Le Moniteur, jornal fundado em Paris em 1789 e que se publicou até 1901. Durante muito tempo foi o órgão oficial do governo francês com o título principal de Gazette Nationale. O sub-título Le Moniteur passou a principal em 1 Janeiro de 1811.
DESINFORMAÇÃO EM TEMPO DE GUERRA
José NR Ermitão
O Le Moniteur foi o jornal oficial do governo francês durante o período revolucionário e napoleónico; transmitia notícias controladas pelo governo, boletins militares, declarações oficiais e textos de propaganda política. Apresentava também artigos culturais e tinha grande divulgação em França e na Europa.
Como a informação do Moniteur era completamente controlada pelo poder napo-leónico, podemo-nos interrogar sobre que notícias teriam os franceses acerca da invasão de Portugal pelo exército comandado por Massena. A resposta é simples: poucas, atrasadas e mentirosas.
Antes da 3ª invasão, o jornal transcreve declarações ameaçadoras de Napoleão indicando claramente os seus intentos. Nelas afirma que “Antes de um ano, os Ingleses, por muitos esforços que façam, serão expulsos da Península, e a águia imperial flutuará sobre as fortalezas de Lisboa...” (27/9/1809); que Wellington, general incompetente, terá o mesmo destino de outros generais ingleses derrotados (9/10/1809); e que “Ape-nas eu transponha os Pirenéus, o leopardo (a Inglaterra) assustado fugirá em direcção ao Oceano para evitar a vergonha, a derrota e a morte” (4/12/1809).
Com a invasão em curso, as primeiras notícias aparecidas no Moniteur, a 29/11/ 1810 (já quinze dias depois dos franceses terem abandonado as Linhas de Torres), são sobre a batalha do Buçaco e comunicam que “o ataque no Buçaco não foi senão um falso ataque... a fim de cobrir o movimento de flanco que tinha sido decidido para tornear as montanhas...” Como é evidente, nada disto é verdadeiro: o ataque francês no Buçaco não foi falso e foi rechaçado pelos luso-ingleses; e o movimento de flanco dos franceses foi posterior à sua derrota. Ou seja, o jornal transforma em manobra de diversão vitoriosa uma derrota que custou aos franceses milhares de mortos e de feridos.
No dia seguinte (30/11) o jornal torna a noticiar sobre a invasão e nos seguintes termos: “Os Ingleses tinham a sua direita em Alhandra, sobre o Tejo, a sua esquerda, perto da embocadura do Lisandro; ocupavam uma posição com dez léguas de extensão sobre uma linha de colinas entrincheiradas; (Massena) fez o que pôde para levar os Ingleses à luta; mas foi-lhe impossível travar uma batalha com um inimigo extremamente prudente e que não queria combater... resguardado... por trás de trincheiras cheias de artilharia e inexpugnáveis.»
Desta vez o jornal foi fiel à verdade, pois refere a inexpugnabilidade das Linhas, a incapacidade de Massena em as tomar e a extrema prudência de Wellington. Mas as mentiras são imediatas quando comunica “Que os regimentos e os soldados franceses recebiam diariamente a sua provisão de pão e biscoito, que se tinham organizado inúmeros armazéns de cereais e que nada havia a temer quanto a subsistências...” – ou seja, exactamente o contrário do que estava a acontecer, com a fome a morder severamente o exército de Massena.
Em 26 de Fevereiro de 1811, uma semana antes da retirada definitiva dos franceses, ainda adiantava o Moniteur que “...o dia em que o exército inglês (derrotado) embarcar, será um dia de festa...” E assim o jornal iludia os franceses falando-lhe em vitórias futuras que, como sabemos, nunca aconteceram.
Mas o cúmulo da mentira aparece no dia seguinte, 27 de Fevereiro, quando comunica “que o marechal... (Massena) tinha julgado conveniente fazer um movimento; que tinha feito chegar a sua direita até ao mar e a sua esquerda até ao Zêzere e que o seu quartel-general estava em Pombal; que os diferentes corpos de tropas a soldo da Inglaterra tinham sido derrotadas; que colunas (francesas) tinham percorrido Portugal por todo o lado e conseguido a submissão... de várias regiões.”
De facto Massena fez um movimento, de recuo; mas nem os ingleses foram derrotados nem os franceses dominaram outras parcelas do território para além das que ocupavam militar e fugazmente, nem nunca o seu quartel-general esteve em Pombal, salvo por momentos e já no movimento de retirada definitiva.
Os franceses não eram informados, mas sim desinformados. Definitivamente, numa guerra, as grandes vítimas são sempre as pessoas e a verdade!
[Publicado no Badaladas em 2 JULHO 2010]
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