“Brilos”: um enigma histórico.
Pedro Fiéis *
O primeiro confronto entre ingleses e franceses no que ficou conhecido como Guerra Peninsular, ocorre em território português, mas a sua localização exacta esteve desde sempre envolta em algum mistério, decorrente do nome dado à escaramuça – “Brilos”.
Surgiram em dois séculos de História as mais variadas teorias sobre o local, umas mais fundamentadas do que outras, tendo a maioria apenas um aspecto em comum: a existência de um moinho. Recapitule-se entretanto o desenrolar dos acontecimentos, para uma melhor compreensão do mesmo.
No dia 14 de Agosto de 1808, o exército anglo-português chega a Alcobaça onde pernoita. No dia seguinte, o general Wellesley, sabendo que os franceses se encontravam na zona das Caldas da Rainha, ordenou o avanço de duas companhias do 60º regimento e outras duas do 95º, unidades de atiradores de elite, que deveriam reconhecer o terreno.
Por seu turno o general Delaborde que comandava a primeira divisão do Armée du Portugal, enviada ao seu encontro, havia destacado seis companhias para um moinho numa elevação perto de um curso de água, com o objectivo de vigiar a estrada que ligava Caldas a Óbidos.
Os ingleses, apesar das ordens em contrário, entusiasmam-se ao conseguirem numa primeira fase surpreender o inimigo, forçando-o a recuar e iniciam uma perseguição que só termina junto às muralhas de Óbidos, quando outras companhias francesas se juntam à refrega, disparando um intenso fogo cruzado, que logo ali causa 27 mortos e feridos entre os ingleses, incluindo 2 oficiais. Só com a chegada da brigada do general Spencer é que finalmente os franceses abandonam a sua posição, terminando por esse dia os combates.
Para mais detalhes temos que consultar autores como Oman, por exemplo, que nos refere os 3 factores que devem orientar a busca: - Uma elevação com um moinho; - Uma linha de água, mas excluindo o Rio Real; - A existência de uma estrada real. Os autores portugueses da época seguem todos a descrição dos ingleses, não mudando sequer o nome, daí os mapas não ajudarem muito.
Apesar disso, pode-se excluir desde logo os moinhos mais próximos da vila de Óbidos, nomeadamente o do “Facho”, situado na ponta Sul da vila e o dos “Arrifes”, a Leste, apontado pela tradição popular como o palco dos eventos, mas longe da estrada e de um curso de água.
Uma Carta Topográfica do Reino de 1867 e o Atlas de James Wyld de 1840, são os elementos finais a consultar antes de uma ida ao terreno. No segundo documento, este primeiro confronto é colocado a meio caminho, entre as duas localidades já citadas e no primeiro podemos constatar a existência de uma estrada real que partindo por detrás do actual quartel militar, nas Caldas, segue em linha recta pelo vale e passa pelo Bairro de Nossa Senhora da Luz e pela Ermida de Santo Antão, desembocando junto às muralhas a Norte de Óbidos.
Esta é uma estrada que ainda existe nos nossos dias, seguindo um percurso paralelo à actual nacional e o Bairro é uma localidade muito antiga, na época pouco povoada, mas já contando com uma igreja, defronte da qual existe numa colina e perto de um curso de água, um moinho.
Reside então aqui a chave para a resolução do problema, uma vez que todos os factores já descritos se conjugam e se hoje em dia a vista se encontra um pouco obstruída, os habitantes locais mais idosos ainda se lembram de duas condicionantes muito importantes e que eram ainda uma realidade na primeira metade do século XX.
A primeira eram os pântanos que existiam na zona, ou seja, ninguém se aventurava para muito longe dos caminhos conhecidos e a segunda era a vista nítida para a saída Sul das Caldas da Rainha.
Por tudo isto o Bairro da Senhora da Luz configura-se como a hipótese mais provável para a localização de “Brilos”, evento de pouco relevo na época, mas de grande importância para quem hoje em dia estuda a época.
* Historiador torriense, co-autor do livro A Primeira Invasão Francesa – As Batalhas da Roliça e do Vimeiro, ed. Nova Galáxia, Caldas da Rainha, 2005
Nota da Coordenação: A História é feita de múltiplas abordagens. Para se perceberem os grandes acontecimentos, é necessário estudar os pequenos factos, por mais insignificantes que pareçam. Esta micro-história ocupa actualmente muitos historiadores porque ela permite esclarecer pormenores que se revelam, muitas vezes, como factores decisivos na evolução histórica.
O texto de hoje é um bom exemplo.
