04/01/10

BADALADAS - TEXTO Nº 44 8 JANEIRO 2010





AS LINHAS DE TORRES VEDRAS

VISTAS POR UM GENERAL FRANCÊS



J. Moedas Duarte



As fontes históricas são o instrumento necessário para o conhecimento do passado humano. Podem ser escritas e não escritas e exigem tratamento específico de modo a retirar delas toda a informação possível. Para o conhecimento da História da Guerra Peninsular há um acervo quase infinito de fontes escritas. E há também fontes iconográficas, mapas, construções militares, armamento, etc. Das fontes escritas há um núcleo particularmente rico, constituído pelas “memórias” e pela “correspondência”, escritas por intervenientes directos, geralmente franceses e ingleses, que nos relatam a sua visão dos acontecimentos. Nelas encontramos descrições de costumes, de paisagens e de pessoas. Ou pormenores e observações mais ou menos judiciosas sobre toda esta época tão rica de acontecimentos. No entanto o Historiador sabe que deve lê-las com prudência pois elas transmitem visões pessoais, com uma inevitável carga subjectiva que tende a deformar a realidade relatada. Daí a necessidade de cruzar essas informações com outras de diferente proveniência.

Estão publicados em Português alguns livros de memórias e cartas que constituem testemunhos valiosos e imprescindíveis para o conhecimento da Guerra Peninsular.

Neste espaço falamos hoje de um livro que se liga directamente com a Terceira Invasão Francesa: General Barão de Marbot - Memórias sobre a 3ª Invasão Francesa, edição da Caleidoscópio, Lisboa, 2006, com uma introdução do professor universitário, António Vicente.

Este historiador traça o percurso biográfico de Marbot, general francês que fez parte do Estado-Maior de Massena em Portugal, em 1810. Mas antes esclarece o lugar das suas memórias no conjunto dos relatos da época. Considerado inicialmente como fantasista, o testemunho de Marbot foi reconhecido como de grande fiabilidade pela edição crítica da sua obra. António Vicente considera que se trata de um contributo de grande importância para o apuramento da verdade histórica. Até porque – escreve ele na sua Introdução - “ Marbot faz justiça ao comportamento dos portugueses na Guerra Peninsular. Quando analisa, no último capítulo dedicado à guerra na Penín¬sula, o desempenho dos diversos intervenientes, escreve: «No que respeita aos portugueses, não lhes foi feita justiça pelo contributo que deram às guer¬ras da Península. Menos cruéis, muito mais disciplinados que os espanhóis e com uma coragem mais calma, eles formavam, no exército de Wellington várias brigadas e divisões que, dirigidas pelos oficiais ingleses, não ficavam a dever nada às tropas britânicas, mas, como eram menos gabarolas que os espanhóis, falaram pouco deles e das suas façanhas e a reputação tornou-os menos célebres». Palavras tanto mais elogiosas quanto foram escritas por um adversário...”



A leitura do relato de Marbot é, de facto, apaixonante. Habituados que estamos ao ponto de vista patriótico e inglês, somos levados ao outro lado da guerra, o do inimigo, representado pelo exército francês. Ele relata inicialmente os acontecimentos da 2ª Invasão, no Norte de Portugal, pelo exército de Soult, mas centra-se depois na 3ª Invasão, na qual participou como ajudante de campo de Massena, sempre perto dos centros de decisão. É muito crítico quanto à forma como Massena conduziu a campanha, acusando-o de hesitações nos momentos cruciais e de não saber impor a sua autoridade aos comandantes mais contestatários, o marechal Ney e o general Reynier. Considera que o desaire francês na Serra do Buçaco se deveu a erros grosseiros na avaliação e reconhecimento das posições de Wellington, agravados depois por opções inexplicáveis na fase da marcha para Lisboa.

Frente às Linhas de Torres Vedras, que refere muitas vezes como sendo “de Sintra”, Marbot faz uma crítica demolidora às orientações de Massena. Do seu ponto de vista, no início de Outubro de 1810, as Linhas não eram inexpugnáveis e Massena deveria ter optado por um ataque bem planeado, com diversos pontos de investida, o qual teria condições de êxito face à desorganização dos ingleses, a braços com a multidão de refugiados que acompanhara Wellington para trás das Linhas. Marbot refere também que estas famosas fortificações ainda não estavam concluídas, pelo que seria ainda mais fácil a sua abordagem. Massena hesitou devido à recusa formal de Ney em lhe obedecer e às reservas de Reynier. Tudo isso agravado pela facto de outro general francês, Sainte-Croix, o único que poderia dar bons conselhos ao comandante em chefe, ter sido morto por um tiro de canhão quando fazia um reconhecimento perto de Alhandra. E Marbot termina assim o capítulo em que fala das Linhas de Torres Vedras:

«Afastei-me, portanto, com muita pena das colinas de Sintra, de tal for¬ma estava persuadido que poderíamos ter quebrado as linhas que estavam ainda por acabar, aproveitando a confusão no campo inglês lançada pelos fugitivos. Mas o que era, então, fácil já o não foi de todo quinze dias depois! Na verdade, Wellington, obrigado a alimentar a multidão que tinha obrigado a recuar para Lisboa, utilizava a força de braços de 40 000 camponeses sãos e fazia-os trabalhar na conclusão das fortalezas que ele queria espalhar por Lisboa. A cidade ficou, desde então, muito forte.»









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