários aos doentes (Ib.p56). Aliás é exactamente a vivência dos franceses, aí cercados pelas milícias portuguesas e espanholas, que merecem para Soult, uma descrição mais exacerbada: A situação do depósito era crítica na altura em que o bloqueio foi levantado. Dos 3400 homens que compunham a guarnição apenas sobravam 1500 em estado de prestar serviço. Os hospitais tinham falta de medicamentos, a febre reinava e levava todos os dias vários soldados. Já não havia vinho, dois terços dos cavalos do parque tinham sido comidos. (Ib. pp.55-56).
Melhor destino tiveram os franceses que integravam a retirada das forças em Baltar, quando Soult, tendo no seu encalço os exércitos português em Amarante, e inglês no Porto, se dirige para Montalegre. As ordens do marechal são explícitas: De alvorada, a artilharia estava destruída, todas as bagagens queimadas, as munições de infantaria e os feridos em cima dos cavalos de artilharia […] O ponto mais importante estava alcançado. O corpo de exército todo reunido não deixando nenhum homem para trás. (Ib. p.70)
Parece-nos importante realçar esta última frase do marechal no sentido em que sabemos que durante as campanhas militares a assistência médica imediata nos campos de batalha não é a primeira das preocupações dos estrategos. Moribundos e cadáveres vão juncando os cenários de guerra, abandonados à sua sorte, enquanto que feridos ou doentes, apoiados nos seus camaradas de armas, se arrastam até aos hospitais de campanha. Estes, posicionados em local mais resguardado, nem sempre asseguram as melhores condições médicas e de higiene, e a maior ou menor experiência dos cirurgiões procura milagres para não aumentar a contabilidade das baixas…
Na Península os exércitos napoleónicos contaram, no entanto, com a abnegação e a prática médica pioneira de um homem que passará a ser conhecido como “ Providência do soldado”- o cirurgião Dominique Jean Larrey. Mas, infelizmente para os soldados de Soult, ele não acompanhou a deslocação do 2º corpo da Grande Armée. Dele falaremos no próximo artigo.





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