DOUTRINAS MILITARES EM CONFRONTO NA GUERRA PENINSULAR:
OS INGLESES
Pedro Fiéis *
Do lado inglês temos uma perspectiva totalmente diferente, forjada principalmente à custa das duras lições apreendidas na Guerra de Independência dos E.U.A. e que perspectivam algo que entendemos como um exército moderno.
Por outras palavras, não existe um recrutamento obrigatório, mas sim o profissionalismo. Nas palavras de sir Arthur Wellesley, futuro duque de Wellington, o pior da sociedade inglesa alistava-se, mas sob o enquadramento de um regimento operava-se uma enorme transformação. A vida militar era dura, mas oferecia alguns privilégios como o salário regular, mais os prémios por vitórias alcançadas, para além de os soldados poderem ter consigo as suas mulheres e de as primeiras escolas públicas terem surgido nos regimentos.
Um treino longo e rigoroso fazia destes homens uma máquina disciplinada, capaz de manobrar mesmo nas mais difíceis circunstâncias, algo que os franceses não faziam. Depois era igualmente dado um grande ênfase ao poder de fogo. A India Pattern, o mosquete mais utilizado na Península, tinha um calibre de 19.3mm, por oposição ao mosquete Charleville francês, com um calibre de 17.5mm.
A organização das tropas era em tudo semelhante à francesa, a diferença residia apenas no seu uso em batalha. Foi com as milícias dos E.U.A., que os ingleses aprenderam aquela que viria a ser a sua táctica mais bem sucedida durante toda a Guerra Peninsular, a da contra encosta. Ou seja, no topo das colinas colocavam apenas as unidades de infantaria ligeira, mantendo os restantes regimentos formados em linha protegidos na referida contra encosta.
No momento certo, estes homens colocavam-se no topo e disparavam 3 salvas em 1 minuto, mais do que suficientes para travar qualquer avanço. Compensavam deste modo a fraca precisão de tiro dos mosquetes, algo de que o Board of Ordnance (organismo que tutelava o fabrico das armas) tinha plena consciência quando encomendou a “Baker”, uma arma que veio introduzir o conceito de espingarda.
Ao seu menor tamanho aliava um cano estriado que lhe conferia a tão necessária precisão. A sua fama deve-se igualmente a novas unidades designadas por Riflemans, derivação de Rifle, que a utilizavam em exclusivo e que em batalha actuavam como os Voltigeurs franceses, mas com a vantagem de serem muito mais precisos nos seus tiros, conseguindo muitas vezes eliminar os oficiais inimigos.
A surpresa final reservada para os franceses, consistia numa nova munição utilizada pela artilharia, a granada Shrapnel, nome do seu inventor, que a criou para que a artilharia se pudesse defender da cavalaria, mas que em muito ultrapassou este propósito. Consistia numa esfera oca, cheia de pólvora e balas, na qual se introduzia um rastilho. A perícia do artilheiro em calcular distâncias era fundamental, pois tudo bem feito a bala explodiria ainda em voo com um efeito de cone. As colunas francesas, na batalha do Vimeiro, foram as primeiras a experimentar o seu terrível efeito.
Quanto aos abastecimentos, Wellesley dava-lhes a maior importância pois sabia, tal como Napoleão, que os homens necessitavam de uma boa alimentação para continuarem a lutar. A diferença residia no facto de o primeiro continuar a depender das linhas de comunicação para os obter, mantendo por isso oficiais do comissariado junto do seu Estado-maior e junto dos regimentos, para que nada faltasse.
Na Primeira Invasão, por exemplo, a esquadra fornecia os viveres, estabelecendo-se pontos onde eram criados depósitos que supriam as necessidades por 3 dias. A aquisição de outros bens junto da população, deveria ser paga no acto, sob penas severas em caso de incumprimento.
* Professor e Investigador de História
NOTA DA COORDENAÇÃO:
Este artigo completa o da passada semana, que se havia debruçado sobre a organização militar dos franceses.
Recordamos que estes escritos têm como objectivo divulgar conhecimentos sobre a Guerra Peninsular. Não são trabalhos de investigação ou de abordagem exaustiva dos temas. Os nossos leitores que quiserem aprofundar as questões tratadas poderão encontrar bibliografia abundante nas livrarias. No nosso blogue LINHAS DE TORRES procuramos divulgar a que vai sendo publicada e que chega ao nosso conhecimento.
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