UM CIRURGIÃO NA FRENTE DE BATALHA
DOMINIQUE JEAN LARREY
MANUELA CATARINO
A memória histórica tem por hábito salientar as figuras dos homens decisores das grandes batalhas enquanto outros ficam na penumbra, acabando num maior ou menor, mas injusto, anonimato. O tempo, porém, serena paixões e permite a análise com outra lucidez sobre os factos, acções e personagens menos conhecidas, mas intensamente presentes, no desenrolar dos acontecimentos.
Esta breve introdução permite-nos retomar o olhar sobre um outro lado das campanhas militares que envolveram a França napoleónica e a Península Ibérica no início do séc.XIX, sob uma perspectiva talvez menos conhecida, mas não menos importante para o desenlace dos conflitos – a assistência médica aos feridos, na frente de batalha, protagonizada pelo cirurgião militar Dominique Jean Larrey.
Nascido a 8 de Julho de 1766, em Baudéan (perto dos Altos Pirinéus), segundo filho de um modesto cordoeiro, inicia os rudimentos escolares com o pároco local. Aos treze anos assume o gosto pelos estudos médicos e junta-se ao tio Alexis Larrey, cirurgião chefe
A vida de ambos ficará indissoluvelmente ligada, já que Dominique Larrey estará presente durante mais de vinte anos nas campanhas napoleónicas, suscitando a admiração de todos quantos acompanham a sua acção no campo de batalha, e o reconhecimento do próprio Napoleão.
A obra Mémoires de Chirurgie Militaire et Campagnes, que redigiu entre 1810 e 1812, testemunha de forma eloquente as suas práticas pioneiras nos cuidados médicos de urgência, graças ao sistema, por ele idealizado, das ambulâncias cirúrgicas móveis. Os conhecimentos precisos de anatomia influenciaram a sua decisão em querer alterar o padrão de socorro aos feridos
Dominique Larrey não esteve em Portugal mas participou na campanha de Espanha, integrado no exército de Murat, como cirurgião-chefe, entre 1808 e 1809. As críticas que faz ao estado deplorável da assistência feita nos hospitais espanhóis leva-o a utilizar as suas “ambulâncias voadoras” para minimizar as baixas ocorridas em batalhas como Burgos ou Somo-Sierra. Mas o seu espírito humanitário vai mais além e, em Valladolid, chega a solicitar a criação de um hospital destinado ao inimigo (espanhóis e ingleses) para tentar irradiar a epidemia de tifo que se propagava rapidamente, e que ditará o seu regresso a Paris.
A estrela de Napoleão vai conhecendo o sentido descendente rumo à abdicação de 1814, mas Larrey só em 1818, com 49 anos, verá terminada a sua carreira militar activa. Sobreviverá a Bonaparte permanecendo seu indefectível admirador, recebendo em troca o elogio que consta do testamento datado de 15 de Abril de 1821 : …c’est l’homme le plus vertueux que j’aie connu.
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