Pedro Fiéis *
O primeiro confronto entre ingleses e franceses no que ficou conhecido como Guerra Peninsular, ocorre em território português, mas a sua localização exacta esteve desde sempre envolta em algum mistério, decorrente do nome dado à escaramuça – “Brilos”.
Surgiram em dois séculos de História as mais variadas teorias sobre o local, umas mais fundamentadas do que outras, tendo a maioria apenas um aspecto em comum: a existência de um moinho. Recapitule-se entretanto o desenrolar dos acontecimentos, para uma melhor compreensão do mesmo.
No dia 14 de Agosto de 1808, o exército anglo-português chega a Alcobaça onde pernoita. No dia seguinte, o general Wellesley, sabendo que os franceses se encontravam na zona das Caldas da Rainha, ordenou o avanço de duas companhias do 60º regimento e outras duas do 95º, unidades de atiradores de elite, que deveriam reconhecer o terreno.
Por seu turno o general Delaborde que comandava a primeira divisão do Armée du Portugal, enviada ao seu encontro, havia destacado seis companhias para um moinho numa elevação perto de um curso de água, com o objectivo de vigiar a estrada que ligava Caldas a Óbidos.
Os ingleses, apesar das ordens em contrário, entusiasmam-se ao conseguirem numa primeira fase surpreender o inimigo, forçando-o a recuar e iniciam uma perseguição que só termina junto às muralhas de Óbidos, quando outras companhias francesas se juntam à refrega, disparando um intenso fogo cruzado, que logo ali causa 27 mortos e feridos entre os ingleses, incluindo 2 oficiais. Só com a chegada da brigada do general Spencer é que finalmente os franceses abandonam a sua posição, terminando por esse dia os combates.
Para mais detalhes temos que consultar autores como Oman, por exemplo, que nos refere os 3 factores que devem orientar a busca: - Uma elevação com um moinho; - Uma linha de água, mas excluindo o Rio Real; - A existência de uma estrada real. Os autores portugueses da época seguem todos a descrição dos ingleses, não mudando sequer o nome, daí os mapas não ajudarem muito.
Apesar disso, pode-se excluir desde logo os moinhos mais próximos da vila de Óbidos, nomeadamente o do “Facho”, situado na ponta Sul da vila e o dos “Arrifes”, a Leste, apontado pela tradição popular como o palco dos eventos, mas longe da estrada e de um curso de água.
Uma Carta Topográfica do Reino de 1867 e o Atlas de James Wyld de 1840, são os elementos finais a consultar antes de uma ida ao terreno. No segundo documento, este primeiro confronto é colocado a meio caminho, entre as duas localidades já citadas e no primeiro podemos constatar a existência de uma estrada real que partindo por detrás do actual quartel militar, nas Caldas, segue em linha recta pelo vale e passa pelo Bairro de Nossa Senhora da Luz e pela Ermida de Santo Antão, desembocando junto às muralhas a Norte de Óbidos.
Esta é uma estrada que ainda existe nos nossos dias, seguindo um percurso paralelo à actual nacional e o Bairro é uma localidade muito antiga, na época pouco povoada, mas já contando com uma igreja, defronte da qual existe numa colina e perto de um curso de água, um moinho.
Reside então aqui a chave para a resolução do problema, uma vez que todos os factores já descritos se conjugam e se hoje em dia a vista se encontra um pouco obstruída, os habitantes locais mais idosos ainda se lembram de duas condicionantes muito importantes e que eram ainda uma realidade na primeira metade do século XX.
A primeira eram os pântanos que existiam na zona, ou seja, ninguém se aventurava para muito longe dos caminhos conhecidos e a segunda era a vista nítida para a saída Sul das Caldas da Rainha.
Por tudo isto o Bairro da Senhora da Luz configura-se como a hipótese mais provável para a localização de “Brilos”, evento de pouco relevo na época, mas de grande importância para quem hoje em dia estuda a época.
* Historiador torriense, co-autor do livro A Primeira Invasão Francesa – As Batalhas da Roliça e do Vimeiro, ed. Nova Galáxia, Caldas da Rainha, 2005
Nota da Coordenação: A História é feita de múltiplas abordagens. Para se perceberem os grandes acontecimentos, é necessário estudar os pequenos factos, por mais insignificantes que pareçam. Esta micro-história ocupa actualmente muitos historiadores porque ela permite esclarecer pormenores que se revelam, muitas vezes, como factores decisivos na evolução histórica.
O texto de hoje é um bom exemplo.
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