03/08/08

Texto 14 ( Jornal "BADALADAS", 01 / 08 / 2008 )






DOUTRINAS MILITARES EM CONFRONTO

OS FRANCESES


Pedro Fiéis*



Durante a Guerra Peninsular, acima dos dois exércitos em confronto – o francês e o inglês - estão duas muito distintas doutrinas de guerra.
Em França, a derrota na Guerra dos Sete Anos vai provocar um forte abalo em todas as estruturas militares e levar ao aparecimento de grandes estrategas que vão revolucionar a forma de combater no século XIX.
Guibert defendia a ideia que nação hegemónica seria aquela que possuísse um exército de conscrição nacional, organizado em divisões autónomas, o que lhe garantiria a mobilidade. Boucert pega nesta ideia e vai mais longe defendendo que a dispersão seguida de uma rápida concentração surpreenderia o inimigo. Por sua vez, Gribevaul com os irmãos Du Teil, são fundamentais para o progresso registado na artilharia.
Napoleão Bonaparte pega em todas estas teorias, aprofunda-as e testa-as com sucesso nos mais diversos campos de batalha europeus. Mais do que divisões, ele criou os Corpos, que agrupavam várias divisões e que congregavam infantaria, cavalaria e artilharia.
Com várias frentes de batalha ao longo de sucessivos anos, Napoleão sabia que o treino que os recrutas recebiam era básico, mas desta limitação fez a sua força, dizendo mesmo aos seus generais que os mosquetes não eram a melhor arma do soldado, mas sim as suas botas.
Por outras palavras, a rapidez com que movimentava o exército surpreendia o inimigo. O facto de ter, por exemplo, 3 Corpos dispersos numa frente de 200 km, para dias depois os ter concentrados numa frente de apenas 50 km, confundia o seu opositor, garantindo-lhe superioridade no campo de batalha, num local que na maior parte das vezes era escolhido por ele.
As forças francesas organizavam-se do seguinte modo: a infantaria dividia-se em ligeira e pesada. A primeira era a mais móvel, capaz de actuar de forma dispersa, reagrupando-se rapidamente quando tal fosse necessário e englobava os Voltigeurs, atiradores de elite. A segunda era a infantaria de manobra, a espinha dorsal do exército. Num ataque napoleónico típico, uma cortina de Voltigeurs fustigava as linhas inimigas e protegia o avanço das colunas de infantaria, que ofereciam assim uma frente reduzida ao fogo contrário.
Para a cavalaria, que tradicionalmente era utilizada para reconhecimento e para dar a estocada final no inimigo, estava reservado agora um novo papel, o de romper com as linhas inimigas. Dividia-se para isso em pesada, com os Cuirassiers, por exemplo, que protegidos por couraças conseguiam ser devastadores em batalha. E a ligeira, Chasseurs à Cheval e Dragons, entre outros, os últimos também treinados para desmontar e lutar como infantaria.
Finalmente a artilharia, com o denominado sistema Gribevaul. Para além das pesadas armas de cerco, contava ainda com canhões de tiro directo e morteiros, para o tiro em arco capaz de ultrapassar obstáculos. Existiam ainda peças que dado o seu menor calibre seguiam a infantaria no seu avanço, em muito contribuindo para aumentar o poder de fogo.
A mobilidade não poderia no entanto ser atingida se o exército estivesse dependente das longas e lentas linhas de abastecimento. Por isso, cada Corpo dependia de si próprio para o respectivo abastecimento, papel que em marcha era normalmente atribuído à cavalaria. Para além disso os soldados recebiam treino específico no que concerne ao cultivo de cereais e ao fabrico do pão.
Estas características aqui resumidas explicam a superioridade militar francesa nos campos de batalha da Europa no início do século XIX.
* Professor, Investigador de História

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