REVOLTAS POPULARES NO ALGARVE CONTRA OS FRANCESES DE JUNOT
Henrique Vieira*
Junot ocupou Portugal a partir de finais de Novembro de 1807. Os actos que se seguiram foram os do ocupante que procura neutralizar qualquer possibilidade de revolta: desarmamento geral, imposição da lei marcial com julgamentos sumários que espalham terror, lançamento de pesados impostos. Junot fixou o quartel-general em Lisboa mas as tropas francesas e espanholas espalharam-se pelos principais pontos do país. O Algarve foi inicialmente ocupado pelo general espanhol Campigny mas, depois de um desentendimento com os franceses, são estes que vêm a fixar-se em Faro, sob o comando do general Maurin.
Nos primeiros dias de Março de 1808, este general lança um tributo mensal de 1.200$000 reis, a ser pago pelas comarcas de Faro, Tavira e Lagos, para o chamado prato do governador (para o sustento da sua casa e estado), para além de outros impostos diversos. Tudo o que era ouro e prata das igrejas passou para as mãos dos franceses, sob o pretexto que eram mais úteis no fabrico de moedas de ouro e prata do que no sítio onde estavam. Destes actos ainda hoje os mais antigos utilizam as expressões “Roubar à grande e à francesa” e “Tens mais artes que os Bonapartes”.
Entretanto em Espanha, a 2 de Maio, inicia-se a sublevação contra a ocupação napoleónica e a 26 processa-se a Revolta da Andaluzia estabelecendo-se, em Sevilha, uma Suprema Junta de Governo que, a 6 de Junho, declara guerra à França, em nome de Fernando VII, Rei de Espanha. Em Julho os franceses, até aí invencíveis, sofrem uma grande derrota em Bailén, Espanha. As notícias destes acontecimentos chegam rapidamente ao Algarve. Junot ordena a Maurin que concentre os seus homens nas fortalezas do Guadiana, pelo que passam a ser pequenos os contingentes franceses que ficam nas cidades e fortalezas de defesa da costa. Por esta altura a armada inglesa mantém uma vigilância permanente nas costas algarvias e nas da Andaluzia, dificultando ao máximo o abastecimento dos franceses. O povo, insofrido com a ocupação, esperava apenas um rastilho para incendiar a revolta. Ele surge quando, em 12 de Junho se iniciam os preparativos para a festa de Santo António, em Olhão. João da Rosa, ao armar o andor para colocar o Santo, “olhando para as armas reais que estão na dita capela e se achavam tapadas e pregadas com um painel da Senhora da Conceição, pô-las a público, sem olhar a mais nada e somente confiado em Deus”. No dia 13 quando os marítimos se dirigiam para a festa e vendo tal acto, foram para a praia e embandeiraram todas as embarcações com a bandeira portuguesa e lançaram vivas ao Príncipe Regente e à Liberdade.
Quatro dias depois o tenente – coronel José Lopes de Sousa, governador da praça de Vila Real de Santo António, que estava em Olhão há dois meses, ao dirigir-se com a sua família para a missa do Corpo de Deus, reparou que alguns marítimos tentavam ler um edital que estava fixado à porta da igreja, no qual Junot incentivava os portugueses a aliarem-se aos franceses contra os espanhóis revoltosos. Lopes de Sousa rasga o cartaz e diz: -”Já não merecemos o nome de portugueses e já não há homens do mar como os antigos!” ao que respondem os presentes que “eram homens como os seus antecessores, fiéis e leais a Sua Majestade, por quem estavam prontos a derramar a última pinga de sangue (…). Logo, sem mais demora, correu cada um quanto mais podia a rasgar os editais; subindo à torre puseram-se a tocar a rebate e todos a uma voz puseram-se a clamar: Viva Sua Majestade e o Príncipe Regente, Nosso Senhor, Dom João de Portugal; Viva toda a Família Real; Vivam todos os nossos governos portugueses que foram fiéis ao nosso amado Príncipe; morra toda a nação francesa”.
A partir daqui desenrolam-se múltiplos confrontos. Os franceses estão agora perante uma população exaltada e disposta a tudo para recuperar a liberdade. Olhão, mas também Faro, Tavira e Vila Real de Santo António, entre outras localidades, sem qualquer apoio militar, desgastam a tropa francesa com acções constantes de guerrilha, infligindo baixas entre os soldados inimigos. Um barco de Olhão, com 17 tripulantes, mete-se ao mar e leva ao Príncipe Regente no Brasil, novas do Algarve em armas. Acto heróico que ainda hoje se evoca no nome de Vila de Olhão da Restauração concedido pelo Príncipe.
Por todo o lado os franceses não mais terão descanso até serem obrigados a abandonarem o país, após a Convenção de Sintra, em finais de Agosto de 1808.
* Professor
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